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Congresso Internacional de Pedagogia Social – Entrevista com Jacyara Silva de Paiva

 

[Por Cristiano Morsolin*, para a EcoDebate] O Congresso Internacional de Pedagogia Social & Simpósio de Pós-Graduação, em sua quinta edição (1-3 de setembro na Vitoria/ES), foi um evento dedicado a discutir de maneira ampla a regulamentação da Educação Social como profissão no Brasil, a formação deste profissional e as áreas de atuação que entendem a Pedagogia Social como a Teoria Geral da Educação Social.

Em face da opção política do atual governo de fazer do “Brasil, pátria educadora”, o V CIPS tem como lema questionar o lugar que deve ocupar “A Educação Popular, Social e Comunitária nas Políticas Públicas no Brasil” em um momento em que se discute o Sistema Nacional de Educação, o Plano Nacional de Educação, a Reforma do Ensino Médio, a destinação dos recursos do Pré-Sal à Educação, a redução da maioridade penal da adolescência e a violência contra a juventude pobre e negra das periferias, dentre tantos outros temas.

Fui eu que fiz essa entrevista com Jacyara Silva de Paiva, uma líder carismática da pedagogia social no Brasil. É Educadora Social, Advogada, Teóloga, Professora Doutora em Pedagogia Social UFES/USP, professora da Faculdade Estácio de Sá/ES.

Jacyara Silva de Paiva
Jacyara Silva de Paiva

Pergunta: Professora Jacyara Silva de Paiva, ¿qual é sua perspectiva existencial da pedagogia social?

Resposta: Sempre estudei em Escola Pública, no Brasil, ainda hoje, mesmo com todos os avanços sociais do Governo Lula e Dilma, Escola Pública é um espaço de saber para a pessoa pobre e dentre desse espaço, pouco se tem de ensino e aprendizagem, esse espaço necessita ser dividido com ações sociais. Terminei meu Ensino Médio em uma delas, e fiz um curso técnico, pois aos pobres aqui no Brasil eram reservados os cursos técnicos, aos mais abastados o preparo para se entrar na Universidade Pública, que era quase exclusiva para as famílias mais abastadas, hoje graças as ações afirmativas do Governo Lula e Dilma as coisas estão mudando um pouco e os pobres negros já conseguem chegar a Universidade Pública antes destinada apenas aos mais ricos.

Com 18 anos já trabalhava de maneira formal com carteira assinada, porque como todo filho da pobreza, comecei a trabalhar ainda bem pequena limpando casas de famílias, até que resolvi mudar de Estado e fazer teologia em um Estado que fica a 2000 km do Estado onde morava, o curso foi pago por uma igreja Batista, pois não tinha condições de pagar o mesmo. Neste tempo comecei a trabalhar com prostitutas e viciados nas Ruas de Recife, capital de Pernambuco, um Estado até hoje com uma divisão de rendas sofrível e exatamente por isso com grandes problemas sociais, trabalhava com a igreja Batista em convênio com uma ONG dos EUA chamada “Visão Mundial”.

Após um ano trabalhando nas madrugadas nas ruas do Recife, compreendi que o meu trabalho não era um trabalho para salvar “almas” como queria a igreja, mas um trabalho educativo que poderia libertar vidas, libertar pessoas oprimidas por uma relação social injusta. Levava durante o dia as prostitutas, homossexuais e usuários de drogas para os jardins da instituição onde estudava e morava, instituição esta que fazia teologia com ênfase em educação e ação social, fazia isso por achar um local seguro para dialogar com os meus educandos de rua e por levar essas pessoas aos jardins da instituição, fui proibida de morar no internato.

