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Violência psicológica, o mal que vem da família

 

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Violência psicológica, o mal que vem da família

Em pesquisa realizada na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, 96% dos adolescentes entrevistados admitem já ter sofrido violência psicológica, imposta principalmente pelos próprios pais

Por Tauana Boemer, no Jornal da USP, n° 1.028

Considerada uma das formas mais difíceis de ser detectada, a violência psicológica é também muito comum, ocorrendo em diferentes espaços, mais frequentemente em casa ou em escolas, quando envolve adolescentes. Partindo do pressuposto de que esse tipo de violência pode interferir de maneira significativa na autoestima dessas pessoas e prejudicar inclusive o seu desenvolvimento, um estudo desenvolvido na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP investigou a ocorrência dessa prática entre estudantes de uma escola pública.

Os pesquisadores buscaram informações que pudessem contribuir para a identificação de casos e subsidiar estratégias de prevenção e assistência a adolescentes vítimas de violência psicológica. “Violência psicológica representa a situação em que o adolescente é desqualificado, agredido verbalmente ou mesmo cobrado excessivamente. Essa situação se agrava quando o perpetrador é uma pessoa significativa para esse adolescente, como o seu pai ou a sua mãe”, diz a psicóloga Luciana Aparecida Cavalin, autora da dissertação de mestrado “Violência psicológica: estudo com adolescentes de uma instituição escolar pública do interior do Estado de São Paulo”.

O estudo foi orientado pela professora Zeyne Alves Pires Scherer, do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da EERP. Participaram 218 estudantes, entre 14 e 18 anos, de dois cursos técnicos integrados ao ensino médio de uma instituição pública de ensino do interior do Estado de São Paulo. Luciana e Zeyne investigaram o grau de exposição à violência desse grupo de adolescentes e a sua relação com variáveis sociodemográficas. Além disso, identificaram a ocorrência de outros tipos de violência (física, sexual e negligência), seus perpetradores e o contexto onde eram praticados.

“No contexto familiar, a violência é dificilmente identificável e, no caso de adolescentes vitimizados, a maioria se encontra paralisada, submissa e com dificuldades de buscar ajuda, seja pela ameaça sofrida ou pela ausência de auxílio de instituições como a escola”, esclarece Zeyne.

“Doido” e “burro” – Durante quatro meses, as pesquisadoras coletaram dados por meio de dois instrumentos: a escala de violência psicológica (EVP) e um questionário que possibilitou a identificação dos perpetradores e dos locais de ocorrência dessa modalidade de violência.

“A EVP tem como objetivo identificar violência psicológica cometida contra o adolescente por alguém importante em sua vida. A escala é composta por 18 perguntas, dentre elas: Criticou você pela sua aparência e pelo modo como você se veste? Disse a você que você não era tão bom quanto as outras pessoas? Chamou você de nomes desagradáveis como ‘doido’, ‘idiota’, ou ‘burro’? Gritou ou berrou com você sem nenhum motivo? Fez piadas sobre você na frente de outras pessoas? Os dados obtidos pela EVP possibilitaram a classificação da exposição à violência sofrida pelos adolescentes em três categorias de exposição: ausente, leve e moderada e severa, segundo o sexo do aluno”, relata Luciana.

As respostas foram analisadas estatisticamente e demonstraram que 96% dos estudantes sofreram violência psicológica, seguida da violência física (34%), sexual (7%) e negligência (2,8%). Mais de 90% dos adolescentes que sofreram violência física, sexual ou negligência sofreram também violência psicológica na modalidade leve e moderada, o que, segundo Luciana, “demonstra a coocorrência da vitimização”.

Além disso, 94,5% dos alunos foram expostos a esse tipo de violência na sua forma leve e moderada e 1,8%, na forma severa. Apenas 3,7% dos adolescentes responderam “nunca” aos 18 itens de violência psicológica indagados na pesquisa.

Esses dados mostram que a violência psicológica, mesmo que vivenciada com intensidade leve e moderada, é um comportamento presente na relação com pessoas significativas na vida da maioria dos adolescentes investigados.

No estudo, os perpetradores indicados com maior frequência foram os pais, seguidos dos irmãos/irmãs, primos/primas, padrasto/madrasta, avôs/avós e tios/tias, sendo a maior parte na casa dos estudantes. Apontados por um número alto de alunos, os colegas de classe e amigos foram responsáveis por agressões que ocorreram principalmente na escola.

“Apesar de os alunos terem indicado como os perpetradores mais frequentes seus colegas de classe e amigos, eles ainda atribuem aos professores a condição de perpetradores de atos de violência, principalmente a violência psicológica”, explica Luciana.

Autoimagem – Estudos mostram que há dificuldades na identificação dessa modalidade de violência, pois ela se apresenta diluída em atitudes aparentemente não relacionadas ao conceito de violência, mas consideradas como medidas educativas. O perpetrador, em suas primeiras manifestações, não agride fisicamente, mas deprecia, humilha, ameaça e ridiculariza o adolescente. “Isso faz com que esse adolescente pense ser inferior aos demais, construa uma representação negativa de si mesmo, o que gera intenso sofrimento”, alerta Zeyne.

Esse tipo de violência, quando praticado dentro de casa por pais, parentes ou responsáveis pelo adolescente, costuma ocorrer por muito tempo, uma vez que a família, considerada o agente protetor da criança, tende a esconder o fato.

“As situações que o adolescente vivencia nos ambientes familiar e escolar são muito importantes para o seu desenvolvimento e a construção da sua autoimagem. Se nesses ambientes o adolescente vivencia situações de violência, consequentemente a forma como se relaciona consigo mesmo e com o mundo será prejudicada”, ressalta Luciana.

“Esperamos que os resultados desse trabalho auxiliem na reflexão dos profissionais inseridos no contexto escolar e favoreçam a estruturação de programas visando à prevenção das várias formas de violência perpetradas contra o adolescente”, afirma Luciana.

EcoDebate, 14/04/2014


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