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Artigo

O declínio econômico da América Latina, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

 

“Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos”
Eduardo Galeano

 

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[EcoDebate] A América Latina e Caribe (ALC) teve um octênio virtuoso entre 2004 e 2011, quando a variação do PIB da região cresceu acima do PIB mundial. Neste período houve melhora do mercado de trabalho, da educação, das condições de moradia e redução da pobreza. O ciclo de valorização das commodities possibilitou uma valorização dos termos de troca e uma melhoria das contas externas e internas dos países da região.

Mas a situação mudou na segunda década do século XXI. Os dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) indicam um declínio consistente na variação do PIB. Em 2010, o crescimento da ALC foi de 6,1%, caindo para 4,9 em 2011, 3,1% em 2012, 2,9% em 2013, 1,3% em 2014 e somente 0,5% em 2015. Ou seja, o PIB em 2015 vai crescer abaixo do crescimento da população, que está em torno de 1,1% ao ano. O impressionante é que o declínio é constante e consistente no último sexênio.

O que está acontecendo agora é muito semelhante ao que aconteceu por volta de 1980. Quando os preços do petróleo dispararam, na década de 1970, houve um ponto de ruptura para a maioria dos países da região. Os países encontraram-se em uma crise de liquidez desesperada. Países Exportadores de Petróleo – com muito dinheiro após os aumentos do preço do petróleo de 1973 – investiram seu dinheiro em bancos internacionais, que reciclaram uma grande parte do capital como empréstimos a governos latino-americanos. O forte aumento dos preços do petróleo fez com que muitos países buscassem mais empréstimos para cobrir os altos preços e os países produtores de petróleo queriam aproveitar a oportunidade para se desenvolver ainda mais.

Mas com o aumento das taxas de juros nos Estados Unidos e na Europa a partir de 1981, os custos da dívida aumentaram, tornando mais difícil para os países endividados pagarem suas dívidas. A deterioração da taxa de câmbio fez com que os povos e os governos latino-americanos perdessem poder de compra. A contração do comércio mundial em 1981 fez com que os preços dos recursos primários caíssem. Menos receitas e maiores custos dos serviços da dívida levaram à década perdida. Infelizmente, os mesmos erros estão sendo repetidos mais uma vez. O gráfico abaixo mostra que o preço dos produtos básicos que são importantes na pauta de exportação da ALC estão em queda.

 

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Com a redução do preço das commodities e a desaceleração da economia internacional a ALC passou de uma situação de superávit na conta de transações correntes entre 2004 e 2007, para déficits crescentes a partir de 2008. Isto significa que aumentou a dependência ao capital externo.

 

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A queda no dinamismo da região está vindo em um momento ruim, quando a economia chinesa perde fôlego e existe a possibilidade de aumento da taxa de juros dos Estados Unidos. Segundo o Estudo Econômico da América Latina e do Caribe 2015, da CEPAL, a desaceleração econômica se deve a fatores tanto externos como internos. No âmbito externo, destaca-se o lento crescimento da economia mundial durante 2015, particularmente das outras economias emergentes, com exceção da Índia. O relatório ressalta que o comércio mundial se manterá estagnado no que já se transformou em um problema estrutural da economia mundial (estagnação secular) e que à menor demanda externa se soma, por um lado, a tendência à queda dos preços dos produtos básicos, e por outro, a maior volatilidade e a incerteza nos mercados financeiros internacionais.

Os países da América Latina e do Caribe crescerão em média somente 0,5% em 2015, segundo as novas projeções da CEPAL. Ainda que a desaceleração seja um fenômeno generalizado na região, o crescimento é heterogêneo entre sub-regiões e países. O Panamá liderará a expansão regional com um crescimento de 6,0%, seguido por Antígua e Barbuda (5,4%), pela República Dominicana e pela Nicarágua (ambos com 4,8%). O México alcançará um crescimento do PIB de 2,4% e a Argentina de 0,5%. O Brasil apresentará uma contração de -1,5%, enquanto que a Venezuela terá uma redução ainda maior de -5,5%. A América Central vai crescer 3,9%, enquanto a América do Sul vai decrescer 0,4% em 2015.

