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Artigo

Questões crônicas da Educação, por Maria Lindgren

Ouso escrever sobre educação após aposentadoria recente, professora e educadora que fui por muitos anos. Confesso que fico preocupada com a responsabilidade de não cometer erros. Afinal, estou afastada do trabalho com a educação há três anos.

Recolho idéias nas páginas dos jornais em papel e eletrônicos que me caem às mãos, além de juntar a minha própria experiência. Começo com que é recomendado como indispensável para uma boa educação escolar: investir na formação inicial do professor, reformar currículos, atentar para diretores monitores do trabalho pedagógico, prover a escola com professores atualizados com os avanços mundiais, sobretudo, que incentivem o ensino da leitura, a capacidade crítica e de argumentação. Acrescente-se a formulação de objetivos claros, a seleção dos métodos de ensino a serem empregados, e last but not least, a avaliação.

Tudo perfeito, não fora o esquecimento de vários pontos igualmente fundamentais. A começar pela remuneração adequada do professor, dignificando-se a profissão, o que, certamente, aumentará a procura pelos Cursos de Pedagogia e Cursos Normais Superiores, nas universidades. Luta inglória é a da permanência, numa mesma escola, do chamado corpo docente que, em geral, não o é, de verdade, uma vez que os professores pulam de escola em escola, quase sempre em razão do salário insuficiente. Então, como ter uma escola democrática, que se discuta e discuta o que pretende do alunado e de si própria?

E os alunos, quantas horas passam na escola, quanto tempo ficam em suas residências ou nas ruas? Os pais das escolas mais ricas buscam ocupar o horário que sobra da escola com atividades múltiplas para as crianças e os adolescentes: aulas de inglês, natação, judô, informática, aulas particulares sobre disciplinas mal assimiladas… Na escola pública, o aluno nem sempre pode contar com os pais; mora, com freqüência, em condições precárias, sem sequer um canto para dedicar-se ao dever de casa e ao estudo. Nunca me esqueço da professora que exigia de crianças pequenas cadernos impecáveis, sem nódoas, ignorando que faziam o dever de casa perto do fogão

O acesso a leituras facilitadas pelos pais e pela escola dos mais ricos é difícil para o alunado da escola pública, apesar dos esforços do MEC que, há anos, distribui livros didáticos e de literatura infantil e infanto-juvenil às escolas públicas brasileiras. Aos alunos não chegam jornais e revistas, sem falar no computador – elemento altamente facilitador até mesmo da alfabetização. Ainda que o governo assegure que o livro didático, os livros de literatura e até mesmo, computadores estão nas escolas públicas, tais recursos são efetivamente aproveitados? E os professores? Têm o hábito da leitura? Gostam de ler? Podem adquirir livros que enriqueçam seus conhecimentos ou que lhes proporcionem lazer, com o salário que recebem? As bibliotecas escolares suprem tais precariedades?

Aprendendo com as formigas, que sempre têm uma mestra a lhes ensinar como obter o alimento, e espera pelos retardatários, conforme li, encantada, na pesquisa Formigas também vão à escola, do JB de 05/02/06, é importante que o professor se preocupe em ensinar aos alunos a melhor rota para o conhecimento, sem esquecer dos mais atrasados. O exemplo de uma escola de Curitiba, que visitei em 1993, e oferecia aulas de reforço aos alunos de desempenho precário fora do horário normal, sem tira-los de sua turma, deveria ser seguido por todas as escolas brasileiras.

Escuto que o MEC vai ampliar o tempo escolar para nove anos. Mas, como, se nem os oito anos previstos pela Lei são concluídos por expressivo número de alunos da escola pública urbana ou rural. As razões são conhecidas. Cito algumas: o fato de o aluno ter que ajudar a mãe a tomar conta dos irmãos menores – no caso, as meninas – , a necessidade premente do sustento próprio ou do auxílio nas despesas da casa; o desânimo com as contínuas repetências de série na escola…

É certo que o aluno mais pobre precisa ir cedo para a escola, mas, para tanto, seria preferível aumentar o número de creches de zero a três anos, ou de pré-escolas três a seis anos. A criança não é problema para a família pobre aos seis anos, mas desde que nasce.

Quanto ao problema do financiamento da educação básica, ouço, contente, que o FUNDEB – Fundo Nacional da Educação Básica, vai finalmente ser implantado Reivindicado há anos, uma vez que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional prevê a conclusão de toda a educação básica e não apenas do ensino fundamental, preocupa-me o que virá depois. O FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental, de 1996, foi acompanhado em seu processo de implantação por avaliadores nem sempre mais apropriados para tal. Sou testemunha de um caso em que profissional da secretaria de educação fez parte da avaliação do FUNDEF, o que lhe tirou a isenção necessária ao trabalho. Cabe, então perguntar: que critérios foram estabelecidos para a seleção dos avaliadores do novo FUNDEB? Serão seguidos à risca?

Além do mais, o ano financeiro do MEC não coincide com o ano letivo, o que causa enorme embaraço à execução dos projetos programados. O ano letivo começa em fevereiro; os recursos são liberados lá para maio.

Finalmente, a falta de continuidade das políticas públicas tem contribuído para pouco ou nenhum avanço na educação escolar. O lema brasileiro tem sido: governo novo, tudo novo. E sem nenhum tipo de avaliação e aproveitamento do que foi realizado anteriormente.

Dói bastante remoer um passado de esperanças, mais do que de realizações propriamente ditas. Incomoda recorrer a estatísticas sempre defasadas de, no mínimo, dois anos, para constatar a atualidade da frase famosa do príncipe de Giusepe Lampeduza, no romance e no filme O Leopardo: “ Mudar para que tudo fique como está .”

Maria Lindgren – escritora, ex-professora e educadora do Estado do Rio de Janeiro