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A PEC 215 e a ofensiva contra os povos indígenas, artigo de Bruno Lima Rocha

 

A Proposta de Emenda Constitucional de número 215 (PEC 215) é um franco e direto avanço das forças conservadoras contra os direitos dos povos originários (indígenas). Começa alterando a competência da demarcação das terras reconhecidas pela Constituição Federal de 1988 como sendo parte do direito ancestral dos primeiros habitantes do Brasil.

 

Brasília, 18/04/2013 – Indígenas fazem manifestação em frente ao Palácio do Planalto. Eles protestaram contra a PEC 215, que transfere para o Congresso poder de demarcar terras indígenas. Foto de Valter Campanato/ABr
Brasília, 18/04/2013 – Indígenas fazem manifestação em frente ao Palácio do Planalto. Eles protestaram contra a PEC 215, que transfere para o Congresso poder de demarcar terras indígenas. Foto de Valter Campanato/ABr

 

[Estratégia & Análise] A Proposta de Emenda Constitucional de número 215 (PEC 215), tramitada a partir do ano 2000, é um franco e direto avanço das forças conservadoras contra os direitos dos povos originários (indígenas). A base de seu funcionamento, caso venha a ser aprovada, repousa nos seguintes itens.

Começa iniciando com a mudança de poder concedente, alterando a competência da demarcação das terras reconhecidas pela Constituição Federal de 1988 como sendo parte do direito ancestral dos primeiros habitantes do Brasil. Assim, o Poder Executivo deixaria de ser este responsável passando a tarefa de demarcar (ou não) as terras das nações originais para o Congresso Nacional.

Outras duas atribuições também passariam ao Poder Legislativo Federal. Uma alterna a forma de regulamentação destes territórios. Hoje a demarcação é aprovada por decreto e, com a PEC 215, viria a ser como lei.

Deste modo, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) como órgão especializado no tema, proporia menos políticas indigenistas, ficando na tutela do Congresso. Nas duas casas, a bancada do latifúndio e agronegócio (atendendo pelo eufemismo de “setor produtivo primário”) tem sobre-representação e abundante poder de barganha. Junto com esta atribuição, vem a possibilidade de perda do direito adquirido, pois estaria prevista na mesma emenda constitucional a chance de revisar terras já demarcadas.

As terras indígenas e de quilombolas deveriam ter sido totalmente demarcadas no período de cinco anos após a promulgação da carta magna. Caso ocorresse, ao invés de discutir o factóide surreal do plebiscito sobre república ou monarquia em 1993, deveríamos haver concentrado todos os esforços nacionais para o reconhecimento do direito ancestral. Mais de 25 anos se passaram e agora o vitorioso modelo agrícola em grande escala visando à exportação avança por cima dos primeiros brasileiros.

Os direitos dos povos originários e quilombolas transcendem sua própria existência. Se o país não o reconhece, é porque no mundo real, toma posição a favor de uma cultura predatória dos recursos naturais limitados e faz o elogio dos bandeirantes e seus descendentes.

As sementes transgênicas são precedidas pela titulação de terras públicas, grilagem e devastação. Caso o Brasil empenhe todos os esforços no reconhecimento deste direito e na consequente execução, daremos um largo e seguro passo para revisar a própria história e condenar o genocídio indígena e a escravidão africana em todas as suas dimensões. Resta saber que país é este?

Bruno Lima Rocha é formado em jornalismo pela UFRJ, mestre e doutor em ciência política pela UFRGS. Concentra seu trabalho nas áreas de movimentos populares, organizações políticas, análise estratégica, estudos dos órgãos de inteligência e economia política da comunicação.

Artigo enviado pelo Autor e originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat.

EcoDebate, 10/06/2014


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2 thoughts on “A PEC 215 e a ofensiva contra os povos indígenas, artigo de Bruno Lima Rocha

  • O artigo do jornalista Bruno Lima Rocha aborda uma questão polêmica: a demarcação de terras indígenas e quilombolas.
    Com relação à demarcação de terras indígenas, entendo deva haver um critério diferente de considerá-los donos das terras por descenderem dos “povos originários”. Estudos paleontológicos indicam que a América do Sul era habitada muito antes de ser invadida pelos antepassados dos indígenas atuais, o que ocorreu por volta do ano 1000. Isso, no entanto, são hipóteses e devemos raciocinar com o que temos: povos com uma cultura diferente da nossa, que precisa ser preservada.
    A questão é a seguinte: há necessidade de reservas tão grandes para os indígenas? A meu ver, não. Os índios que habitavam o Brasil eram nômades e ocupavam determinado local enquanto havia abundância de caça e de pesca, mudando assim que esta escasseava. Hoje, com a absorção da cultura dos “brancos”, já não há necessidade de mudança contínua da “taba”.
    Um exemplo típico é o caso da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima. Os índios conviviam pacificamente com os arrozeiros. Isso lhes fazia muito bem, porque não existe cultura estática. Toda cultura, por mais milenar que seja, precisa progredir e, para isso, é necessário o contato com outras culturas. Acontece que os índios conseguiram que os arrozeiros fossem expulsos para que a terra ficasse só para eles. Expulsos os arrozeiros, os índios não sabem o que fazer com tanta terra, já que não a podem vender.
    Quanto aos quilombolas, a situação é diferente. Na época da escravidão, os negros fugiam e se organizavam em quilombos. Muitos desses quilombos foram destruídos, como o célebre quilombo de Palmares. Outros persistiram e, com a Lei Áurea, continuaram a existir.
    Ocorre que, diferentemente do índio, o negro se integra com muito mais facilidade à cultura “branca”. Assim, muitos dos antigos quilombos se incorporaram a cidades, vilas e povoados existentes. Há locais em que se reivindica a posse como remanescente de quilombo, mas que os habitantes não descendentes de escravos fugidos.
    Portanto, muito cuidado deve ser tomado com a demarcação das terras consideradas como remanescentes de quilombos.

  • GERALDO MOISES MARTINS

    É impressionante, ou melhor, revoltante ver que, apesar dos anseios de humanismo e de busca de solidariedade para com os povos indígenas e a própria natureza, nosso país continue com a mesma mentalidade esvravagista e usurpadora de nossos colonizadores, que agora se perpetua a serviço dos interesses do capital, ou seja, do poder econômico insaciável e ávido por lucros até a exaustão de suas fontes.

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