 

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Ao apresentar o relatório anual, a CEPAL propõe dinamizar o processo de investimento para retomar o crescimento e melhorar a produtividade da economia da Região. No âmbito interno, a publicação mostra que a contração do investimento, junto com a desaceleração do crescimento do consumo, explica entre outros fatores a redução da demanda interna, fator principal do crescimento nos últimos anos. A redução da taxa de investimento e a menor contribuição da formação bruta de capital ao crescimento são preocupantes, já que não somente afetam o ciclo econômico, mas também a capacidade e a qualidade do crescimento de médio e longo prazo. Por isso um dos principais desafios para retomar um crescimento vigoroso é dinamizar o processo de formação bruta de capital, mas a crise fiscal dos países não ajuda.

Uma situação inusitada acontece em Porto Rico (agora Porto Pobre), que vive uma tragédia semelhante à ocorrida recentemente na Grécia. São as ruínas gregas do Caribe. A ilha tem uma população de 3,5 milhões de habitantes, vive há sete anos em recessão e acumula uma dívida total de US$ 72 bilhões. Porto Rico não é um país independente, mas sim um território livre associado aos Estados Unidos, com o chamado status de Commonwealth. A ilha, porém, ao contrário dos estados americanos, não pode pedir concordata para se proteger dos credores. Sem ter como pagar a dívida e sem perspectivas de melhora, muitos habitantes preferem migrar para os EUA. O país pode virar Porto Vazio.

O fato é que a região da América Latina e Caribe (ALC) está entrando novamente no ritmo de uma segunda década perdida e a Venezuela e o Brasil, seguidos pela Argentina, são os países que estão puxando a média de crescimento para baixo. Isto significa que a pobreza vai aumentar e, sendo uma região muito violenta, é de se esperar uma grave crise de segurança pública e de instabilidade social.

Referências:
CEPAL. Estudio Económico de América Latina y el Caribe: Desafíos para impulsar el ciclo de inversión
con miras a reactivar el crecimiento, Santiago de Chile, julio de 2015
http://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/38713/1500454_es.pdf?sequence=62

 

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

 

in EcoDebate, 05/08/2015

[cite]


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2 thoughts on “O declínio econômico da América Latina, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

  • Oi,

    Pelo gráfico I.23 acima, a sensação que passa não é de que a América Latina esteja mal (Porto Rico, que não aparece no gráfico provavelmente por ser um território, excluso). A sensação é de quem realmente está mal é o Brasil e a Venezuela, os únicos com PIB negativo para o próximo ano. Considerando que em países em que o PIB crescer menos de 1,1% (taxa de aumento da população), as pessoas estarão mais pobres per capita (simplificação que ignora desigualdades econômicas, mas pode ser útil), Trinidad &Tobago, República Dominicana, San Vicente & las Granadinas, Argentina e Santa Lúcia também estão mal. Sete de 34 países não é tão mal… a diferença é que o peso das economias do Brasil, Venezuela e Argentina é tão grande que joga para baixo a América Latina inteira.

    Ou seja… tem pontos da América Latina que estão indo de vento em popa na economia (Bolívia, por exemplo, apesar da maioria dos economistas que conheço não gostar do Evo Morales.). Mas nosso gigante brasileiro aqui indo mal, está arrastando todos os outros consigo.

  • PESSIMISMO OU REALIDADE?

    Esse cenário econômico, com consequências danosas na segurança pública e na estabilidade social, não se apresenta como surpresa, pois, há muito, é do conhecimento dos estudiosos de que ele viria para se instalar e evoluir.
    Agora está aqui, em parte da América do Sul, mas, em breve, mesmo os países chamados economicamente desenvolvidos provarão o mesmo sabor amargo da recessão planetária e do colapso que a seguirá.
    Acho que será assim, porque não acredito em milagres.
    O discurso de Francisco, aquele da Argentina, que vive em Roma, só servirá para aumentar a crença e o número dos seguidores de sua Igreja, o que a favorece e beneficia o poder dominante, chamado capitalismo, permitindo incrementar seu projeto de concentração, o qual levará a convulsões sociais, cada vez mais amplas, e à destruição dos ecossistemas terrestres, e a maior desequilíbrio ambiental.
    Em suma, levará ao total colapso planetário.

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