EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

O Leilão de Águas., por Roberto Malvezzi (Gogó)

Quando há três anos atrás, na cartilha “Bendita Água”, começamos denunciar que a estratégia da política de águas no Brasil era sua privatização e mercantilização, sofremos um ataque violento dos defensores da política de água brasileira. Nossa lei de Recursos Hídricos 9.433/97, baseada no valor econômico da água, embora proponha uma gestão democrática da água, não esconde sua grande estratégia, engendrada pela Oligarquia Internacional da Água e apoiada pelos organismos multilaterais como FMI e Banco Mundial, isto é, privatizar e mercantilizar as águas brasileiras.

O governo Fernando Henrique tentou regulamentar artigos da 9.433 criando o “mercado de outorgas”. Por esse mecanismo, a entidade que conseguisse a outorga da água (licença do Estado para utilizar determinado volume de água de um determinado corpo d’água), se decidisse vender sua outorga ao contrário de usá-la, teria o direito de fazê-lo. Entretanto, com a chegada de Marina da Silva ao Ministério do Meio Ambiente, a Secretaria de Recursos Hídricos não permitiu até agora que esse mecanismo fosse criado.

Entretanto, os mercadores da água não desistiram. A mercantilização da água agora surge de forma cristalina na Transposição do Rio São Francisco. A CHESF criará uma subsidiária para gerenciar o projeto. Um de seus propósitos é criar o “leilão de águas” à semelhança dos leilões de energia. Quando houver “excesso” de oferta de água, haverá leilão e os interessados poderão comprar determinados volumes de água disponíveis. Dessa forma a CHESF deixará de ser somente produtora de energia e passará a ser também vendedora de água bruta.

Em primeiro poderíamos nos perguntar com que direito a CHESF vai se apropriar das águas do São Francisco e fazer leilão de determinada cota de água. A gestão da água deveria obedecer a um plano de bacia, elaborado pelo Comitê de Bacia. O plano foi elaborado, mas o governo federal, através do Ministério da Integração, tem sistematicamente ignorado o Comitê. Agora a CHESF se arroga o direito de comercializar a água do São Francisco a revelia também do Comitê. Dessa forma, cria-se no Brasil o primeiro mercado de água, de forma clara e insofismável.

Esse é apenas o primeiro passo. Os açudes do Nordeste Setentrional também serão geridos por empresas criadas pelos estados receptores. Na lógica da gestão de águas que a Transposição vai impondo, esses serviços também serão assumidos por empresas privadas, isto é, toda açudagem pública do Setentrional será privatizada mais cedo ou mais tarde. É a água como negócio, ou como chamamos, é hidronegócio.

Vai se tornando ridícula a insistência do governo federal em afirmar que a Transposição é para matar a sede dos mais pobres do Nordeste. Os 12 milhões de pessoas que estão espalhadas pela caatinga jamais terão acesso a essa água mercantilizada.

Se a Transposição vai acontecer, se a CHESF vai conseguir implementar seu leilão de águas, ainda é cedo para dizer. Entretanto, as raposas já não têm vergonha de mostrar suas garras.

12/09/2005