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Artigo

Assalto à água, por Ermanno Allegri

Adital – O Enlazando Alternativas 2, EA2, evento paralelo ao encontro dos chefes de Estado e de Governo da América Latina e Caribe e os da União Européia, inaugurou suas atividades com a abertura solene da Seção do Tribunal Permanente dos Povos sobre Políticas Neoliberais e Transnacionais Europeas em América Latina e Caribe, na noite de ontem, 10. Houve destaque especial hoje, dia 11, aos Serviços Públicos da Água.

Abriu a seção o representante da REBRIP (Rede Brasileira de Integração dos Povos), afirmando que a água já é um dos negócios mais rentáveis no mercado internacional. Quem oferece a água para ser privatizada (políticos, técnicos, etc.) e quem quer compra-la já têm em vista fazer um bom negocio, bom mesmo para ganhar muito dinheiro. Esse interesses, porém, sempre se disfarça com a promessa de melhorar o serviço, ampliar a rede, chegar aos mais necessitados, etc.

Por isso, desde o começo dos contatos, já entra na negociação a previsão de fazer, refazer e adaptar os contratos para otimizar as cobranças, rever políticas, tarifas e redesenhar, em tempos diferentes, todo o serviço público, tendo em vista um lucro maior. Nesse momento, em que desrespeitam contratos, leis e até a própria constituição, não ocorre nenhuma participacão da sociedade.

É o que afirmou Carlos Santos, do Uruguai, onde a Suez, multinacional francesa da água, através da Agua de Barcelona, a Agbar, da qual detém 48,64% das acões, se apoderou do serviço público de água no Estado de Maldonado. Todos os acordos, na prática, foram desrespeitados, desde o respeito ao meio ambiente, até, sobretudo, às tarifas cobradas. Estas aumentaram 700% para o uso da água e a 8.000% para o servico de esgoto. Assim, muitos que não podiam arcar com o novo gasto ficaram sem água, também porque muitas torneiras públicas foram cortadas.

Em Santillo, no México, a 200 quilômetros da fronteira com os Estados Unidos, a situacão é desastrosa. Rodolfo Garza, da Associacão de Usuários da Água de Santillo, mostra um documento que compila 1.500 artigos publicados na imprensa local, que denunciam as irregularidades da mesma Agbar. Além disso, mostram a cruel repressão exercida contra todos que se manifestam ou fazem greve contra a empresa, como os trabalhadores que foram demitidos depois de mais de 20 anos de trabalho, com uma indenizacão irrisória.

Também em Manaus, no Brasil, explica a índia Francis Junior, a Suez se apoderou da água em 2000. Este foi o primeiro municipio brasileiro onde a água foi privatizada. Atualmente, cerca de 300.000 pessoas estão quase sem água, sendo que, além de não poder pagar pelo servico, ficaram com poucas horas de água em chafarizes públicos: de 4h às 9h da manhã. O esgoto prometido continuam sendo os córregos a céu aberto.

Para completar o panorama, Alberto Muñoz de Rosario, da Provincia de Santa Fé, na Argentina, onde a água foi privatizada nos 15 municípios, declara em palavras forte e claras que a Suez é uma empresa depredadora, incompetente, má administradora, porque, depois de 15 anos como dona da água daquela região, foi despachada de lá porque nada mais funcionava, e deixou 600 milhões de dólares em prejuizos. Mas levou o dinheiro, deixando o prejuizo para a Argentina.

Considerando estes depoimentos e o debate que seguiu, Luis Guillerme Pérez, secretário executivo da CIFCA (Iniciativa de Copenhagen para a América Central e México), resumiu algumas consideracões: existe ainda grande desconhecimento e até desconsideracão em relacão à água como direito humano fundamental: água potável de fácil alcance e suficiente; e não se pode desconsiderar, por nenhum motivo, a primazia do direito à agua, em vista de algum contrato econômico, nacional ou internacional, de interesse privado.

Pérez recomenda à coordenacão da secão do Tribunal Permanente dos Povos: Que se declare novamente a água um direito humano essencial e inalienável, e a conseqüente soberania das nacões sobre seus recursos naturais; que se encontrem caminhos legais para obrigar as empresas a arcar com os custos para reparar os estragos ecológicos provocados na exploração das fontes de água, e a possibilidade de acabar com os contratos que não respeitam os acordos assinados; e que se encontrem formas para aplicar penas disciplinares a pessoas e empresas que praticam suborno e corrupção para alcançar a privatização da água.

* Ex-secretário nacional da Comissão Pastoral da Terra e diretor da Agência de Informação Frei Tito para a América Latina (www.adital.com.br)

(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado na Agência de Informação Frei Tito para a América Latina – 11/5/2006