EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

Quem pode ser contra inspeção de veículos? artigo de Washington Novaes

 

poluição veicular

 

[O Estado de S.Paulo] Pode ser otimismo excessivo ou desejo inalcançável, mas a discussão sobre a inspeção veicular que está nas páginas dos jornais (e já chegou à Justiça) pode, em princípio, conduzir a novas posturas e novas práticas que nos levem a mudanças inadiáveis na área do controle da poluição do ar por veículos (e, por extensão, a outras fontes poluidoras, como indústrias, geração e consumo de energia, etc.), além de ganhos importantes na área da saúde.

O prefeito de São Paulo promete novos prazos para a inspeção: obrigatoriedade só após cinco anos da fabricação e a cada dois anos de uso; reavaliar o contrato assinado com a firma encarregada das inspeções de veículos a elas obrigados, assim como abolir a taxa de R$ 44,36 cobrada dos proprietários (e reembolsá-los em R$ 180 milhões) – sob muitos protestos de vereadores e outros. Em quatro anos, a partir de 2008, foram inspecionados 1,7 milhão de veículos, dos quais 50,36% foram reprovados por defeitos em componentes (Estado, 6/10/2012). Mas ainda assim houve redução de 49% nas emissões de monóxido de carbono e 39% nos hidrocarbonetos, segundo a Secretaria do Verde.

Uma das críticas mais fortes aos novos rumos está em que os veículos com até cinco anos de uso respondem por 20% da poluição por monóxido de carbono; e que 50% dos veículos a gás não passariam numa inspeção. Além disso, proprietários que fazem mudanças nos catalisadores dos veículos podem aumentar em até 20 vezes as emissões. Um especialista que trabalhou 20 anos na Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), Alfredo Szwarc, assegura que essas mudanças, assim como em filtros, sensores, bicos injetores, velas e outros, podem potencializar as emissões – daí a importância da aferição periódica. E cita advertência do Banco Mundial de que 10% da frota de veículos responde por mais de 50% das emissões. Assim como a Agência de Proteção Ambiental dos EUA, que considera possível reduzir imediatamente em 30% as emissões. Para atingir objetivos como esses o México, por exemplo, implantou a inspeção semestral.

O tema é antigo, já que as primeiras resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) sobre o tema datam de 1986. E vital, principalmente para a Região Metropolitana de São Paulo, que tem mais de 7milhões de veículos, respondendo pelas maiores emissões. A implantação da inspeção veicular poderia evitar muitos danos, principalmente à saúde, que são calculados em R$ 425 milhões anuais. Um valor que todos os cidadãos pagam – nos impostos, na sua saúde, na implantação e manutenção de estruturas viárias, etc. -, tenham ou não veículo. Um estudo da Universidade Federal de São Paulo já mostrou (Agência Brasil, 6/7/2012) que se o metrô não funcionar durante 24 horas, em São Paulo, a poluição do ar aumenta 75%, uma vez que 90% dela é gerada por veículos e 55% das pessoas se deslocam em transporte coletivo.

Mais complicado ainda, nossos índices para controle da poluição são muito defasados, comparados com os recomendados pela Organização Mundial da Saúde, que limita em 20 microgramas por metro cúbico a concentração de material particulado, enquanto aqui o limite é de 50 microgramas. Numa medição no Ibirapuera, por exemplo, foram encontrados mais de 35 microgramas; em Cerqueira César, 45; em São Caetano do Sul, 35. Nosso novo limite para emissões de enxofre no diesel ainda é muito maior do que em quase todo o mundo. E o próprio Conama quer reduzi-lo a 20% do que é hoje. Não por acaso, o nível de poluição do ar na Grande São Paulo no ano passado foi considerado inadequado em 97 dias, em pelo menos um ponto.

E tudo pode piorar com o aumento da frota de veículos, estimulada até por isenções de impostos. Mas o estímulo a esse setor não é privilégio brasileiro, tanto que este ano mais de 80 milhões de veículos serão acrescidos à frota mundial (Agência Estado, 27/1). Só na China serão mais 19 milhões de veículos (mais que em toda a Europa).

Haja sistemas de saúde. Estatísticas de vários órgãos mostram, por exemplo, que só a melhor qualidade do diesel evita em São Paulo a morte de 584 pessoas e a internação de mais de 1.500, com economia de mais de R$ 100 milhões no sistema de saúde. Poderia ser mais se toda a Região Metropolitana de São Paulo adotasse a inspeção: 1.560 vidas, 4.045 internações, economia de R$ 420 milhões – já que, segundo a Cetesb, veículos respondem por 97% do dióxido de carbono na atmosfera, 77% dos hidrocarbonetos, 40% do material particulado. Mas somente 1 milhão de veículos passaram ali por inspeção nos cinco primeiros anos e 19,2% foram reprovados – sem contar a enorme parcela dos que “emigraram” para outros municípios, de modo a evitar a inspeção.

