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Resíduo de pescado pode originar produtos com alto valor nutricional

 

Ao contrário da cadeia produtiva bovina, que aproveita 100% de sua matéria-prima, a produção de pescado tem um aproveitamento de cerca de 30% a 50%. As vísceras e a cabeça do peixe, que representam de 50% a 70% restantes, são descartados, sendo que é fundamental aproveitá-los para reduzir o impacto ambiental. De acordo com uma pesquisa realizada pela engenheira agrônoma Lia Ferraz de Arruda Sucasas é possível aproveitar esses resíduos para produção de co-produtos, tais como a farinha de pescado, hidrolisados protéicos, silagem ou o óleo de peixe.

Resíduos podem originar farinha, hidrolisados protéicos, silagem ou óleo de peixe

A silagem é produzida a partir da adição de ácidos que reduzem o pH do material. “Enzimas presentes nas vísceras provocam a quebra das proteínas e devido ao pH adequado ocorre conservação do produto”, afirma a pesquisadora, lembrando que as vísceras e as cabeças possuem alto valor nutricional. O resultado final deste processo é a silagem, que pode ser utilizada como ingrediente na formulação de ração de animais não ruminantes (como peixes, cães e gatos) e de fertilizantes. O ácido cítrico se mostrou mais eficiente para ser utilizado neste processo. “Além de não descartar o resíduo da indústria pesqueira na natureza, diminuindo o impacto ambiental, é possível aumentar a sustentabilidade econômica do setor”, destaca.

“Já a farinha de peixe é obtida pelo cozimento do pescado ou de seus resíduos com vapor, e posterior prensagem e trituração. A farinha de pescado produzida no Brasil é usada em formulações para rações animais (não ruminantes), normalmente peixes e pets”, explica.

Lia Ferraz estudou o tema em sua tese de doutorado Avaliação do resíduo do processamento de pescado para o desenvolvimento de co-produtos visando o incremento da sustentabilidade na cadeia produtiva apresentada no mês de abril no Centro de Energia Nuclear da Agricultura (Cena) da USP, em Piracicaba, sob a orientação da professora Marília Oetterer, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba. Segundo a pesquisadora, a silagem de pescado é um co-produto pesquisado no Brasil desde a década de 1970, mas somente nos últimos tempos é que voltou a ser alvo de interesse devido ao crescente volume de resíduos da cadeia produtiva.

A silagem é produzida a partir da adição de ácidos aos resíduos a fim de reduzir o pH do material

 

“Os resíduos ainda poderiam ser aproveitados na produção de compostos bioativos e alimentos funcionais devido seu alto valor nutricional. A fração de gordura presente nos resíduos também poderia ser usada com biocombustível ou como fonte lipídica e de ácidos graxos poliinsautirados”, aponta a pesquisadora.

Silagem de sardinha
Na pesquisa, a engenheira desenvolveu também um paralelo entre o setor pesqueiro português e o brasileiro. “Em Portugal, o consumo de pescado é de cerca de 30 quilos (kg) por habitante ao ano, bem mais elevado do que no Brasil, em torno de 9,6 kg por habitante ao ano”, conta. Esse alto consumo faz o setor pesqueiro ter uma enorme relevância econômica e social para a sociedade portuguesa. “O número de indústrias que trabalham com pescado é bem alto e as exportações respondem por grande parte do PIB português. No Brasil, é muito menor”, compara a engenheira.

Lia desenvolveu parte do estudo no Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto, em Portugal, tendo como supervisores os professores Paulo Vaz Pires e Rodrigo Ozório. Ela produziu silagem com resíduos do processamento de sardinha provenientes de uma indústria do ramo. A silagem foi usada como ingrediente na produção de ração para sargo (um tipo de peixe do Mediterrâneo). Foram produzidos seis tipo de ração, com três níveis de inclusão de silagem (0%, 10% e 20%).

Tanques usados nos ensaios realizados no aboratório de Engenharia Aquática Universidade do Porto

 

A engenheira constatou que não houve diferença no desenvolvimento dos peixes que receberam a ração com a silagem. “Verificamos que a silagem pode ser usada numa concentração de até 20% na ração sem causar nenhuma alteração para os peixes. Quando adicionada nesta concentração máxima, haverá um barateamento do produto, diminuindo o custo.”

Resíduos de tilápia
No Brasil, Lia pesquisou, durante um ano, resíduos de beneficiamento da tilápia de uma unidade de cultivo do interior de São Paulo. A ideia era classificar esse material de acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). “O resíduo estudado foi classificado como Classe 2 – A. Significa que é um produto não perigoso, porém “não inerte’. Pois, quando fizemos o teste de lixiviação, uma simulação do que aconteceria se esse resíduo fosse levado para o solo por meio de uma chuva, descobrimos níveis de surfactantes e ferro mais altos do que as normas preconizam para um produto não inerte. Esses resultados apontam que esses resíduos devem ser encaminhados para um aterro sanitário construído de modo adequado e não podem ser jogado no lixo comum, pois irá contaminar o solo”, aponta.

“As empresas que seguem corretamente a legislação ambiental realizam o pré-tratamento em sistemas de tratamento de resíduos nas próprias unidades ou os direcionam para empresas terceirizadas e especializadas.. Entretanto, existem aquelas que enterram os resíduos no solo ou jogam em rios de forma clandestina e com riscos ambientais.

Resíduos do processamento de pescado não podem ser jogados no lixo comum, pois podem contaminar o solo

 

Quanto aos custos da produção de silagem, Lia comenta que ainda estão sendo realizados estudos para definição do custo real. “Os equipamentos custam em torno de R$17.000,00 (triturador industrial) e o de controle de pH, cerca de R$1500,00. Com relação aos insumos [solução ácida a ser utilizada para abaixamento do pH], há uma grande variação em função da solução escolhida. O custo médio do litro varia de R$11,23 (ácido muriático) até R$187,53 (ácido propiônico)”, informa a pesquisadora. De acordo com a engenheira, a concentração a ser utilizada é de 3 a 5% de volume da solução acidificante por quilo de resíduo triturado.

Imagens cedidas pela pesquisadora

Mais informações: e-mail liaferraz2000@yahoo.com.br, com Lia Ferraz de Arruda Sucasas

Reportagem de Valéria Dias, da Agência USP de Notícias, publicada pelo EcoDebate, 24/10/2011

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