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A despolitização do debate ambiental no capitalismo neoliberal

 

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Henri Acselrad, pesquisador da UFRJ, explica como o capitalismo constrói consenso silenciando os conflitos que existem no campo ambiental

Quais as condições políticas que sustentam as desigualdades ambientais entre os países, que se agravaram com o capitalismo neoliberal, a partir do fim do século 20? De que forma o meio ambiente foi incorporado às dinâmicas de competição capitalista por ganhos de produtividade? Essas indagações serviram de mote para a palestra do professor Henri Acselrad, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio De Janeiro (IPPUR/UFRJ), durante o seminário ‘Desigualdade Ambiental e Regulação Capitalista: da acumulação por espoliação ao ambientalismo-espetáculo’, promovido nos dias 31 de maio e 1º de junho.

Acselrad relembrou o hoje célebre – e infame – Memorando Summers, documento de circulação interna do Banco Mundial em que o então economista-chefe da instituição perguntava a seus colegas, às vésperas da Rio 92: por que não incentivar a migração das indústrias mais poluentes para os países menos desenvolvidos? No documento, afirmou Acselrad, Summers argumentava que do ponto de vista da racionalidade econômica, isso faria todo o sentido, uma vez que os mais pobres, em sua maioria, não viveriam o tempo necessário para sofrer os efeitos da poluição ambiental e, como os trabalhadores ganham menos nesses países, as mortes teriam custo mais baixo do que nos países ricos. “Para Summers, a racionalidade econômica justificaria a migração das indústrias poluentes para os países menos desenvolvidos. Faltaria então acrescer as condições políticas para a sua realização. Nós sabemos que isso ocorre de fato, notadamente, após a liberalização das economias”, disse Henri.

Citando David Harvey, Acselrad explicou que essas condições políticas se dão pela reversão competitiva típica do novo capitalismo. “Não é mais o capital que busca vantagens locacionais, mas os locais é que oferecem vantagens competitivas para atrair os investimentos internacionais. Como o fazem? As localidades competem oferecendo vantagens fundiárias, fiscais e regulatórias e flexibilizando leis e normas”, esclareceu.

A “otimização” econômica do planeta, como formulada por Summers, se dá, segundo Acselrad, pela criação de condições para que os Estados nacionais e os poderes locais demonstrem disposição para desregular e desorganizar as sociedades locais de forma com que elas se façam propensas a consentir na realização de atividades poluidoras no seu território. “Um exemplo desse ensaio e erro das condições políticas de recepção são esses cargueiros com lixo químico e hospitalar que vem quicando em diferentes portos da África ou da América Latina na eventualidade de não haver controle para poder descarregar”, apontou Henri.

Segundo ele, a desigualdade ambiental que resulta desses processos econômicos e políticos seria constitutiva da espacialidade do capitalismo liberalizado. “Nesse capitalismo liberal flexível, quem rebaixar mais suas normas ambientais, quem oferecer mais espaços a poluir a degradar, áreas ou populações mais despossuídas a serem contaminadas, terá ganhos competitivos”, afirmou Acselrad, para em seguida complementar: “É por esse conjunto de razões que consideramos que a questão ambiental é eminentemente política. A questão ambiental não diz respeito, como pretende o senso comum despolitizado, à racionalidade mais ou menos ecológica das escolhas técnicas, mas, sim, à disputa entre diferentes formas de apropriação e uso dos recursos ambientais: por um lado fonte de sobrevivência para os povos, por outro, fonte de acumulação para as grandes corporações”.

Entretanto, de acordo com o pesquisador do IPPUR, esse “senso comum despolitizado“ domina o debate público acerca da questão ambiental. Para Acselrad, são vários os dispositivos utilizados por grupos políticos e econômicos dominantes para prevenir a emergência de controvérsias públicas no campo ambiental, que atuam tanto no esvaziamento do debate público quanto na criminalização e intimidação dos atores sociais que procuram trazer à tona esses conflitos.

O primeiro desses dispositivos, segundo Acselrad, é a grande mídia, que depende das receitas de publicidade provenientes de corporações ligadas a atividades que impactam negativamente o meio ambiente. Ele cita um exemplo: “Durante um debate, o [jornalista do Observatório da Imprensa] Alberto Dines ao problematizar o papel da mídia nos conflitos por terra, se indagou se ela não poderia evitar os assassinatos de lideranças na Amazônia, ao que muitos jornalistas responderam que as redações não têm dinheiro para enviar repórteres para o Norte para cobrir os conflitos”, disse Acselrad, para em seguida colocar em xeque esse argumento, citando o caso de um líder de um grupo de pescadores da Baía de Guanabara que luta contra os impactos da Petrobrás sobre a atividade pesqueira. “Essa liderança sobreviveu a seis atentados, ’na porta’ das redações do Rio de Janeiro, e isso só saiu na mídia quando houve o sétimo atentado. Então não é a distância e sim o fato de que que a imprensa depende de fortes interesses associados às atividades poluidoras”.

Outro dispositivo são as técnicas de resolução de eventuais conflitos, que, por tratarem cada caso separadamente, segundo Acselrad, não alimentam uma discussão de conjunto, como por exemplo, sobre as relações entre a construção das grandes barragens, a atividade mineradora e as dinâmicas especulativas nos territórios. A intimidação e a criminalização de pesquisadores e movimentos sociais que procuram dar visibilidade a essas articulações e aos impactos advindos do desenvolvimento constituem outra das armas do grande capital na disputa por hegemonia no campo ambiental, segundo o pesquisador.

“Também é possível identificar o desenvolvimento de uma paraciência etnocêntrica dos impactos, a famosa indústria dos EIA-Rimas , que procura desconsiderar a presença de povos e comunidades tradicionais nos territórios”, observou Henri, que acrescentou ainda o que chamou de estratégias de não-mercado adotadas pelas corporações na gestão dos negócios. “Isso se dá, por exemplo, quando o Estado se retira da garantia de direitos como saúde e educação, e as empresas ocupam esse vazio. Então a grande mineradora que antes deixava só um grande buraco agora deixa também um posto de saúde ou uma escola”, mencionou.
Quando uma controvérsia resulta em alguma regulação por parte do Estado, a reação conservadora age no sentido de pressionar pela flexibilização dessas normas. “O caso do Código Florestal é emblemático. Tudo aquilo que procura dar ao debate ambiental um viés contra a privatização dos espaços comuns é visto como entrave à competição. A retórica da competitividade tudo justifica. O agronegócio se apresenta como salvador da lavoura dizendo: ‘se enchemos o cofre do país com divisas, o povo tudo nos deve e nada nos deve cobrar’”, pontuou.

Por fim, Acselrad também apontou o chamado backlash, que é o esforço permanente do capital para reverter direitos já conquistados. “Nessa dinâmica, as regulações em geral tornam-se uma tapeçaria de Penélope: tudo o que se faz de dia se desfaz de noite”, avaliou o pesquisador, concluindo: “Se a desigualdade ambiental é parte constitutiva desse modo de regulação no capitalismo liberalizado, a manutenção e reprodução dessa desigualdade requer esse conjunto de ações visando naturalizar e obscurecer processos sociais, silenciando ou despolitizando o debate”.

Matéria de André Antunes, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), publicada pelo EcoDebate, 13/06/2012

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