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Artigo

Projeto Bauxita Paragominas: Parabéns ao MPF… artigo de Nelson Tembra

Devo parabenizar o Ministério Público Federal no Estado do Pará – MPF por ter ingressado judicialmente com ação em que pede a suspensão das atividades de extração de bauxita da mineradora da Vale na mina Miltônia 3, em Paragominas, no sudeste paraense. Isto pelo fato de a empresa não ter cumprido pré-requisitos do licenciamento ambiental que teriam o objetivo de amenizar impactos socioambientais causados pelo empreendimento à comunidade quilombola de Jambuaçu, no município de Moju, nordeste do Estado.

“Essa proposta é pífia se confrontada com os danos sobre o território”, criticam no texto da ação os procuradores da República Bruno Araújo Soares Valente e Felício Pontes Jr.  Na ação o MPF também denuncia que, ao propor acordo na Justiça, a Vale omitiu do juízo, do Ministério Público do Estado do Pará e da comunidade, a existência de pré-requisitos exigidos no licenciamento.

Tenho alguns artigos publicados em várias mídias e até já publiquei um pequeno livro, apesar de não ser escritor profissional, onde tento mostrar a origem desse problema, qual a finalidade do licenciamento ambiental na prática, ou as razões para o estado acabar ficando sem instrumentos legais diretos de cobrança de compensações e/ou mitigações de impactos negativos de projetos altamente impactantes, sejam de mineração ou hidrelétricos, sendo o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual obrigados a propor ações judiciais nesse sentido, quando o cumprimento dessas obrigações deveria condicionar de fato, e não somente no “faz-de-conta”, a renovação ou concessão de licenças ambientais.

Ou seja, se a empresa não cumprisse as condicionantes do licenciamento, as licenças simplesmente não seriam renovadas ou expedidas e ela (a empresa) ficaria impedida de operar legalmente. Não haveria necessidade de ação judicial, e o Ministério Público poderia dedicar seu precioso tempo a outras questões. Mas na prática a teoria é diferente. Pergunto o que está acontecendo nos órgãos ligados ao meio ambiente? Considerando que “nas diversas fases do licenciamento ambiental do mineroduto, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) teria imposto uma série de obrigações à Vale”. Ora, se tais obrigações não foram cumpridas; então, quais os motivos “ocultos” e “superiores ao direito” para que o mineroduto e a mina continuem operando como se não existisse irregularidade?

É óbvio que o projeto não poderia operar legalmente sem o licenciamento ambiental, e nem deveria continuar operando sem o cumprimento das regras e das condicionantes estabelecidas no processo de licenciamento, dentre outros, além das questões socioambientais, também quanto à não aplicação das técnicas de conservação do solo, que deveriam ser de responsabilidade da mineradora, e que, de fato, provocam os impactos ambientais que foram constatados no passado, são constatados no presente e, se nada for feito, continuarão sendo observados no meio físico do mineroduto no futuro. Talvez, venhamos a possuir mais uma “Grande Maravilha do Mundo”, uma mini-versão tupiniquim do Grand Canyon em plena região amazônica…

Não basta estabelecer as condicionantes nos processos de licenciamento, é necessário, sobretudo, fiscalizar o cumprimento das mesmas. Considerando que o MPF mais uma vez é obrigado a sair em defesa dos interesses difusos, penso que seria importante fazer um trabalho mais completo através da realização de uma auditoria ambiental conjunta aos membros do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, para verificar em que condição foi feito o licenciamento ambiental e a expedição das autorizações de desmatamentos e a abertura da faixa de servidão do mineroduto com 244 km de extensão cruzando sete municípios paraenses.

Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), citado no site do MPF, “a instalação dos minerodutos e da linha de transmissão representa a perda de 20% do território da comunidade quilombola. Estudo da pesquisadora Rosa Elizabeth Azevedo Marin, da Universidade Federal do Pará (UFPA), destaca que o empreendimento tem implicações ambientais que começam com o assoreamento do rio Jambuaçú e seus afluentes’. “Existe perda das condições de navegabilidade desse rio, além da alteração da qualidade das águas do rio e dos igarapés”.

