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Disputa pelo território: Movimentos sociais e resistência na Amazônia, artigo de Ana Laíde Soares Barbosa

 

artigo

Disputa pelo território: Movimentos sociais e resistência na Amazônia

Ana Laíde Soares Barbosa

Movimento Xingu Vivo para Sempre

Historicamente, hoje mais do que nunca, a disputa pelo território na Amazônia tem se dado entre o Estado, apoiado por grandes empresas e políticos profissionais (geralmente envolvidos em atividades ilegais), todos com fortes interesses econômicos na região, e as comunidades tradicionais e indígenas que, estando do outro lado, participam desta disputa em imensa desvantagem.

Inseridos neste processo estão os movimentos sociais. Na atual etapa das lutas de resistência cabe a estes: reorganizar a forma de luta, adequando esta às novas frentes de desapropriação de territórios comunitários tradicionais e indígenas pelo Estado, Governo brasileiro e grupos econômicos aliados, como antes observado.

Em 2014 faz 50 anos que a resistência popular começou a se organizar contra um regime ditatorial – caracterizamos a mesma de RESISTÊNCIA POLÍTICA. Nesse período avanços significativos foram conquistados: mudança de regime, eleição direta, etc., mesmo que uma das consequências tenha sido a de inúmeras vidas humanas desaparecidas, sangrando até a morte – porém tivemos a DEMOCRACIA CONQUISTADA. No auge da abertura democrática, que derrotou o regime autoritário, vivenciamos a democracia representativa. Quais efeitos isso trouxe para a resistência popular?

Entre outros resultados podemos observar: a transformação do povo em massa de manobra; o estado se apropriando das organizações tradicionais populares, terceirizando suas estruturas e transformando-as em extensão governamental – a partir daí estas passam a cuidar dos direitos beneficiários dos trabalhadores associados, preenchendo formulários e cadastrando atingidos – são mudanças de papel – porém muitos movimentos não se atentam para essa transformação; verifica-se também a conhecida cooptação das organizações e lideranças populares, tendo estas lideranças assumido papeis importante nos governos pós-ditadura.

Na década de 90 – quanto a democracia representativa vai se reajustando e se modelando ao estado – a RESISTÊNCIA POPULAR caminha buscando o bem viver. Literalmente o BEM VIVER. As frentes de resistência buscam a defesa territorial. Emerge assim a RESISTÊNCIA SOCIOAMBIENTAL/TERRITORIAL. Desta vez sem os grandes movimentos e organizações sindicais – mas muito mais a partir das comunidades tradicionais locais.

As ameaças dos grandes projetos, explorando as riquezas minerais, vegetais e hídricas em territórios tradicionais, conduzem as comunidades ameaçadas a RESISTIREM NO TERRITORIO. E trazem formas e ferramentas atualizadas para a luta popular:

A RESISTÊNCIA SILENCIOSA – parecem concordar com tudo, mas na primeira oportunidade recomeçam a reivindicar (não obedecem às placas, assinam documentos sem ter consideração pelo seu teor, etc.);

A RESISTÊNCIA TEIMOSA – estão presentes a inúmeras reuniões, mesmo quando o resultado é pra marcar a próxima reunião. Os pescadores da Volta Grande do Xingu participaram em 2013 de 10 reuniões com o governo – perguntado a um pescador o que o leva a participar de várias reuniões? Ele respondeu – pra pegar eles na mentira e se informar das coisas;

A RESISTÊNCIA DE ENFRENTAMENTO – é aquela organizada pelos movimentos sociais, realizando ocupações de canteiros de obras, estradas, prédios, etc.

Quando os movimentos se questionavam por que o povo não participava das manifestações a resposta era simples – porque o povo estava passando fome. Mas o Lula “acabou” com a fome do povo dando a bolsa família, e o povo continuou a não participar das manifestações.

Os grandes projetos não apenas destroem o território, mas também a vida das pessoas, o povo perde sua identidade, a sua espiritualidade, sendo ele Amazônida, e povo das águas, os seres místicos são parte dessa identidade espiritual. É assim que as comunidades perdem seus entes místicos e seus líderes espirituais – no rio Xingu a cobra grande não está mais no lugar que ficava sempre, lá ela tem um nome – Regina – a mesma se mudou. Foi o que se conseguiu descobrir ao perguntar a um ribeirinho sobre esse ser mítico das águas amazônicas.

Com tudo isso, acreditamos que a barriga vazia não é o único empecilho para mobilizações de resistência das populações impactadas, mas a perda de identidade também é um dos fatores.

Na Amazônia, o território das comunidades indígenas e tradicionais é espaço de vida lazer, reprodução sociocultural, econômica – é o lugar de subsistência – rios, lagos, terra, floresta, água, argila, ouro, carvão vegetal, etc.

Para os outros a Amazônia é o Território-Pátria, ou seja, somente um lugar de exploração dos recursos naturais para desenvolvimento do País, utilizando para isso as leis, a força, inclusive a militar.

Amazônia para que, para quem? Para os conglomerados industriais (nacionais e internacionais) impulsionados pelo Estado? para o enriquecimento de alguns ou para o povo brasileiro, inclusive o Amazônida?

 

EcoDebate, 14/05/2014


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2 thoughts on “Disputa pelo território: Movimentos sociais e resistência na Amazônia, artigo de Ana Laíde Soares Barbosa

  • Ana Laide, seu artigo esta muito bom, mas eu sugiro um novo titulo: Defesa do territorio, em vez de Disputa pelo territorio.
    De fato, temos a grande vantagem de nao disputarmos territorio como ocorrem em outros paises. Tudo e uma questao apenas de se determinar a melhor maneira de se utilizar o territorio.
    E o caso de Raposa Serra do Sol, em que os povos indigenas conseguiram o territorio para si, numa verdadeira vitoria de Pirro. Retirados os arrozeiros, os indigenas perderam importantes oportunidades de crescimento economico e social. Hoje, diz-se que ha ate fome em uma regiao que foi prospera durante decadas.
    Portanto, nao se trata de disputa, mas de defesa da terra.

  • Querido Paulo,

    Ouso discordar do seu posicionamento. A resistência popular atualmente necessita sim disputar o território com invasores, grileiros, industriais, e, mais recentemente, com outros movimentos sociais. Vivemos uma crise cujo propulsor é, justamente conforme colocado pela autora, a perda gradativa de identidade cultural. O Brasil é o “país de todos”, mas pouco se discute sobre quem nós realmente somos, daí resta impossível a coexistência de todos. Nas escolas não se provê conteúdo para regenerar essa referência cultural perdida, ao contrário, todo o conteúdo culmina por confundir ainda mais os jovens sobre sua identidade ou sua posição e importância sociais. Por exemplo, cite-se a educação fornecida aos habitantes das zonas rurais, que estudam com o objetivo de ter uma vida “diferente” da de seus progenitores, pessoas do campo, que trabalham com a terra, ao invés de sedimentar a importância deste trabalho e valorizar a origem dos estudantes, que são instados a crer que devem trilhar outro caminho para o “sucesso”. Há diversos outros exemplos.
    O fato é que, infelizmente, as resistências populares, em todos as esferas de atuação de seus personagens, têm de lutar diariamente contra diversos inimigos (alguns que se apresentam como aliados para apunhalá-los pelas costas) e isso implica, sim, numa estratégia de defesa territorial. Não há como negar.
    Excelente artigo, parabéns à autora.

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