A partir daí surge uma grande reviravolta em minha vida, passo a morar numa zona de prostituição e ali conviver mais de perto com os meus educandos: as prostitutas, os viciados e seus filhos que em sua maioria viviam nas ruas do Recife mendigando e praticando pequenos furtos, a partir dali pude conhecer e aprender com elas valores significativos, mas não sentia as dores que elas sentiam, pois mesmo morando dentro da zona de prostituição eu não estava ali para me prostituir e sim realizar um trabalho de ação social, ao mesmo tempo passávamos no Brasil por um momento único que foi o término da ditadura, o movimento de eleições diretas para presidente, o Brasil fervilhava politicamente e tive o privilégio de participar de vários movimentos sociais inclusive nesta ocasião formamos o primeiro clube de mães formado por prostitutas em Recife, onde através dele realizávamos várias reivindicações era chamado clube de mães pois estávamos ainda no final da ditadura e ainda não poderia ter associações.

Passei a fazer parte também do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, como tinha apenas 19 anos, não fazia parte da diretoria, mas era bastante atuante em Recife tendo ido a Brasília, capital do País, junto com os meninos e meninas de rua do Brasil ,num movimento que poderíamos chamar de inédito viável tal como Freire mencionava, que mobilizou todos os meninos e meninas de rua do Brasil, na época o movimento evitou muitos assassinatos de meninos, atuava contra a perseguição de educadores sociais que eram vitimas de ameaças por parte dos policiais, pois os mesmos denunciavam toda e qualquer forma de maus tratos dos meninos. Atuamos no grande movimento de construção do Estatuto da Criança e do Adolescente do Brasil, até hoje um dos Estatutos mais avançados do mundo em que ainda forças reacionárias insistem em modificá-lo para prejudicar as crianças e adolescentes empobrecidas do Brasil.

Na época do Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua, que ainda existe no Brasil, denúncias surgiam por toda parte, amparadas por um movimento forte e destemido, que junto com a atuação politica preocupava-se com a formação pedagógica, o movimento reunia pessoas do país inteiro e tivemos o grande privilégio de ter o professor Paulo Freire conversando conosco várias vezes, esclarecendo-nos que o nosso fazer era um fazer pedagógico e politico que nós precisávamos ser amorosos no sentido de um amor tornado ação, que precisávamos estar sempre refletindo acerca de nossa práxis (teoria e prática), falava que não eramos superiores nem inferiores aos educadores escolares, eramos simplesmente educadores com uma pedagogia diferenciada.

Pergunta: ¿Porque por Paulo Freire o dialogo é muito importante na educação de rua?

Resposta: Paulo Freire acredita que o dado fundamental das relações de todas as coisas no mundo é o diálogo, o diálogo é o sentimento de amor tornado ação, o diálogo amoroso, que é o encontro dos homens que se amam e que desejam transformar o mundo.

Segundo Freire o diálogo não é só uma qualidade do modo humano de existir e agir, o diálogo é a condição desse modo, é o que torna humano o homem.

O relacionamento professor aluno precisa estar pautado no diálogo, ambos se posicionando do sujeitos no ato do conhecimento numa relação horizontal, o autoritarismo tradicional que permeava a relação da educação tradicional precisa ser banido para dar lugar à pedagogia do diálogo. Contudo esta relação horizontal não acontece de forma imposta ela ocorre naturalmente quando educando e educador conseguem se colocar na posição do outro, tendo a consciência que ao mesmo tempo são educandos e educadores.

Na pedagogia do diálogo insere-se também o conceito de educação para Freire, onde ninguém sabe tudo, ninguém é inteiramente ignorante. A educação não pode ser diminuidora da pessoa humana, precisa levar a redenção por isso uma educação que reprime não é a que redime.

Para Freire nós nos educamos em comunidade, sua busca era por uma educação comprometida com os problemas da comunidade, o local onde se efetivava a “vida do povo”, a comunidade para ele era o ponto de partida e de chegada.

Só conhecendo a cultura do educando é que o educador conseguirá dialogar com o mesmo, e por isso, ouvindo-o não correrá o risco de ser autoritário” (Freire 1985).

Educação é um processo permanente, ela não se esgota nos minutos de cada aula, não se prende aos muros escolares, exatamente porque não acontece exclusivamente na escola e, segundo Freire, nos educamos a vida inteira até o momento da morte para ele se constitui num ato educativo.

O diálogo, portanto, é o que deve permear todo processo educacional, pois não é só uma qualidade do ser humano, mas o que torna humano o homem, o diálogo é o que dá sentida a vida.