Pelo o que tenho conhecimento a perda de navegabilidade e alteração da qualidade das águas dos rios e igarapés no traçado do mineroduto não são privilégios exclusivos dos Quilombolas de Jambuaçu. Seria importante que o Ministério Público Federal mandasse verificar as autorizações de desmatamento concedidas para implantação do mineroduto, e se os órgãos licenciadores não fizeram uma interpretação “bastante generosa” e distorcida da legislação específica, a Instrução Normativa do Ministério do Meio Ambiente n. º 03, de 04 de março de 2002 diante da constatação de ocorrência de interposição do traçado do mineroduto com propriedades de pelo menos seis detentores de Planos de Manejos Florestais Sustentáveis – PMFS, além das áreas de reserva legal e de preservação permanente, direta e indiretamente afetada.

A concessão de autorização de desmatamento deve obedecer ao disposto na legislação federal com relação aos limites máximos permitidos de desmatamento, localização da Área de Reserva Legal e das Áreas de Preservação Permanente, verificando se as áreas anteriormente convertidas estão abandonadas, subutilizadas ou se utilizadas de forma inadequada, e sobre a existência de áreas que abriguem espécies ameaçadas de extinção.

Cada uma das áreas ou parcelas atingidas pelo mineroduto deveria ser objeto de um processo de licenciamento individual de desmatamento, contendo o nome e o CPF do interessado, estado e município de localização da propriedade rural, matrícula imobiliária e dimensão da área da propriedade, área de Reserva Legal, tamanho da área objeto da autorização, com as respectivas coordenadas geográficas, nome e matrícula do agente, devendo ser protocolizado requerimento pelo interessado nas Superintendências Estaduais ou Unidades Descentralizadas conforme modelo próprio, e apresentadas todas as exigências constantes do quadro de documentos de que trata o anexo V da Instrução Normativa N. º 3 de acordo com a dimensão da área solicitada em cada parcela.

Se o MPF se aprofundar nessa questão, irá concluir pela não utilização das práticas de conservação do solo, ou pela não manutenção de condições ambientais ideais ao longo da faixa de servidão pelo empreendedor, contribuindo para aceleração dos processos erosivos e assoreamento nos igarapés ou riachos cortados pela faixa de servidão do mineroduto.

A fragilidade das áreas e o seu uso inadequado poderão ser conferidos em dados temáticos espacializados, a partir de um banco de dados geo-referenciados e de vistorias “in loco” explicando a origem e a intensidade dos processos de degradação do meio físico significativos em vários pontos ao longo de todo o traçado.

A análise e comparações das informações temáticas poderão fornecer dados espacializados expressando o estado em que se encontra atualmente a faixa de servidão do mineroduto, bem como, a supressão das faixas ciliares, indicando o quanto toda a área da faixa de servidão continua suscetível à instalação de processos degradantes.

O assoreamento de leito dos riachos, a perda de navegabilidade, a mudança na forma dos cursos d’água e o aumento das áreas inundadas na planície e partes baixas são os reflexos diretos do processo de erosão e perda de solo que provavelmente se instalou em extensa área com a faixa de servidão do mineroduto, inviabilizando, em alguns casos, até mesmo as atividades econômicas nessas áreas.

Muitas áreas de ocupação por solos acidentados já antropizadas pela alta pré-disposição à erosão, em função do relevo movimentado, possivelmente, encontram-se degradadas pela ausência de minimização de impactos negativos e urgem de recuperação através de técnicas de manejo e conservação, da implantação de sistema de drenagem pluvial, da revegetação de áreas decapeadas e taludes, da utilização de plantios em curvas de nível, e o mais difícil, a desobstrução e revitalização dos recursos hídricos.

