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Águas Minerais – Possibilidades de Contaminações e Proposta de Controle, artigo de Carlos Augusto de Medeiros Filho

O consumo de água mineral do Brasil é nitidamente crescente. Diversos fatores contribuem para esta tendência, mas um dos principais é que a água ofertada pelos serviços de tratamento e distribuição de água, em muitos casos, não transmite segurança para o consumidor. Este comportamento deve continuar a crescer com o aumento da taxa de urbanização da população.

agua garrafa

Exemplos ou indícios de águas minerais contaminadas são reportadas em trabalhos técnicos (no Brasil e exterior) e também na imprensa. Listaremos sinteticamente alguns exemplos com o objetivo de registrar a importância dessa questão e propor maneiras mais transparente de controle de qualidade química.

Birke et al. (2010) analisaram, na Alemanha, 908 amostras de águas engarrafadas e 164 amostras de “águas de torneiras” . As amostras foram criteriosamente coletadas e analisadas para uma bateria de 71 parâmetros químicos. Apesar do rígido controle ambiental naquele país, os resultados apresentaram os seguintes principais parâmetros com amostras com teores acima de limites recomendados

Tabela 1 – Comparação de concentrações de parâmetros de águas minerais na Alemanha, com limites recomendados (action levels)

Pesquisas relativamente semelhantes as desenvolvidas na Alemanha são reportadas na Itália (Cicchela et al. 2010); Polônia (Astel et al., 2014); Portugal (Eggenkamp & Marques, 2013); Estônia (Bityukova & Petersell, 2010) e Hungria (Fugedi et al., 2007).

No trabalho desenvolvido na Polônia (Astel et al., 2014) foi observado que a comparação da composição dos rótulos e os resultados analíticos indicou divergências médias significativas entre os valores declarados e medidos.

Uma constatação dessas pesquisas multielementares é que usualmente apenas as concentrações dos elementos maiores são reportados nos rótulos, enquanto que os elementos traços são ignorados. Selinus et al (2005) indicam que enquanto a água mineral é consumida em quantidades limitadas ou por curtos períodos de tempo, isto pode não constituir um problema, mas isto pode não ser o caso se as taxas de consumo forem elevadas.

Na Região Metropolitana de Natal, o aquífero Barreiras não só disponibiliza, via CAERN, a maior parte do abastecimento de água, como também é fonte para indústrias de águas minerais. Dessa forma, o processo de contaminação do Barreiras pode também refletir nas águas minerais comercializadas e consumidas pela população potiguar. Infelizmente alguns informes técnico-científicos indicam que já existem casos comprovados desse grave problema.

Municípios no entorno de Natal, como Parnamirim, Macaíba e Extremoz, registram significativas taxas de crescimento urbano e se caracterizam por conter diversas reservas de águas minerais. Cabral et al (2009) comentam que no processo de contaminação, para nitrato, dos aquífe­ros Dunas/Barreiras de Natal é essencial considerar fatores como o adensamento e histórico populacional em conjunto com a qualidade do saneamento praticado.

Nóbrega et al. (2008) analisaram, para nitrato, dez marcas de águas minerais comercializadas em Natal cujas as fontes se localizam nos três municípios citados acima. Os autores compararam os resultados obtidos na pesquisa com as concentrações de nitrato que essas águas apresentaram no ano em que suas respectivas indústrias foram autorizadas a operar. Uma marca de água mineral apresentou, em 2005, valor de 57.30 mgNO3/L e, portanto, superior ao limite permitido para águas minerais. Um aspecto importante é que essa marca apresentava um resultado bem mais baixo (11.93 mgNO3/L) em 1993. Esse substancial aumento é um indício forte do processo de contaminação de nitrato. Outra amostra não tinha registro analítico original, mas o resultado em 2005 apresentou valor próximo ao limite da ANVISA e que, sem dúvida, é um indicativo de contaminação. Além disso, três outras amostras registraram representativos crescimentos nos valores de nitrato em 2005 em relação aos resultados originais, servindo de alerta dessa tendência de contaminação.

Rodrigues et al. (2009) fizeram análises das concentrações de nitrato para 3 diferentes marcas de águas minerais, localizadas nos arredores do município de Natal. Uma dessas marcas apresentou valor acima daquele recomendado pela ANVISA, enquanto as outras duas registraram valores baixos.

Reportagem recente na imprensa de Natal (Jornal de Hoje, 2015) revelou que uma pesquisa realizada recentemente pelo Laboratório de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental (Larhisa), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, apontou que 10% das amostras de água da Companhia de Águas e Esgotos do RN (Caern) continham presença de coliformes fecais, enquanto que nas águas minerais analisadas este índice é ainda mais assustador: 40%. A pesquisa coletou uma amostra de água servida pela Caern, colhida diretamente da torneira, e outra amostra de água mineral, colhida da mesma forma como o usuário retira a água. O levantamento foi realizada em 50 domicílios.