A pedagogia do diálogo vem servir de guia, um imenso farol no oficio de ser educador de rua, pois é através do diálogo que o educador social de rua chega até o educando que lá se encontra.

O escutar, o ato de ouvir o outro nas ruas, impedirá que o educador de rua seja um educador autoritário, a busca de alternativas com o educando de rua só se dará através do processo dialógico. O diálogo é assim, o que dá sentido ao oficio de educador social de rua, pois é através dele que se estabelecerá o processo educativo entre o educador e o educando de rua.

Os diálogos são estabelecidos nas praças, nas calçadas, nas ruas enfim…, o diálogo para o educador social é muito mais que um método, é a mola propulsora para respeitar o saber do educando que se encontra nas ruas e a partir deste ponto com ele avançar.

Ao escutar empaticamente, o educador ajuda o educando a desvelar criticamente o seu cotidiano e a recuperar sua condição de sujeito do seu processo histórico.

Pergunta: Outro dialogo importante foi o Congresso de Pedagogia social, ¿que balance faz você?

Resposta: Realizar um Congresso Internacional em meio a uma crise econômica não foi algo muito fácil, foi necessário termos a esperança freiriana, que não é a esperança que espera, é a esperança do verbo esperançar, aquela esperança que como ele mesmo dizia, que constrói, que acredita mesmo que tudo esteja dizendo que não existe possibilidades.

Este foi o V Congresso Internacional realizado pela Associação Brasileira de Pedagogia Social fora de São Paulo, desta forma a responsabilidade era tamanha, afinal São Paulo é a maior capital brasileira e Vitória uma das menores, ousadamente aceitamos o desafio proposto pelo professor Roberto da Silva em uma reunião no final de 2013 em São Paulo.

Com uma equipe valorosa formada pelos Educadores Erineu Foerst, Gerda Foerst, Priscila Chiste, Zoraide Barbosa, Alex Jordane, Jacyara Paiva, Leticia Queiroz, Giovane Fernandes e Lauro Sá, a ousadia esperançosa reinou mesmo nos momentos mais difíceis , o diálogo amoroso , dava sempre lugar as discussões calorosas na organização do congressos, procurávamos ouvir o outro através de todos os gestos necessários, numa relação horizontalizada, e cuidadosa um para com o outro, afinal precisamos praticar o que teorizamos.

O Congresso internacional de Pedagogia Social só foi possível porque foi realizado de forma dialógica e horizontalizada, com muitas mãos, mentes e corações, todos os palestrantes brasileiros pagaram suas passagens , alimentação e hospedagem para que pudéssemos realizar o Congresso, todos nós estamos unidos em um só compromisso que é a Justiça Social.

Todos nós lutamos pela Educação Social, pelos vários campos da Educação: Educação Social com os Meninos e Meninas em situação de Rua, Educação do Campo, Educação em Presídios, Educação Social e Direitos Humanos, Educação Social e Educação de Jovens e Adultos, Educação Social e Educação Integral, enfim… várias foram as temáticas abordadas neste CIPS.

De forma muito especial, debatemos sobre a profissionalização da profissão do Educador Social no Brasil, atualmente temos duas propostas tramitando em nosso Legislativo, uma do grupo de Educadores do Ceará e outra do grupo de Educadores de Maringá no Estado do Paraná, elas coincidem em vários aspectos, divergem em alguns e está sendo debatida entre os grupos a fim de que se chegue a uma conclusão, pois acreditamos que o diálogo deva sempre pautar os nossos debates, o diálogo horizontalizado, humilde, onde quando ouço o outro ao mesmo tempo construo conhecimento.

O Brasil é muito grande, se quer sabemos ao certo quanto educadores sociais temos, por isso precisamos ter muito cuidado em relação a regulamentação da profissão de Educador Social, afinal estamos de certa forma decidindo o futuro de uma profissão , estamos falando do futuro de muitas vidas, de nossos meninos e meninas em situação de extrema pobreza que necessitam de um educador que tenha uma profissão reconhecida para que possa ser mediador no processo de libertação desses meninos ou das pessoas oprimidas por um sistema econômico injusto, então precisamos de muito debate, de muito dialogo entre os nossos pares, precisamos nos ouvir, um ouvir para além da escuta física, abrindo mão de nossas convicções se preciso for.

