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O governo federal deve à sociedade brasileira uma satisfação sobre a matriz energética nacional, artigo de Washington Novaes

 

Rumo às energias que nos convêm

[O Estado de S.Paulo] O governo federal deve à sociedade brasileira uma satisfação, que não pode mais ser postergada, sobre a matriz energética nacional. Não se pode continuar avançando em meio a informações contraditórias, que levantam dúvidas quanto à estratégia no setor, conveniência dos rumos tomados, adequação dos investimentos, custos a serem pagos pela sociedade, etc.

O primeiro ponto a esclarecer é sobre a real necessidade de expansão da matriz. O governo e seus órgãos vão continuar fazendo de conta que nunca ouviram falar do estudo da Unicamp (2006), várias vezes citado neste espaço, segundo o qual o País pode viver com 50% da energia que consome (poupando 30% com conservação e eficiência, 10% com redução de perdas em linhas de transmissão – que estão em 17% – e 10% com repotenciação de geradores antigos)? Mesmo que continuem, vão seguir com as informações contraditórias e insuficientes, que inclusive permitem onerar a sociedade com custos discutíveis, para beneficiar alguns setores? Como disse recentemente (Ambiente Energia, 21/8) o diretor do Instituto Nacional de Eficiência Energética, Pietro Erber, uma boa política energética não pode estar voltada apenas para questões do desenvolvimento econômico e obreirismo, precisa estar atenta aos chamados fatores ambientais e sociais, dar preferência a fontes renováveis de energia e de origem local (mais próximas dos usuários, menos caras), computar e cobrar dos geradores os impactos que produzam.

Mas não é o que ocorre. Várias consultorias estão reduzindo suas previsões sobre crescimento econômico no País nos próximos tempos – e isso terá influência no consumo de energia. Estão sendo consideradas? O próprio Operador Nacional do Sistema Elétrico e a Empresa de Pesquisa Energética já preveem, segundo os jornais, que o aumento de consumo de energia este ano não será de 5%, e sim de 3,9% (ONS), ou baixará de 5,4% para 3,8% (EPE). “Estamos nadando em sobras”, diz o diretor-geral do ONS, Hermes Chipp. Então, por que insistir em tantas hidrelétricas na Amazônia, com altos custos sociais e ambientais (incluindo a redução de parques nacionais, decretada por medida provisória)? Por que insistir na usina de Angra-3 e mais quatro no Nordeste? “O planejamento energético no País continua autista”, diz o professor Carlos Vainer, da UFRJ. Mas no mesmo debate o secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia (MME), Altino Ventura Filho, previu “forte tendência de crescimento no Brasil nos próximos anos”, que justificaria as hidrelétricas na Amazônia. “Se adotarmos a energia solar”, disse ele, “o pobre não vai ter energia”. Não é só. O próprio MME teve de intervir para mudar as metas projetadas pela Aneel para as renováveis (eólica, biomassa, pequenas centrais), que haviam sido fixadas (favorecendo fontes não renováveis) em 2.700 MW de potência e tiveram de ser elevadas para 4.300 MW.

Quando se põem todas as cartas na mesa, os números assustam. No ano passado, por exemplo, a conta paga às geradoras de energia a gás (era indispensável?) foi de R$ 670 milhões (Estado, 2/8). Pelo ângulo do cidadão, mais grave ainda, diz a Fiesp que a economia para o consumidor nas contas de luz em 20 anos poderá ser de quase R$ 1 trilhão se não forem renovadas as atuais concessões para fornecimento de energia. Mas um lobby poderoso trabalha pela renovação.

Está ficando difícil, porém, a posição dos adversários das energias renováveis e “limpas”. No último leilão de energia, as fontes eólicas ficaram com 48% do total leiloado (Estado, 19/8), quase 2 mil MW, com preço inferior a R$ 100 por MWh, menor que o das hidrelétricas, a R$ 104,75 (de novo: por que insistir na Amazônia?). Não por acaso, a previsão da Associação Brasileira de Energia Eólica é de que os investimentos nesse setor até 2013 serão de R$ 25 bilhões, em 141 projetos (4.343 MW, tanto quanto Belo Monte). Na verdade, hoje a EPE afirma que potencial eólico já mapeado está em 143 mil MW. Há quem pense que pode chegar a 300 mil.

Não é só por aqui. Na Espanha a eólica já é a maior fonte de energia, com 21% do total. A Noruega começa a instalar usinas flutuantes no mar. A energia solar também avança, até mesmo no Brasil, onde o megaempresário Eike Batista inaugura sua primeira usina em Tauá (CE), com 4.680 painéis. E a Abrava calcula que, se todos os 11,2 milhões de habitantes de São Paulo se banhassem em água aquecida por painéis solares, economizariam R$ 7,3 bilhões anuais e evitariam a emissão de 450 mil toneladas de dióxido de carbono. A projeção que se faz (Ambiente Energia, 14/8) é de que este ano se acrescentarão mais 200 mil metros quadrados de painéis ao quase 1 milhão implantado em 2010.