Não são apenas veículos os geradores de problemas na atmosfera. Estudos da endocrinologista Maria Angela Zaccarelli mostram que a incidência de problemas na tireoide é cinco vezes maior entre os habitantes das proximidades do Polo Petroquímico de Capuava (Estado, 17/9/2012) – localizado na divisa dos municípios de Mauá e Santo André. A agência de notícias France Presse relata (6/2) estudos feitos durante dez anos em cinco continentes, com 3 milhões de casos, segundo os quais é alta a relação entre baixo peso de bebês e poluição ambiental. A poluição do ar foi responsável pela morte de 3,2 milhões de pessoas no mundo em 2010 (65% na Ásia), mais de 300% acima dos números de uma década antes (800 mil). Já é a segunda maior causa de mortes, após o tabagismo e o alcoolismo. A Associação Médica Britânica relaciona também (Popular Science, janeiro de 2013) a redução da expectativa de vida, a obesidade, riscos de acidente como fatores de risco em ascensão nessa área.

Não faltam, portanto, evidências em favor do maior controle das emissões – sem falar na questão das influências no clima, em que a situação levou a diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, a apontar em Davos as mudanças climáticas como a maior ameaça à economia mundial.

* Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br.

Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.

EcoDebate, 18/02/2013


[ O conteúdo do EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, ao Ecodebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta clicar no LINK e preencher o formulário de inscrição. O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.

O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.

Remoção da lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Para cancelar a sua inscrição neste grupo, envie um e-mail para ecodebate@ecodebate.com.br. O seu e-mail será removido e você receberá uma mensagem confirmando a remoção. Observe que a remoção é automática mas não é instantânea.

Alexa

One thought on “Quem pode ser contra inspeção de veículos? artigo de Washington Novaes

  • O grande problema de tudo isso é um dos mais antigos problemas quanto à preservação do meio ambiente.

    Quem tem carro, vê na taxa uma obrigação nova (apesar dela já existir, não faz muito tempo que existe, não é como IPVA, por exemplo. E ainda tem muita gente que reclama do IPVA), uma “forma nova do governo roubar dinheiro da gente” (palavras que já ouvi, de ser da família que portanto eu não podia mandar para aquele lugar). O fato do contrato com a Controlar ter sido questionado na justiça, ainda piora as coisas.

    Quem é prejudicado pela poluição não é obrigatoriamente quem tem carro. Aliás, o prejuízo maior vai para quem não tem grana para comprar carro e nem para pagar plano de saúde top, pois vai ter mais problemas para tratar-se e mais chances de complicação.

    E o dano que a poluição causa não é imediatamente visível, caindo no desvio de cognição humana que faz com que a maior parte das pessoas não acredite em danos crônicos.

    O enfisema, o cancer do pulmão, a asma e seus assemelhados são “vontade de deus”, não o resultado lógico de uma relação causa e efeito conhecida. Quem dirige um carro tunado para poluir mais não se vê como assassino de velhinhos. Apesar de ser. Mas a sua arma é um catalisador a menos, e não um revólver, e para a grande maioria dos seres humanos a relação é impossível de compreender.

    Assim, quando uma pessoa reclama de ter uma taxa a mais para pagar, não vê que a taxa lhe traz benefícios. Não vê que é um preço pequeno diante do mal que seu lindo carrinho causa a sociedade. Acha um abuso do governo sobre o seu privilégio.

    E muitos dos que não tem carro têm uma vontade imensa de ter, e não querem um gasto a mais os distanciando do sonho metálico. E não percebem que se a conta não for paga por quem não tem carro, vai ser paga por eles. Seja em dinheiro, na forma de impostos a mais para garantir o benedito do carro, seja em sangue, na forma de doenças causadas pela exposição à intoxicação crônica.

    É por isso que uma taxa para financiar um programa que faz bem à sociedade (pode ter seu carro, mas ele não pode poluir mais que um limite tolerável pelo resto da cidade) é vista como um absurdo, impopular, odiada.

    Tentei votar contra esse prefeito que quer sacanear com os pulmões de todos os paulistanos, mas não adiantou, pois a idéia dele é popular como explicado. Agora o que resta é torcer para que alguns vereadores heróis impeçam o prefeito de esquartejar muito o programa de melhoria do ar da cidade. Não tenho muita esperança, mas boa sorte.

Fechado para comentários.