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Artigo

CVRD Grandeza fora do Pará, por Lúcio Flávio Pinto

A Companhia Vale do Rio Doce está comemorando grandezas sem paralelo na sua história e na do país. O Pará contribui bastante para esses números recordes. Mas se beneficia pouco dessas realizações. Por quê?

Em cinco anos, entre 2001 e 2005, a Companhia Vale do Rio Doce investiu no Brasil mais de 28 bilhões de reais (o equivalente a 10,5 bilhões de dólares). Nenhuma empresa privada investiu tanto quanto ela nesse período. A escala é progressiva: em 2004 e no ano passado a CVRD foi bicampeã em aplicação de capital particular no país. A terceira conquista sucessiva já está garantida: a empresa pretende chegar a quase R$ 12 bilhões de investimento em 2006, fechando a conta, nos seis anos do novo século, em R$ 40 bilhões. É um recorde histórico.

Nos últimos cinco anos a companhia distribuiu o equivalente a 4,4 bilhões de dólares em dividendos. O ganho dos acionistas foi de 200% nesse período (de 40% ao ano), sem igual entre as grandes mineradoras internacionais. Significa que quem tinha US$ 1.000 em ações em 2001, tem hoje US$ 3 mil. Nem os bancos conseguiram marca igual.

Motivos, por isso, não faltaram para a campanha promocional que a empresa promove em escala nacional. Uma das peças proclama que a CVRD, além de ser “a empresa privada que mais investe no desenvolvimento brasileiro”, é também a que mais exporta, a que mais gera divisas e a que mais contribui para o saldo da balança comercial brasileira, recordista de todos os tempos em 2005. Com suas atividades de mineração, metalurgia, siderurgia, reflorestamento e logística, a empresa gera 137 mil empregos diretos e beneficia, com seus programas sociais, mais de 3 milhões de pessoas.

Essa clientela equivale a quase metade da população paraense. Só o que a Vale programou para investir neste ano, R$ 12 bilhões, ultrapassa, com ampla folga, a receita bruta do Pará. O Estado deverá faturar em torno de R$ 7 bilhões, mas só uns 10% serão destinados a investimento (pouco mais de 5% da capacidade de investimento da CVRD). Nos últimos quatro anos, as aplicações de capital da administração pública estadual não chegaram a R$ 3 bilhões, apenas um quarto do que a Vale investirá somente em 2006.

A empresa, portanto, é bem maior do que o segundo Estado no qual mais investe no Brasil. O Pará tem importância ainda maior na estratégia da Vale, por sua função eminentemente exportadora. Das entranhas paraenses saíram minérios e seus derivados que permitiram à Vale faturar quase US$ 3,5 bilhões no ano passado. Esse dinheiro representa dois terços a mais do que o Estado arrecadou em 2005.

Essa privilegiada posição, que levou o Pará a contribuir com 4% para o saldo líquido de divisas do Brasil no ano passado, em volume jamais alcançado anteriormente pelo país, somente através da CVRD, será expandida nos próximos anos. Em 2006 o Sistema Norte de produção crescerá de 70 milhões para 85 milhões de toneladas (investimento de US$ 330 milhões) e logo chegará a 100 milhões de toneladas de minério de ferro, uma escala impensável poucos anos atrás.

Maior produtora mundial de minério de ferro, a CVRD espera superar neste ano 264 milhões de toneladas contra pouco mais de 233 milhões em 2005. Metade desses 31 milhões de toneladas adicionais serão obtidos em Carajás. Mas, ao contrário do que ocorre com o Sistema Sul, quase a totalidade do minério de Carajás irá para o exterior, o que consolida a posição do Sistema Norte como o pólo de exportação por excelência da empresa. Para 2007 a previsão é de 300 milhões de toneladas produzidas nos dois sistemas.

A viabilidade de projeto de Carajás não ia além de 25 milhões de toneladas. Na escala atual, o tempo de vida útil encurtará para um quarto do previsto inicialmente. Em menos de um século a melhor mina de minério de ferro do planeta, com um teor de hematita pura que muito a aproxima do produto seguinte na escala de concentração, a do ferro-gusa (o teor passa de 65% para pouco mais de 90% de pureza), estará exaurida.

A expansão será ainda mais célere no caso da alumina, o produto que resulta da lavagem química do minério de bauxita (e que em seguida, graças a uma enorme carga elétrica, se transforma em alumínio metálico). A Alunorte começou a funcionar uma década atrás com 1,1 milhão de toneladas. Neste ano passará a 4,2 milhões de toneladas anuais, consolidando-se como a maior fábrica do mundo. Dentro de dois anos baterá próximo de 7 milhões de toneladas. Se, ao seu lado, surgir uma outra fábrica, a ABC, em parceria com os chineses, do mesmo tamanho, o Pará responderá por um terço da alumina produzida no mundo, incluindo a produção da Cadam no Jari, também sob o controle da CVRD.

Prevê-se que o presidente Lula irá a Barcarena no próximo mês para a inauguração da segunda fase e o lançamento da terceira fase, que consumirá US$ 846 milhões até 2008, elevando a capacidade de refino da Alunorte para 6,8 milhões de toneladas de alumina.

