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Brasil: Um país para liderar a revolução da biomassa. Entrevista com Ignacy Sachs

 

Brasil: Um país para liderar a revolução da biomassa. Entrevista com Ignacy Sachs

Não há dúvidas que a era do petróleo está próxima do seu fim. Contudo, o que virá depois? Este tem sido o foco das preocupações e palestras que o professor Ignacy Sachs tem proferido mundo afora.

Autor de vários livros, estudioso das questões relativas ao desenvolvimento, em especial, dos chamados países do Terceiro Mundo, professor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, de Paris, ele é o fundador do Centro de Estudos sobre o Brasil Contemporâneo, na França. Dele disse o economista Celso Furtado, quando do lançamento de um de seus livros sobre desenvolvimento sustentável: “a leitura destes ensaios de Ignacy Sachs, grande e lúcido conhecedor da problemática do desenvolvimento e, mais especificamente, dos impasses que enfrenta o Brasil no momento atual, nos encoraja a trazer essas questões para primeiro plano”. Com este propósito em mente, fomos ouvi-lo.

Jornal dos Economistas – O senhor acaba de retornar da reunião da Agência Internacional de Energia. O que foi tratado nesta reunião?

Ignacy Sachs – Foi uma reunião importante. Há vários estudos que apontam para o fato de que o pico da produção mundial do petróleo vai acontecer dentro de uma ou duas décadas. Isso não significa que o petróleo se esgote em duas décadas, mas não será possível descobrir reservas novas que compensem a produção. Ou seja, vamos começar a esgotar o potencial de produção. Se a demanda e a oferta têm tendência a diminuir, óbvio que os preços têm uma tendência a ficar lá no alto. Portanto, há uma razão forte para pensar que não voltaremos mais ao regime de petróleo barato. Mais: há sinais de que uma parte do Estado norte-americano está chegando à conclusão que o preço da manutenção de linhas de abastecimento de petróleo no EUA, baseadas na dominação do Oriente Médio, é tão alto que talvez mais valha a pena pensar em substituir a importação de petróleo nos EUA.

JE – Mas os EUA vêm reduzindo sua produção e aumentando as importações de petróleo…

Ignacy –Os departamentos de Energia e Agricultura dos EUA acabam de publicar relatório, no qual dizem que é perfeitamente factível, em um quarto de século, chegar a uma enorme produção de biocombustíveis, envolvendo 1 bilhão de toneladas de biomassa por ano. Grande parte dela resíduos vegetais, porque eles estão apostando no etanol celulósico. Portanto, qualquer matéria vegetal, qualquer resíduo vegetal, passa a ser a matéria prima. Não é por acaso que o Brasil foi o principal convidado dessa reunião, pois todo mundo começou a se interessar pelos 30 anos de experiência brasileira com o Proálcool.

JE – E que chances ele tem?

Ignacy – Enormes. Mas deixe-me dizer. Se tiver que dizer quais são os três problemas mundiais que vão nos preocupar nesse século, diria: o primeiro é o da geração de oportunidades de trabalho decente para todos, incluindo 2 bilhões e meio de pequenos agricultores e suas famílias. É absurdo pensar no futuro, sem se dar conta que o principal problema social da humanidade é o do futuro desses pequenos agricultores. Portanto, temos um problema social: como gerar empregos. E – como gerar empregos no campo. Segundo: todas as incertezas e perigos envolvidos na geopolítica do petróleo. Ontem, foi a Guerra do Iraque. O que a geopolítica do petróleo nos reserva amanhã? Prefiro não pensar. Terceiro problema: o Protocolo de Quioto. Mesmo se for integralmente implementado (e Bush já disse que não vai se sujeitar à pressão internacional), mesmo assim, resolverá menos de um décimo do esforço que é necessário na redução da emissão dos gases do efeito estufa. Portanto, se queremos realmente evitar mudanças climáticas catastróficas e irreversíveis temos que caminhar muito, de maneira mais rápida, no sentido da eliminação de uma grande parte dos combustíveis da energia fóssil.

JE – O senhor como europeu acredita que Tony Blair, Bush, essa turma vai aceitar essa conversa?

