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Entre a vida e a morte: povo indígena Munduruku e rio Tapajós, artigo de Johannes Gierse

 

Complexo hidrelétrico projetado para o rio Tapajós
Complexo hidrelétrico projetado para o rio Tapajós. Imagem no sítio da ABIAPE/Valor

 

[EcoDebate] Faz um ano que foi celebrado o Centenário da Missão Francisco do Rio Cururu no Pará, fundada em 1911, e desde então está aos cuidados dos franciscanos na Amazônia. Um mutirão de visita às aldeias indígenas (numa área de 25.000 km²) foi o gesto concreto da comemoração. Vieram uns 35 missionários/as de todo o Brasil e do exterior com o objetivo de evangelizar através da celebração dos sacramentos e da abordagem das questões socioambientais atuais, a saber, a construção de hidrelétricas e a venda de crédito de carbono; claro, além de visitar as famílias, pescar, conversar, dançar e festejar.

As observações que “estes olhares de fora” anotaram, fornecem um raio-x da realidade sociocultural, econômica, ecológica e religiosa do povo munduruku e seu habitat que, apesar de suas múltiplas limitações, no mínimo tem caráter informativo. Mas não só isso! À luz dos fatos violentos que aconteceram dentro de um ano, os dados recolhidos vestem-se de uma relevância muito maior por que apontam nitidamente para o X da questão: o caminho da violência está sendo traçado como demonstram tanto o dia-a-dia das aldeias, como também os grandes acontecimentos que se tornaram manchete nacional na mídia:

– incêndio da delegacia em Jacareacanga (início de julho de 2012);

– intervenção das forças armadas do Poder Público em Teles Pires, deixando um morto (início de novembro de 2012),

– intervenção da Polícia Federal, Rodoviária Federal, Força Nacional e Exército na região de Itaituba para intimar um encontro de lideranças munduruku (final de março 2013).

– ocupação das obras de Belo Monte (por mundurukus e outros militantes) em maio 2013.

Sem dúvida alguma: o povo munduruku e o rio Tapajós estão entre a vida e morte!

Vejamos alguns dos dados:

O levantamento baseia-se em 27 avaliações devolvidas de um total 43 aldeias visitadas (infelizmente, das maiores aldeias não constam informações, como: Katô, Sai Cinza, Missão São Francisco, Caroçal, PIN Munduruku).

Nas 27 aldeias foram “registradas” 559 famílias que somam 2.993 pessoas; isso dá uma média de 5,3 pessoas/família. Apenas seis aldeias tem um pagê; em nove atua um catequista ou dirigente.

Os missionários/as foram solicitados a lançarem dois olhares: um primeiro, espontâneo, descrevendo as impressões gerais – positivas e/ou negativas – do povo e da aldeia; um segundo, mais acurado, que capta “luzes e esperanças”, e “dificuldades e desafios”. Obviamente, as respostas nem sempre foram bem distintas (uma impressão positiva pode ser vista igualmente como luz e esperança, e vice versa). Mas, considerando que nosso objetivo não era de realizar uma pesquisa baseada em métodos e critérios científicos, interessa-nos a descobrir as tendências gerais da conjuntura atual na mundurucânia.

(Obs.: os números indicam a quantidade de indicações, e não a quantidade de aldeias).

Impressões positivas e negativas vistas em conjunto:

1º – Povo: unido/comunitário/solidário (10x); acolhedor (9x); organizado (8x);

humilde/simples (7); com identidade cultural (6x); com muitas crianças/jovens (4x);

com consciência ecologia (2x); miscigenado (2x).

  • Por outro lado: perda de cultura (2x); acomodado (2x); reservado (1x); desinformado (1x); alcoolismo (1x).

2º – Habitat/ambiente: aldeia jovem (3x); aldeia pacata (3); caça-pesca-frutas (3x);

zelo/defesa do habitat (2x); limpeza/beleza (2x).

  • Por outro lado: invasão do garimpo (2x); sujeira (1x); isolamento (1x).

3º – Benfeitorias/políticas públicas: educação (3x); saúde (2x); energia (1x).

  • Por outro lado: pobreza/precariedade (5x).

4º – Liderança: boa atuação do capitão (5x).

5º – Religião: fé católica presente (4x).

  • Por outro lado: Igreja ausente (2x); divisão devido outras crenças (1x).

Síntese das LUZES e ESPERANÇAS (algo que já existe ou espera-se alcançar):

1º – Consciência:

  1. socioambiental que defende terra, rio, floresta e luta contra barragens, crédito de carbono, garimpo, turismo de pesca (20x);
  2. étnico-cultural – o “orgulho de ser munduruku”(11x);
  3. generacional em vista das futuras gerações (9x).

2º – Povo: crianças (8x); união/bom convívio (4x); atividades coletivas (3x);

organização (2x); mulheres/cuidado com os velhos/atuação do capitão (1x cada);

saber falar português (1x).