Esse poderoso centro industrial será abastecido de alumina extraída da mina de Paragominas, com capacidade de produção de quatro milhões de toneladas, que logo será duplicada. O minério seguirá para a fábrica através de um mineroduto com 244 quilômetros de extensão, o primeiro no gênero a transportar bauxita. Custará US$ 325 milhões.

Se o Sistema Norte de minério de ferro ficará equiparável ao Sistema Sul, que o antecedeu de três décadas, a trajetória da CVRD pela trilha dos não-ferrosos segue inteiramente pelo Pará. Depois do primeiro projeto de cobre, o do Sossego, que agora atinge sua plena capacidade, a mina seguinte, a do 118, começará a ser desenvolvida neste ano. Ao custo inicial de R$ 247 milhões, a empresa também dará partida em 2006 ao primeiro projeto de níquel da Amazônia, o do Vermelho, e com um investimento semelhante, de R$ 255 milhões, implantará simultaneamente um outro, o do Onça Puma, que incorporou quando assumiu, no mês passado, o controle da mineradora canadense Canico, com um lance de aquisição hostil.

As perspectivas desses empreendimentos não podiam ser tão promissoras quanto agora: os preços dos metais chegaram a valores nunca antes registrados no mercado internacional, assegurando uma rentabilidade que não estava prevista nos cálculos originais. O último reajuste dos preços do minério de ferro foi de nada menos do que 70%. Para este ano é esperado um aumento entre 20% e 25%. A tonelada de cobre está acima de US$ 4,7 mil. A do alumínio ultrapassou o patamar de US$ 2,5 mil, que não alcançava havia 17 anos. O ouro, que será produzido em Carajás como subproduto do cobre, em escala final superior à da melhor produção de Serra Pelada, chegou a US$ 560 a onda (28,35 gramas), mas se prevê que chegue ao maior preço em 25 anos, US$ 568,10.

Os ganhos se manterão excepcionais pelo menos por mais alguns anos, até que um período de queda se verifique, como é a regra nesses processos cíclicos. Mas os benefícios podiam ser bem maiores se ao Pará não fosse imposta a “vocação” de produzir apenas matérias primas (como os minérios) e insumos básicos (como alumina, alumínio, concentrado e catodo de cobre e níquel). No portfólio de investimentos, a CVRD não prevê um passo além do ferro-gusa no setor de ferrosos dentro do Pará. Além-divisas, a empresa vai expandir ou criar capacidade produtiva em pelotas de minério e chapas de aço, embora continue a declarar que não competirá com seus clientes siderúrgicos. Quanto aos não-ferrosos, o máximo que se permite é a transformação do metal, seja com bauxita quanto com cobre e níquel.

Em siderurgia, a Vale dará andamento neste ano a investimento em valor equivalente a US$ 4,6 bilhões na Usina Siderúrgica do Ceará, Companhia Siderúrgica do Atlântico e Siderúrgica do Maranhão, esta última ainda sob questionamento por sua problemática localização na ilha de São Luís. Três novas usinas de pelotização estão em curso entre Minas Gerais e Espírito Santo, com investimento de US$ 369 milhões. A pelotizadora de São Luís está sendo expandida, ao custo de US$ 6 milhões neste ano. Mais 15 milhões de toneladas anuais de pelotas serão produzidas a partir de 2008.

A empresa faz essa restrição de especialização econômica por má-vontade congênita para com o Estado? Idiossincrasias à parte, seu argumento é de que a distância do Pará e as circunstâncias do mercado desfavorecem a atividade industrial, de elaboração de produtos finais. A Vale tem um vagão de dados técnicos e informações econômicas para usar – e pode até ter razão. O problema, porém, é que não encontra oponente à altura. Freqüentemente, nem mesmo tem interlocução. É como se lidasse com um ser primário, malmente desenvolvido, capaz de arreganhos e ameaças, mas não de diálogo à altura. Esse ser rudimentar é o Estado do Pará.

Com sua linguagem cifrada, repleta de frases de efeito, os governos tucanos limitam-se, como os anteriores, a estrebuchar em determinados momentos, atiçando um fogo em relação ao qual não mostram capacidade de manejo. Logo, o fogo se extingue e vira cinza. Falta a esse interlocutor massa crítica. Não é de admirar num governo que reprime a crítica interna e desdenha o acompanhamento externo, sufocando-o com propaganda & marketing. De tudo que tem dito em 10 anos sobre verticalização da produção, internalização de efeitos, multiplicação de renda e emprego, o que, de fato, resultou de significativo, capaz de modificar o rumo que o Pará está tomando, de estagnar como enclave primário? Nada.

O crescimento do Estado reluz no cenário da federação, com a intensidade e o brilho de um fogo de artifício, ou como na imagem do poeta Vinícius de Moraes: intenso enquanto brilha; mas efêmero. Depois, virá o escuro da realidade num Pará condenado a vender produtos (eventualmente com preços melhores) que terão seus efeitos multiplicados não na terra do vendedor, mas na terra do comprador. Com outros adereços, é esse o enredo da velha história do colonialismo. A nós restando o papel que nos querem impor: de colonizados.

Lúcio Flávio Pinto – Editor – Jornal Pessoal – jornal@amazon.com.br

(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado no Jornal Pessoal, PA, 1a quinzena de fevereiro de 2006 Lúcio Flávio Pinto – Editor