Ignacy – Há uma diferença. Não botemos todos no mesmo saco. Bush é uma coisa, Blair é outra. Por razões que seria longo discutir, Blair parece ter comprado a idéia do Quioto. E sofreu certo revés porque queria colocar isso como um dos temas centrais do G-8. Como isso vai se fazer eu não sei. Como cidadão do mundo, se queremos evitar uma catástrofe, em matéria de mudanças climáticas, não podemos prescindir de eliminar o quanto mais cedo uma boa parte do nosso consumo de energias fósseis. Portanto, esses são os três problemas que o século enfrenta: emprego, inclusive emprego para 2 bilhões e meio de pequenos agricultores e suas famílias; os perigos da geopolítica do petróleo; e o problema da necessidade de uma redução drástica do consumo de energia fóssil. Os três têm um ponto de intersecção que são os biocombustíveis. Mas, há duas ressalvas fundamentais: não se trata simplesmente de falar da substituição da energia fóssil por biocombustíveis; trata-se de partir para a definição de estratégias energéticas, onde a variável principal é o perfil da demanda.

JE – E quais estratégias?

Ignacy – Podemos e devemos pensar em viver num mundo que consuma menos energia, porque reformulou a sua demanda. Temos que recolocar o problema dos biocombustíveis em uma estratégia global de energia, que comece a definir um perfil menos voraz em energia de demanda. Isso leva, por exemplo, a discutir o sistema de transporte e o papel do transporte coletivo com relação ao individual; o transporte ferroviário versus estradas e caminhões. Isso leva a recolocar os biocombustíveis em um conjunto de energias que vamos utilizar. Uma segunda ressalva é que os biocombustíveis são apenas uma faceta de um conceito mais amplo, que eu chamo de civilização moderna de biomassa. Biomassa pode gerar biocombustíveis, alimentos humanos, rações para os animais, e são ainda materiais de construção, matérias primas industriais, fibras, plásticos, fármacos e cosméticos. Então, olhar o problema dos biocombustíveis é olhar dentro dessas duas matrizes mais amplas. A respeito da energia nuclear – esta energia é uma das respostas possíveis ao problema da substituição da energia fóssil, sobre a qual as opiniões são extremamente polarizadas. Há aqueles que apostam fortemente no futuro da energia nuclear e os que apostam ainda mais fortemente na fusão. Há os que dizem que a fusão é, por enquanto, uma ficção científica e há aqueles que dizem que o nuclear deveria ser evitado, pois, embora a probabilidade de um acidente seja muito pequena, os efeitos, se ele ocorrer, podem ser extremamente graves.

JE – Esse seria o único problema?

Ignacy – Não. Tem o problema do que fazer com as centrais, uma vez que elas cheguem ao fim da sua vida útil, e aí há uma série de complicações, o que me faz pensar que não devemos apostar na energia nuclear; mas sem fazer disso um problema de religião. Ou seja, aceitar que em certos países o nuclear seja utilizado, em proporções limitadas, como uma estratégia de transição e não como uma estratégia definitiva. Toda essa nova oportunidade que surge em dar um grande salto na produção de biocombustíveis figura-se como uma oportunidade para repensar o desenvolvimento rural e para estimular um novo ciclo de desenvolvimento rural, para o qual o Brasil está predestinado: a maior biodiversidade do mundo, a maior reserva de terras cultiváveis (sem cortar uma árvore da floresta amazônica), variedade de climas, boa dotação de recursos hídricos, com exceção do polígono das secas.
Tudo isso faz do Brasil um país predestinado a liderar a transição mundial da civilização do petróleo para uma civilização moderna de biomassa, sempre subordinada à harmonização de três critérios: social, que mencionei no começo, que é a geração de oportunidades de trabalho decentes para todos; ambiental, que é trabalhar em harmonia com a natureza e não de forma predatória e não continuar naquela posição de arrogância que nós sabemos dominar a natureza; e dar a tudo isso uma viabilidade econômica.

JE – E a reforma agrária, neste contexto?