Considerando que a Vale sempre afirma que pauta pelo rigor técnico e pela ética nos seus procedimentos, uma espécie de “greenwashing”, declarando a regularidade dos projetos e a grandiosidade da sua política ambiental; a fim de ilustrar o efeito contraditório, irei revelar o pouco que sei sobre o referido processo de licenciamento e alguns artifícios utilizados pela “Cada vez mais verde e amarela”, sobre manobras empregadas para atingir seus objetivos, enfim, sobre o modo como foi conduzido o processo de licenciamento em questão, e sobre as condições em que foi concedida a autorização de desmatamento no traçado do mineroduto e demais processos relativos á área de servidão.

Neste aspecto, é digno de destaque o cauteloso e bem elaborado Parecer do Procurador Autárquico do IBAMA, Dr. Wilson Monteiro de Figueiredo, desfavorável à emissão da autorização de desmatamento para o mineroduto por não terem sido observadas as normas e procedimentos legais, durante a tramitação do processo protocolado no IBAMA.

Analisando o referido parecer, resta evidenciado o emprego de dois pesos e duas medidas na concessão de autorizações de desmatamento pela gerência do IBAMA/PA, na época capitaneada pelo futuro ex-“primeiro ministro” do governo de Ana Júlia Carepa, Sr. Marcílio Monteiro.

O Órgão que exigia – hoje a SEMA é que exige – de pequenos e médios proprietários a averbação das áreas de reserva legal e de preservação permanente para permitir o uso alternativo do solo, autorizou a supressão de áreas protegidas em bloco ou “no atacado”, para a passagem do mineroduto, sem levantamento do “status ambiental” de cada parcela atingida pelo mineroduto, e, por conseguinte, somos levados a concluir que não haja adequação à legislação ambiental através de reposição de faixas de reservas legais suprimidas em áreas alternativas, e/ou a recomposição de áreas de preservação permanente.

Irregularidades foram praticadas através de Autorização de Desmatamento concedida pelo IBAMA “induzido ao erro”, digamos assim, mas que, posteriormente, foi cancelada pelo próprio órgão federal seguindo recomendação do seu Procurador Jurídico, o qual, diante da infringência normativa, recomendou à gerência executiva do IBAMA/PA indispensáveis providencias para a correção regular do procedimento em relação a este expediente, pela Administração desta Unidade Gestora, sem prejuízo de outras medidas enérgicas perante a quem de direito, inclusive Ministério Público Federal e Controladoria Geral da União.

A Vale do Rio Doce lamentou que o IBAMA decidisse cancelar a autorização de supressão vegetal expedida para o mineroduto, mas foi orientada pelo procurador do IBAMA, quiçá ironicamente, que a autorização deveria ser requerida ao Órgão Estadual de Meio Ambiente – SECTAM. E assim a Vale o fez, tendo recebido, apenas dois ou três dias depois de tomar conhecimento sobre o cancelamento da autorização de supressão de vegetação pelo IBAMA, uma nova autorização de desmatamento para o mineroduto, desta feita expedida pela SECTAM, apesar das sérias recomendações do Procurador Federal do IBAMA sobre o processo.

Tudo que a Vale não conseguira cumprir em cerca de um ano de tramitação do processo de autorização de supressão vegetal junto ao IBAMA teria sido “totalmente cumprido” junto a SECTAM em menos de uma semana. Algo de causar inveja ao “Mister M”, o mago dos sortilégios.

Pelas razões, concluímos que os danos ambientais também podem ser as conseqüências diretas da inobservância de procedimentos legais, da observância de procedimentos ilegais e da falta de fiscalização ou “vistoria grossa” dos órgãos ambientais fiscalizadores, o que obriga o Ministério Público a interceder e cumprir seu papel ao tomar as medidas legais cabíveis em defesa dos interesses da sociedade.

* Nelson Tembra, Eng. Agrônomo, é colaborador do EcoDebate

** Texto enviado pelo Autor e originalmente publicado no Nelson Tembra Blog

EcoDebate, 07/12/2010

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