A Educação do campo no Brasil, meio que vem nos ensinar muito e quando ela se une a Educação Social no Brasil só temos a ganhar, pois a educação do campo no Brasil ela tem princípios da Educação Popular, ela é freiriana e Paulo Freire ele é o nosso teórico é a nossa referência na Educação Social, da Educação Popular surge o referencial teórico da Pedagogia Social que vai pensar sobre esta a boniteza da prática da Educação Social.

Hoje no Brasil em nossos Congressos de Pedagogia Social infelizmente ainda temos que falar em Educação social de meninos e meninas em situação de rua, mesmo com todos os avanços sociais obtidos no governo do PT, mesmo com todos os programas sociais que tiraram milhares de crianças e adolescentes das ruas, tiraram o Brasil do mapa da fome da ONU, contudo nossa injustiça social era tamanha que ainda precisamos falar em educação para crianças e adolescentes que procuram as ruas como lugar de proteção e abrigo.

Nas prisões ainda temos milhares de jovens, quase em sua totalidade negros, que quando não são presos, são mortos, por isso continuaremos a escrever, continuaremos a teorizar até que este profissional da Educação Social não precise mais existir em nosso país, neste dia haveremos de ser muito felizes, mas infelizmente hoje nossas crianças e adolescentes em situação de rua se deparam com muitas drogas que antes não tinham acesso e que de forma mais rápida destroem sua vida, nossas crianças hoje se deparam com o crack, com a cocaína, são usados por traficantes de forma vil, os educadores sociais ainda são os mediadores que nas ruas são capazes de suscitar desejos e sonhos e indicar-lhes os caminhos da vida através de processos educativos.

Este Congresso Internacional nos permitiu mais uma vez sentarmos a mesa com nossos pares, com nossos companheiros de todos Brasil, América Latina e alguns países da Europa para repensarmos todos esses processos educativos.

Contamos com presenças como Miguel Melendro Stefania da Espanha, Jorge Camors, Marcelos Morales do Uruguai, Cristiano Morsolin da Colômbia que compartilharam experiências do outros países, não para que pudéssemos copiar, mas para que pudéssemos refletir e repensar nossa própria experiência.

Conseguimos reunir pesquisadores que são Educadores Sociais de todo o Brasil, comprometidos com a justiça social, para que juntos pudéssemos continuar construindo a Educação Social no Brasil, o CIPS foi mais que um congresso, foi um grande encontro de pessoas que acreditam na pesquisa como um instrumento de transformação do mundo, que acreditam na equidade social, que acreditam na dignidade da pessoa humana e por esta causa se juntam e marcham juntas. Sou uma esperançosa no mundo!

Pergunta: Você publicou o novo livro ”Caminhos do Educador Social no Brasil”, Paco Editorial (2015)…

Resposta: Esta obra é uma contribuição significativa para a Pedagogia Social e Educação Social, pois historicamente essa área se desenvolve e se fortalece em contextos de crise buscando dar respostas aos problemas sociais. A autora percorre vários Estados do Brasil, Finlândia e Angola na perspectiva de produzir um conhecimento emancipador, fundamental para a formação do educador (1).

NOTAS

  1. http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=86536

*Cristiano Morsolin, pesquisador e trabalhador social italiano radicado na América Latinadesde 2001, com experiências no Equador, Colômbia, Peru, Bolívia, Brasil. Autor de vários livros colabora com a Universidade do Externado da Colômbia, Universidade do Rosário de Bogotá, Universidade Politécnica Salesiana de Quito. Co-fundador do Observatório sobre a América Latina SELVAS (Milão), pesquisa a relação entre os movimentos sociais e as políticas emancipatórias.

BLOG: https://diversidadenmovimiento.wordpress.com/

 

in EcoDebate, 14/10/2015


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