Ignacy – Eu vejo muito bem a oportunidades de geração de assentamentos de reforma agrária, nos quais, por exemplo, o dendê é o carro chefe. A reforma agrária da Malásia foi feita em cima disso. Chegamos a discutir há alguns anos, a pedido do governo do Amapá, um projeto desses. Cada vez que você coloca 500 famílias com 10 hectares de dendê e dá a elas outros 10 hectares para atividades agroflorestais e pequenas atividades de subsistência, pequena criação etc., 5 mil hectares de dendê são suficientes para justificar a construção de uma usina de esmagamento. E quando a gente discutiu este projeto, no segundo governo FHC, chegou a ser discutido com o ministro da Reforma Agrária e com o presidente do Incra. Na época, uma indústria nacional chamada Agropalma nos disse que para cada cinco mil hectares eles colocavam uma fábrica, com as seguintes condições: eles forneceriam as mudas, assistência técnica, por causa da qualidade, e ofereceriam um preço pelos frutos, pelos cachos do dendê, estipulados em percentual do preço mundial do óleo de dendê. Esse lado me pareceu muito bom. Agora, 10 hectares de dendê oferecem um emprego a tempo pleno para o homem. Os outros 10 hectares oferecem, pelo menos, de um a dois empregos familiares e uma agrovila de 500 famílias, onde tem uma indústria, gera ainda empregos industriais e o transporte nos serviços técnicos, sociais, pessoais e no comércio. Portanto, essa visão de uma transição para uma sociedade moderna de biomassa gera oportunidades para acelerar a reforma agrária e, sobretudo, para dar aos assentamentos uma nova dinâmica e gostaria de estender isso ao problema das florestas familiares.

JE – Mas na Malásia existe um centro de pesquisa desenvolvendo a biomassa, o biodíesel.

Ignacy – Há todas as condições para se desenvolver isso aqui no Brasil.

JE – Mas isso é papel do Estado, não?

Ignacy – Claro. A Embrapa é uma empresa do Estado e tenho entendido que a agroenergia passou a ser uma das prioridades da Embrapa. Está em dias de passar como uma das prioridades da Embrapa. Agora, a cana-de-açúcar é uma excelente pergunta porque esse é o mercado que se abre com a maior velocidade nesse momento….(termina a fita)…Produção de etanol onde, primeiro, dá-se um espaço muito maior à produção da cana por pequenos agricultores. Veja, hoje me disseram que em Campos tem assentamentos que produzem cana. Portanto, o problema está na organização do relacionamento entre o assentamento que produz a cana, a usina que vai produzir o álcool. Está no problema da transformação do que aqui se chamou de Proálcool e que eu chamo de Procana, ou seja, a valorização de todos os subprodutos e geração, inclusive, de pequenos negócios ao redor disso. Vamos pegar o bagaço: ele pode ser queimado a toa. Queimado bem, gera um excedente de bagaço que pode ser na geração da energia, produção de papel, de briquetes que substituem o carvão vegetal. Hidrolisado, o bagaço passa a ser forragem para gado. É possível articular uma área de produção de etanol com uma bacia leiteira, por exemplo. Hoje, temos também tecnologias que permitem fazer o etanol do bagaço. Mas tudo passa a ser a organização disso. A civilização moderna de biomassa implica produção de biomassa, biorefinarias que produzem um elenco de produtos – etanol, açúcar – mas podemos imaginar uma série de produtos quando se fala em biodísel e na mamona. Pode se ter montanhas de tortas de mamona e se essa torta pode servir de ração para o gado, pode-se estabular o gado, reduzir as áreas de pastagens e transformá-las em uma produção da mamona. Nós temos que usar a imaginação e fazer muitos estudos para ver como nós articulamos as bioenergias com as demais utilizações da biomassa e como fazemos isso dentro dessa visão de geração do maior número possível de oportunidades de emprego ou de auto-emprego, ou de promoção de empreendimentos de pequeno porte, de preferência cooperativos. Essa seria a minha visão para onde deveríamos caminhar na construção de uma estratégia que forçosamente tenha que ser uma estratégia, nesse subcontinente que se chama Brasil, ela deveria ser uma estratégia altamente diferenciada.