3º – Políticas públicas/benfeitorias: educação (5x); vontade de desenvolver-se/evoluir (3x);

produção e comercialização agrícola (2x); saúde (2x); comunicação/rádio (1x).

4º – Religião: culto (3x); desejo de ter capela (2x); catequista (2x); apoio missionário (1x).

Síntese dos DESAFIOS e das DIFICULDADES (o que precisa ser enfrentado ou resolvido):

1º – Políticas públicas/benfeitorias: saúde (14x); economia-sustento (pesca, caça, frutos) e

comercialização dos produtos (10x); transporte (10x); educação (9x); água (6x);

políticas públicas (5x); comunicação (2x); energia, infraestrutura, esporte (1x cada).

2º – Consciência:

  1. socioambiental para lutar contra os invasores garimpo, barragens, turismo, influência urbana (9x);
  2. étnico-cultural para preservar e defender a identidade cultural e o habitat (6x).

3º – Religião: ausência do pain/padre (4x); falta de catequista (2x); falta de capela,

não ter noção de fé, influência negativa de outras igrejas (1x cada).

4º – Povo: má atuação das lideranças (4x); dependência química (2x).

Faça você, leitor/a a sua interpretação destes dados; a minha leitura é essa:

  1. O povo munduruku é uma nação indígena na Amazônia que (ainda) tem uma forte identidade étnico-cultural; a vida social da aldeia (ainda) está em intacta. Ele vive melhor certos valores do Evangelho (hospitalidade, união, convívio comunitário, partilha de bens etc.) do que a maioria de nossas comunidades cristãs. Os conflitos internos das aldeias são pouco relevantes.
  2. Os mundurukus – como muitas outras etnias – encontram-se numa encruzilhada: ou defender seu habitat, as aldeias situadas na floresta-rio-terra, preservando, assim sua cultura e garantindo a vida das futuras gerações, ou entregar-se ao sistema socioeconômico de cunho capitalista, imitado e implantado em todo o Brasil, que nós “civilizados” (assim eles nos chamam!) impomos a eles. – No momento, os mundurukus – exceto os que se rendem ao dinheiro – têm bastante consciência que precisam lutar pela sua sobrevivência e permanência na região. (Em Roraima, boa parte do povo makuxi vive absorvida na cultura urbana da capital).
  3. Este povo de “cara preta” tem grandes potenciais de ponto de vista cultural, educacional, econômico e religioso; no entanto, nem no passado, nem hoje ele foi respeitado e capacitado para lucrar com seus dons. Pois, tanto para os órgãos públicos como para a Igreja os investimentos aqui custam muito e o retorno esperado é mínimo. Porém, pode-se observar que a diferença é grande no convívio e na organização entre as poucas aldeias que apesar de toda precariedade cultivam e celebram a fé católica (da aldeia-mãe Missão São Francisco nem se fala!), e as outras dezenas que não tem “nada”. Isto vai por conta dos indígenas (que não querem nada), ou da ausência dos frades menores aos quais Deus confiou esta missão há 100 anos?

O povo munduruku e o rio Tapajós estão entre a vida e morte!

Donde vem a salvação? Do PAC e dos projetos de desenvolvimento do Governo? Do capital financeiro do Brasil e do exterior? Jamais, são estes os assassinos! Das ONGs e dos movimentos populares? Duvida-se, pois nem conseguiram impedir a Transposição das águas do Rio São Francisco, a barragem Belo Monte entre outras! Das Igrejas evangélicas? Nem pensar, só querem salvar almas! Da Igreja católica? Seis Irmãs e um diácono franciscano não dão conta! De Deus? Não, porque ninguém diz “eis-me aqui, envia-me”! Dos próprios mundurukus? Sim, irão lutar, mas serão esmagados como todos os outros.

Nós todos estamos entre a vida e a morte (da mãe Terra)!

Frei Johannes Gierse ofm

 

CARTA CONTRA AS BARRAGENS

Senhores!

Nós somos povo Munduruku, estado do Pará.

Não queremos impacto para nossa população munduruku.

Não pode construir a barragem dentro da área e perto da área indígena.

O nosso território tinha floresta, animais, aves, peixes.

Todos os seres vivos vivem normal.

Não queremos terra alagada.

Nós temos direito de brigar com as pessoas destruidoras.

Por que o nosso Deus nos deixa aqui na terra para preservar a floresta, rios, animais, vegetais, aves, peixes etc.

Nunca os índios vão destruir a vida de seres vivos.

Os índios viviam milhões de anos e nasceram aqui no Brasil.

O que os índios fizeram antes da chegada dos brancos, não foi fazer barragens e estradas.

Não queremos viver com o dinheiro.

Dinheiro é vida não.

Nossa vida é só o Senhor Jesus Cristo.

(Professor José Divo Korap, aldeia Jacaré Velho)

 

EcoDebate, 23/05/2013


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