O professor Manoel Lucas, um dos responsáveis pela pesquisa, ressalta que a presença de um alto índice de coliformes fecais na amostragem, não significa que a água mineral que está sendo comercializada, esteja contaminada. Ressalta que provavelmente essa contaminação pode ser feita no manuseio desse garrafão ou por falsificação. A Vigilância Sanitária informou, nessa mesma reportagem, que, trimestralmente coleta dados dos garrafões, diretamente dos pontos de compra do consumidor, como estabelece a legislação e comentou que a água mineral comercializada no Rio Grande do Norte é livre de contaminação, principalmente por coliformes fecais (Jornal de hoje, 2015).

Existem indícios e, portanto, dúvidas quanto a qualidade das águas minerais consumidas em Natal. Algumas propostas podem ser feitas para o esclarecimento dessa importante questão:

  • Amostragem e análise representativas de águas expostas para venda em mercados e distribuidores. Este trabalho serviria, a princípio, para checar / confirmar os resultados do apresentado nos rótulos. Os resultados deveriam ser disponibilizados, de forma transparente, ao público.

  • Essa amostragem e análise permitiriam, também, identificar e procurar as causas de possíveis desvios encontrados nos parâmetros químicos e físico-químicos.

  • Esse cheque analítico é um importante e simples método de garantir, ao cidadão, a qualidade do produto consumido. Além da própria fonte, a água mineral pode ser contaminada por diversos processos que vão desde o tipo da embalagem, do processo de envasamento; meio de transporte e armazenamento, etc.

  • Os resultados das análises periódicas da Vigilância Sanitária deveriam, também, ser amplamente divulgadas.

  • A bateria de análise poderia, a princípio, ficar relativamente restrita aos principais parâmetros contidos nos rótulos das águas comercializadas. Seria interessante, entretanto, que tratamentos multielementares sejam desenvolvidos de maneira relativamente semelhante as pesquisas europeias, aqui referenciadas.

  • Esse conjunto de ações constituiria em uma iniciativa útil e popular e uma maneira segura de garantir para a população, o consumo de águas minerais isentas de concentrações de parâmetros prejudiciais à saúde.

Referências Bibliográficas

Astel, A.; Michalski, R.; Łyko, A.; Jabłońska-Czapla, M.; Bigus, K.; Szopa, S.; Kwiecińska, A. 2014. Characterization of bottled mineral waters marketed in Poland using hierarchical cluster analysis. Journal of Geochemical Exploration 143 (2014) 136–145

Bike, M.; Rauch, U.; Horazin, B.; Lorenz, H.; Wolgang, G. 2010. Major and Trace Elements in Germany Bottled Water, Their Regional Distribution, and Accordance with National and International Standards. Journal Geochemical Exploration. 107. 245-271.

Bertolo, R. 2006. Reflexões sobre a Classificação e as Características Químicas da Água Mineral Envasada do Brasil. XIV Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas.

Bityukova, L.; Petersell, V. 2010. Chemical composition of bottled mineral waters in Estonia. Journal of Geochemical Exploration 107 (2010) 238–244.

Cabral, N. M. T.; Righettto, A. M.; Queiroz, M. A. Comportamento do nitrato em poços do aquífero DUNAS e PLANALTO, Natal, RN. Brasil Eng Sanit Ambient | v.14 n.3 | jul/set 2009 | 299-306.

Cicchella, D.; Albanese, S.; Vivo B.; Dinelli, E.; Giaccio, L.; Lima, A.; Valera, P. 2010. Trace elements and ions in Italian bottled mineral waters: Identification of anomalous values and human health related effects. Journal of Geochemical Exploration 107 (2010) 336–349.

Eggenkap, H.G.M.; Marques, J.M. 2013. A comparison of mineral water classification techniques: Occurrence and distribution of different water types in Portugal (including Madeira and the Azores). Journal of Geochemical Exploration 132 (2013) 125–139

Fugedi, U.; Kuti, L.; Jordan, G.; Kerer, B. 2010. Investigation of the hydrogeochemistry of some bottled mineral waters in Hungary. Journal of Geochemical Exploration 107 (2010) 305–316.

Jornal de Hoje. 2015. UFRN revela que água da Caern tem menor índice de coliformes fecais do que a mineral. Postado em 05/03/2015.

NÓBREGA, M. M. S.; ARAÚJO, A. L. C.; SANTOS, J. P. Avaliação das concentrações de nitrato nas águas minerais produzidas na região da Grande Natal. Revista Holos. Vol. 3. 2008. 4-25 p.

Rodrigues, M; Pereira, R.; Mayer, A.; Magalhães, D. R. M.; Fernandes Jr., J. R. A atual situação da contaminação por nitrato nos poços da cidade de Natal/RN: o caso das águas minerais. IV Congresso de Pesquisa e Inovação da Rede Norte e Nordeste de Educação Tecnológica. Belém – Pa. 2009.

Selinus, O., Alloway, B., Centeno, J.A., Finkelman, R.B., Fuge, R., Lindh, U., Smedley, P. (Eds.), 2005. Essentials of Medical Geology. Impacts of the Natural Environment on Public Health. Elsevier, Amsterdam, p. 812.

Carlos Augusto de Medeiros Filho, geoquímico, graduado na faculdade de geologia da UFRN e com mestrado na UFPA. Trabalha há mais de 30 anos em Pesquisa Mineral.

 

Publicado no Portal EcoDebate, 22/04/2015

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