JE – Em setembro de 2003, em seminário no BNDES, o senhor falou da necessidade de superar os ciclos de “stop and go”, ou de “vai e vem”, como o senhor mesmo disse na ocasião. Em sua opinião esse ele está superado?

Ignacy – Não. Diga-me onde está hoje articulada uma estratégia de desenvolvimento do Brasil, de longo prazo? Está se pensando, essencialmente, no imediato. E o mercado tem muitas vantagens, e duas fundamentais: ele é míope, e ainda não inventamos óculos para o mercado; segundo, ele é socialmente insensível. Então, se queremos uma estratégia que resolva os problemas de longo prazo do país e que, ao mesmo tempo, atente aos postulados éticos, porque desenvolvimento em primeira instância obedece ao postulado ético de solidariedade sincrônica com a nossa geração, e, em segunda instância, obedece ao postulado ético de solidariedade com as gerações futuras; se queremos construir a partir desses conceitos sociais, ambientais, éticos, uma visão do futuro, na qual a viabilidade econômica é essencial, mas ela é apenas instrumental, a economia não é uma finalidade. A economia é um instrumento para lograr aqueles objetivos. Portanto, temos que pensar a longo prazo. Agora, institucionalmente, o país está privado de lugares para fazer isso, a não ser o Núcleo de Estudos Estratégicos, organizado pelo (ex)ministro Gushiken. Isso não é suficiente para pensar um longo prazo tão complexo e tão diferenciado. Tivemos no passado a Sudene. Não temos mais. Planejamento hoje se reduz à produção do orçamento. O Ipea faz alguns estudos interessantes, mas não está empenhado em uma visão global. As universidades, eu diria com franqueza, dado o seu potencial intelectual, se omitem. Não conheço nenhum fórum na UFRJ, Unicamp, USP, onde sistematicamente se trabalhe uma visão do que poderia ser o Brasil, a longo prazo. Contudo, conheço um lugar onde se fez isso, com resultados muito interessantes: o Projeto Fênix, que funcionou vários anos, em uma época muito ruim da Argentina, na Universidade de Buenos Aires.

JE – Como o senhor vê a corrupção, não só aqui, na América do Sul, pois ela existe nos EUA, Europa, etc.?

Ignacy – Vou surpreendê-los. Penso que a corrupção não vem de hoje, não é um fenômeno moderno. Sempre existiu de uma forma ou de outra. Obviamente, indefensável do ponto de vista ético. Se me coloco nessa ótica, na qual digo que o desenvolvimento é, antes de mais nada, um conceito ético, é claro que não posso ter condescendência com a corrupção. Agora, como economista, não posso dizer quais são os efeitos econômicos da corrupção sem analisar cada caso, porque tudo depende do que se faz com o dinheiro roubado. Se o dinheiro roubado é bem investido – é imoral, mas pelo menos tem um investimento. Se por cima de tudo esse dinheiro roubado vai fora, aí estamos no pior dos passos.

JE – Explica melhor, professor: o que é um dinheiro roubado bem dirigido?

Ignacy – Vamos dizer que uma empresa sonega, mas ela investe seus lucros na sua ampliação. Moralmente indefensável; se flagrada, deve ser exemplarmente punida. Mas do ponto de vista econômico é um dinheiro que é investido. Agora, se esse mesmo dinheiro vai para uma conta em Bahamas, aí estamos mal. Mas, e se um dinheiro bem ganho vai para fora? Do ponto de vista do desenvolvimento do país, isso também não resolve. Portanto, a análise econômica fria é uma coisa; a condenação ética da corrupção – e essa é incondicional – é outra coisa.

JFE – O Governo Lula tem empreendido ações internacionais de liderança, em busca de unir o Sul. Que repercussão isso tem ao Norte?

