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Notícia

Siderúrgicas são multadas em R$ 500 milhões por uso de carvão ilegal

[Leiam, também, ao final da notícia, a opinião do EcoDebate]

Brasília (20/10/05) – O Ibama multou oito siderúrgicas do Pará e do Maranhão em
mais de R$ 500 milhões, porque as empresas não comprovaram a origem legal do
carvão vegetal e não cumpriram a reposição florestal. Tais siderúrgicas, multadas
com base na Lei de Crimes Ambientais e no Código Florestal, usam carvão vegetal
no beneficiamento do minério de ferro extraído do Pólo Carajás.

As multas resultam do relatório elaborado pela Diretoria de Florestas do Ibama, que
com base em dados apresentados pelas próprias siderúrgicas, identificou o
consumo de 7,7 milhões de metros cúbicos de carvão ilegal e de 15,4 milhões de
metros cúbicos de toras de madeira exploradas sem autorização, nos últimos cinco
anos. “Foi um bom relatório técnico que possibilitará o ordenamento do setor
guzeiro do Pará e Maranhão em relação ao passivo florestal”, comenta o diretor de
Florestas, Antônio Hummel.

Técnicos constataram irregularidades durante visitas
O Ibama visitou as siderúrgicas instaladas em Marabá, no período de 15 e
25/05/05; em Açailândia e em São Luís, entre 07/06 e 02/07 deste ano. Em
vistorias aleatórias de dois dias por siderúrgica, a equipe de engenheiros florestais
do Ibama constatou falhas das empresas na inspeção do fornecimento de carvão,
recebimento de carga de caminhões sem a ATPF (Autorização de Transporte de
Produto Florestal), erro no preenchimento desse documento e uso de carvão de
desmatamento sem plano de manejo e autorização do Ibama.

O carvão é utilizado para aquecimento de fornos que derretem o minério de ferro e
para a fixação de carbono no ferro gusa (formação de liga). “Em uma siderúrgica
vimos afixado na parede uma tabela do preço do carvão com valores para compra
de produto com ATPF e sem a autorização”, conta coordenador de Monitoramento e
Controle Florestal do Ibama, José Humberto Chaves, responsável pelo relatório que
identificou o uso de carvão ilegal e falta de reposição florestal pelas siderúrgicas.

De acordo com o relatório – divulgado mês passado e que, agora, permitiu multar
as siderúrgicas – o parque siderúrgico do Pará e do Maranhão está em franca
expansão. Só em Marabá a produção cresceu 28,9% em cinco anos (de 1,1
tonelada para 1,6 tonelada por ano). O documento explica a expansão da
produção: “motivadas pela proximidade com o Pólo Carajás e pela grande oferta de
matéria-prima florestal para a produção de carvão, as empresas investem em
melhorias no processo com conseqüente aumento da capacidade produtiva de ferro
gusa (primeira etapa do beneficiamento do ferro)”. Em outro trecho, o documento
assinala que “a ferrovia Carajás oferece facilidades de escoamento da produção
para o mercado externo, reduzindo os custos de transporte, uma vez que o trem
abastece as siderúrgicas com o minério e volta carregado de gusa até o porto de
São Luís”.

Veja abaixo as multas aplicadas a cada siderúrgica:
SIDERÚRGICAS DO PARÁ
MULTAS (R$)
COSIPAR
65.346.014,00
SIMARA
153.184.700,00
USIMAR
17.505.058,40
IBÉRICA
60.953.800,00
TERRANORTE
0,00
TOTAL-PA
296.989.599,40

SIDERÚRGICAS DO MARANHÃO
MULTAS (R$)
VIENA
38.755.143,00
PINDARE
0,00
SIMASA
0,00
FERGUMAR
13.465.658,80
GUSA NORDESTE
147.621.215,00
MARGUSA
0,00
COSIMA
12.297.892,00
TOTAL-MA
212.139.908,80

(Ecodebate) Fonte – Sandra Sato e Gilberto Costa, Ibama/Sede

Texto & Contexto – a opinião do EcoDebate – Em abril/2005 o IBAMA, através da
Diretoria de Florestas, divulgava o combate ao consumo ilegal de carvão vegetal por parte de
siderúrgicas. Naquele momento, a Diretoria de Florestas argumentava que o objetivo
principal da operação era a assinatura de um TAC.

Reiteradas vezes alertamos que os TACs estão perdendo significado e valor. As siderúrgicas
que utilizam carvão vegetal de florestas nativas cometem crime ambiental. E cometem
impunemente há décadas. É verdade que não existe impedimento legal para este “perdão”,
mas nem por isto ele deixa de ser eticamente injustificável.

“Perdoar” crime ambiental através de TAC, como já virou rotina, é um desnecessário reforço
à cultura de impunidade. Pior, torna a percepção de impunidade em algo real e tangível.

O espírito da lei compreende que um crime ambiental culposo possa ser compensado por um
TAC. Nesta lógica – “Os elementos do fato típico culposo, segundo a doutrina tradicional, são
representados pela conduta humana de fazer ou não fazer, inobservância do dever objetivo
de cuidado, previsibilidade objetiva, ausência de previsão (ou previsão com culpa
consciente), resultado involuntário, nexo de causalidade e tipicidade – (in
http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4252)

Não é o caso das siderúrgicas que consumiram carvão vegetal de florestas nativas. Este é
um caso de crime doloso (intencional) continuado por décadas. Os gestores e executivos das
siderúrgicas em questão tinham plena consciência do que estavam fazendo e assim agiram
porque sabiam que ficariam impunes. A assinatura de um TAC (do tipo indulgência plena)
provaria que eles estavam certos.

Diante deste quadro de perda de significado, função e valor dos Termos de Ajustamento de
Conduta, torna-se necessário que sua utilização seja prevista e detalhada em lei e que tenha
real controle social.

Pelo visto, pouco ou nada avançou até agora, apenas descobrindo o que todos sabiam. As
multas também pouco significam, porque o IBAMA consegue arrecadar menos de 3% das
multas que aplica, o que é um estímulo à impunidade. As multas devem ser efetivamente
cobradas para que cumpram a sua finalidade punitiva.

Mas, é justo e necessário destacar, a importância da informação pública, por parte do
IBAMA, da lista de empresas ambientalmente criminosas. É uma iniciativa importante, que
ajuda a sociedade a conhecer as siderúrgicas que consomem carvão vegetal ilegal, induzindo
ao desmatamento igualmente ilegal.

No entanto, sociedade espera mais do que multas simbólicas e TACs convenientes. Sem
ações mais firmes, com os devidos processos criminais e a suspensão de atividades
econômicas ambientalmente criminosas, conseguiremos transformar, em poucas décadas, o
Cerrado e a Amazônia em imensos desertos.

Henrique Cortez, henriquecortez@ecodebate.com.br
Coordenador do Portal EcoDebate