A tendência parece irreversível. Diz o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da Convenção do Clima, que fontes renováveis suprirão 80% da demanda de energia em 2080, principalmente eólica, solar e das biomassas. Hoje, juntamente com as energias geotérmica e de ondas oceânicas, respondem por 13%. A América Latina já é a segunda região no volume de investimentos em energias renováveis, nas quais o mundo investiu US$ 211 bilhões em 2009. A China é que mais investe (US$ 48,9 bilhões/ano); o Brasil, US$ 7 bilhões. Mas os subsídios às energias fósseis continuam a vencer: US$ 312 bilhões em 2009, ante US$ 57 bilhões para as renováveis. E o carvão segue como principal fonte, 47% do total.

Só que a corrida pelas tecnologias de energias renováveis continua fortíssima: no ano passado, o Escritório Americano de Patentes reconheceu 1.811 patentes de tecnologias energéticas relacionadas com veículos elétricos, células de combustível e aplicações energéticas em biomassas, eólicas, geotérmicas, solares e hídricas (hidrelétricas, ondas e marés).

Precisamos sair com urgência da nossa confusão e jogar pesado nas direções corretas.

Washington Novaes é jornalista.

Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.

EcoDebate, 30/08/2011

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4 thoughts on “O governo federal deve à sociedade brasileira uma satisfação sobre a matriz energética nacional, artigo de Washington Novaes

  • Ufff… Parabéns por essa belíssima exposição, Sr. Washington Novaes. Será que os primeiros escalões de nosso “governo-(sic) federal” não conhecem as informações de fontes variadas e confiáveis que o articulista cita, exaustivamente. Está na cara que seja na renovação das concessões exploratórias, seja no uso post-mortem do ciclo de atualidade útil de engenhocas do passado (Barragens, geradores, fábricas, montadoras, “investidores” do nosso dinheiro via BNDES, FGTS, etc., é o que se está fazendo. No “Ponto de Mutação” a engenharia de fontes de produção e conversão de energias para tipos realmente limpos, sem degradações ambientais, sem impactos sociais negativos, etc. é que estão trabalhando em prorrogação de turno para “faturar” pesadíssima conta no “lombo” do povo brasileiro.

    Dá para tolerar que o povo erre nas escolhas de gestores que são eleitos pelo voto popular, facilmente “conquistado” mas que esses eleitos não saibam escolher gestores competentes e patriotas para os diversos segmentos, principalmente esse das “energias”, aí não… não dá não!

    Abaixo a desídia no cumprimento do dever. Fora com os incompetentes. Não acham? Prossiga sua luta, Novaes.

  • A resposta para não se levar em conta o estudo da UNICAMP é elementar: eficiência energética e produtividade não pagam comissão !

  • Obtive uma informação dando conta que a grande maioria das 1811 patentes citadas no artigo acabaram sendo adquiridas pelas grandes petroleiras, Petrobras inclusive. Gostaria de checar essa informação e sugerir uma matéria investigativa com este tema.

  • MARCELO DE OLIVEIRA FONSECA

    PARABÉNS PELO ARTIGO. FALA A VERDADE NUA E CRUA.

    AGORA O QUE MAIS ME ESPANTA, É A FALTA DE INSTRUMENTO DE ANÁLISES/AVALIAÇÕES AMBIENTAIS ACERCA DAS AÇÕES DE PLANEJAMENTO (TRAPALHADAS) DO GOVERNO FEDERAL NA CRIAÇÃO DA POLITICA DE LONGO PRAZO NA ÁREA DE ENERGIA. CADÊ OS EIA/RIMAS SOBRE CADA ALTERNATIVA DE POLÍTICA LEVANTADA E SEUS IMPACTOS AVALIADOS A LONGO PRAZO? COMO TRABALHADOR NA ÁREA AMBIENTAL DE UMA GRANDE EMPRESA DE ENERGIA POSSO AFIRMAR QUE QUE QUALQUER NOVA ATIVIDADE/PROJETO SÓ É IMPLANTADO APÓS LICENCIAR TUDO TIM-TIM-POR-TIM-TIM. E O ESTADO BRASILEIRO ? PODE PROPOR O QUE QUISER !!! O MONSTRO QUE QUISER !!! E QUEM AVALIA O RESULTADO DE SEU PLANEJAMENTO DE SUA POLÍTICA ENERGÉTICA ? NINGUÊM !!!! O MME ALTERA A SEU BEL-PRAZER O TEOR DE ALCOOL NA GASOLINA SEM OLHAR QUAL A CONSEQUÊNCIA PARA O MEIO AMBIENTE ? POR ACASO O MME OBTEVE LP, LI E LO PARA REFORMULAR A GASOLINA ? POR QUÊ O MMA, O CONAMA E O IBAMA E O MPF NÃO ENTRARAM DE SOLA NESTAS MUDANÇAS DE FORMULAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS DE TAMANHO IMPACTO AMBIENTAL SEM QUALQUER AVALIAÇÃO DE IMPACTO ???; E O PLANO NACIONAL DE ENERGIA, NÃO TEM QUALQUER AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL E SÓ PRIVILEGIA AS GRANDES EMPREITEIRAS, QUEM APROVOU O PLANO ENERGÉTICO ? O MMA ? O IBAMA ? TÁ NA HORA DO PAÍS ACORDAR E COBRAR DO ESTADO A SUA RESPONSABILIDADE AMBIENTAL SOBRE OS SEUS PLANO DE LONGO PRAZO E SUBMETÉ-LOS A AVALIAÇÃO AMBIENTAL ???
    ACORDA BRASIL !!!!!

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