Ignacy – Eu passei a minha vida ajudando uma maior articulação do Sul. Ou seja, em 1975, fui co-autor de um relatório ditado por uma fundação na Suécia, que se chamava “What Now?” – “O que fazer?”, no qual tivemos todo um capítulo sobre a importância que teria uma maior unidade dos países do Sul; tinha um título engraçado: O Sindicato dos Pobres. Ele argumentava que um debate com os países do Norte nunca se dará em posições de igualdade, enquanto o Norte tiver como secretaria uma OCDE e os países do Sul chegando dispersos. Portanto, se deveria criar uma secretaria, um lugar onde o Sul elaboraria suas posições, em conjunto. Todo mundo achou interessante a idéia, e lutamos muito por ela na Fundação Internacional para Alternativas de Desenvolvimento, que existiu, com sede na Suíça, de 1977 a 1992. Mas continuamos a não ter esse dispositivo. Portanto, quando o presidente Lula retomou essa bandeira e, eu diria, que antes do G20 retomou, sobretudo, a bandeira do G3. Ou seja, uma colaboração entre o Brasil, Índia e África do Sul. Achei a bandeira extraordinariamente importante e que deve ser, certamente, fortalecida por todos os meios. Acho que essa é uma bandeira extremamente importante, mas que não pode ficar apenas nos discursos e nas viagens. Não existe nenhum centro de estudos sobre a Índia contemporânea nas universidades brasileiras. Existe um começo de um modesto programa no Instituto de Estudos Avançados. Não existe nenhuma universidade indiana que tenha um centro de estudos sobre o Brasil contemporâneo. Esse seria um passo. O segundo passo seria mandar brasileiros fazer doutorado lá, trazer indianos para fazer doutorado aqui e criar massa crítica de pessoas que conheçam suficientemente os dois países para poder começar a construir pontes reais na vida. A segunda etapa: o que isto representa, do ponto de vista de pensar o sistema mundial? Tenho uma posição extremamente categórica. A reforma do sistema internacional, a reforma da ordem internacional não virá do Norte. Ela tem que vir do pensamento do Sul. O fato de pensar uma outra ordem internacional aqui no Sul não significa que, mesmo que as idéias sejam brilhantes e boas, que elas sejam aceitas. Mas o fato de não produzir essas idéias condena ao status quo que estamos vendo no debate atual sobre a reforma das Nações Unidas, que vai terminar em pizza. Isso está quase claro agora.

JE – E o novo século, o que dá para antever em termos de hegemonia?

Ignacy – Acho que é um dos grandes pontos de interrogação. Está-se caminhado de forma inaceitável socialmente, construindo desigualdades monstruosas e desenvolvendo-se através da desigualdade. Paradoxalmente, a China de hoje está no modelo de crescimento que se assemelha ao dos generais do Estado e do milagre brasileiro: crescimento rápido, modernização espetacular, mas através de um modelo que se alimenta pelo cultivo das desigualdades sociais. Esse é um modelo que, primeiro, deu no que deu aqui; segundo, é um modelo, outra vez, eticamente inaceitável. Atualmente, mais de 200 milhões de camponeses andam de um canteiro de obras a outro, na China, sem direitos de se assentarem na cidade que constroem. Parece com a realidade dos nordestinos que construíram São Paulo e ficaram nela. Os chineses constroem Xangais da vida e são tocados para outros lugares. Esse é um modelo que não posso aceitar, mas, de qualquer maneira, diria que todo nosso esforço deve ir no sentido do policentrismo e não de mono-hegemonias. Nesse sentido, aquele relacionamento Sul/Sul seria fundamental porque ele tem que ter um conteúdo maior do que troca de visitas. É preciso construir essa solidariedade do Sul. Em termos de número de votos nas Nações Unidas, em termos de população mundial, é a imensa maioria. Em termos de peso econômico, olha, a China vai ser daqui a 20 anos a maior potência econômica do mundo, se sobreviver como China. A China, a Índia e o Brasil juntos, pesam. Já pesam e vão pesar mais. Eles têm que aprender a usar esse peso, do ponto de vista político.

Nota do EcoDebate – o Prof. Ignacy Sachs foi entrevistado pelo jornalista Nilo Gomes e esta entrevista foi originalmente publicada no Jornal dos Economistas, RJ, julho de 2005.