EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

As florestas e os deslizamentos de encostas, artigo de de Osvaldo Ferreira Valente

[EcoDebate] Os desastres originados de fenômenos naturais, como os que acabam de acontecer na Região Serrana do Rio de Janeiro, despertam a solidariedade de todos os brasileiros e de pessoas do mundo inteiro. Muitas coisas são ditas a respeito, muitas entrevistas são divulgadas pelas redes de televisão e pelos jornais e revistas. Muitos conselhos e indicações de procedimentos para soluções dos problemas. Também muitas bobagens, como artigos que aproveitam para dizer que as reformas do Código Florestal vão agravar os problemas, que as encostas escorregam porque não estão cobertas por florestas e outras tolices mais.

Vi, num programa de televisão, logo depois da tragédia na Região Serrana, uma apresentadora dizer que a sua área de trabalho estava protegida dos riscos de deslizamentos da encosta logo atrás, pois a área estava coberta de floresta e sem nenhuma intervenção humana. Não é bem assim, ela estava desconhecendo os fenômenos naturais que fazem as superfícies da Terra, principalmente as mais inclinadas, estarem sempre procurando novos pontos de equilíbrio.

As serras são muito rochosas. Ao longo do tempo, e em algumas encostas, foram sendo formadas camadas de solos sobre lajedos e, sobre essas camadas, foram surgindo vegetações diversas até chegar à formação florestal. Os solos são rasos, portanto, e com a sequência de chuvas na região de Teresópolis, Petrópolis e Nova Friburgo, ao longo de todo o dezembro de 2010 e o princípio de janeiro de 2011, estavam encharcados, bem próximos da saturação. Por isso, as chuvas intensas da madrugada do dia 12 (também fenômeno natural) saturaram camadas de solos sobre lajedos das áreas com fortes declives, mas cobertas com florestas, dando a falsa impressão de estarem absolutamente protegidas. Ali foram formados escoamentos que chamamos de sub-superficiais, ou seja, verdadeiras enxurradas ocultas, correndo abaixo das superfícies, desestabilizando as camadas de solo e provocando os escorregamentos (as Fotos 1e 2 ilustram um pouco o que aconteceu).

A terra transportada, levando árvores inteiras arrancadas, ao encontrar obstáculos como as casas construídas nos vales logo abaixo, devem ter formado pequenas represas momentâneas, acumulando volumes razoáveis de água. Como eram momentâneas, elas passaram a se romper quase ao mesmo tempo, formando grandes massas de água e lama que foram se unindo enquanto desciam e levando tudo que encontravam pela frente. A partir daí, os fenômenos naturais se juntaram às ações humanas e os desastres foram inevitáveis. Os vales são estreitos e as casas se concentravam em suas partes mais baixas, agravando tudo ( a Foto 3 mostra o vale rodeado de encostas florestadas, mas com pontos de escorregamento).

Como já deve ter ficado claro para o leitor, as florestas que ocupam encostas, com as características descritas, não são capazes de evitar os deslizamentos. Acabam indo junto e colaborando para agravar os problemas nos vales abaixo. Troncos, galhos e folhas ajudam na formação de diques provisórios e que se rompem logo a seguir, levando grandes volumes de lama e com poder de destruição aumentado. Já vimos coisas semelhantes em Santa Catarina e em Angra dos Reis, em anos passados. Massas florestais inteiras, deslizadas e ocupando os vales. Nós temos a mania de acreditar que as pobres árvores podem resolver todos os nossos problemas. Se elas pudessem falar, certamente reclamariam de muitos encargos que elas não podem suportar. Por isso, não aconselharia a apresentadora a se sentir protegida, por perceber, apenas superficialmente, que a encosta das proximidades está segura.

Perguntaria o leitor: o que fazer, se o fenômeno é natural? Os geólogos Edézio Teixeira de Carvalho e Álvaro Rodrigues dos Santos, ótimos especialistas no assunto, têm insistido, em artigos e entrevistas, na feitura urgente de cartas geotécnicas de cidades que ocupam encostas. Com base em tais cartas, planos diretores definiriam as áreas de risco e ordenariam as ocupações, prevendo, inclusive, a retirada de moradias nelas já existentes. O Governo Federal, através do Ministério das Cidades, poderia financiar a feitura das cartas e treinar pessoal para usá-las na composição dos planos diretores. Posteriormente, criar programas de financiamentos para que os municípios possam desocupar áreas de riscos já habitadas.

A prevenção será sempre mais barata do que a reconstrução, além de preservar o bem mais precioso que existe – a vida. Que as expressões de pânico e tristeza, mostradas nas telas de nossas televisões, sejam inspiradoras das muitas reuniões que estão sendo feitas por autoridades, para que planejem ações técnicas e não fiquem apenas nas lamentações e na identificação de culpados, e sempre em administrações passadas, obviamente.

Foto 1
Foto 1 (www.prtaluz.com.br)

Foto 2
Foto 2 (O Globo)

Foto 3
Foto 3 (nicholasgimenes.blogspot. com)

Osvaldo Ferreira Valente é engenheiro florestal, especialista em hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas e professor titular, aposentado, da Universidade Federal de Viçosa (UFV); colaborador e articulista do EcoDebate ovalente{at}tdnet.com.br

EcoDebate, 18/01/2011

Compartilhar

[ O conteúdo do EcoDebate é “Copyleft”, podendo ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, ao Ecodebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta clicar no LINK e preencher o formulário de inscrição. O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.

O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.

2 thoughts on “As florestas e os deslizamentos de encostas, artigo de de Osvaldo Ferreira Valente

  • Larissa de Souza Pereira

    As florestas brasileiras estão sob solos que se formam constantemente. De formação geológica antiga, o relevo das florestas de montanhas do Brasil favorece a presença de clareiras – brechas na floresta sem árvores de grande porte, contribuindo na paisagem da floresta em mosaicos – vários tipos de espécies e formas vegetais compondo pequenas “ilhas” de biodiversidade para milhares de vidas. Um dos motivos do processo de formação de clareiras é o solo raso com caráter ácido. A Mata Atlântica, palco principal das tragédias a pouco ocorridas, abriga próximo de 70% da população brasileira e possui esse tipo de solo. São solos originados de sedimentos (poeira mineral e outros particulados), trazidos pelos ventos e águas que durante muito tempo se depositaram sob as rochas formando camadas superficiais de “terra”. São solos com muita matéria orgânica, como folhas e galhos, que se decompõe rápido com muito calor e umidade. Os nutrientes de origem biológica se concentram nas camadas superiores caracterizando a acidez desse solo. Esses mecanismos fazem parte da dinâmica de formação do solo, chamada de pedogênese e, de erosão e remoção, como os deslizamentos, que são associados à certa condição de clima e de organismos que interagem no ambiente. As raízes das árvores sobre esses solos não são profundas, pois absorvem os nutrientes necessários para a manutenção da vida da floresta nessas partes superiores, assim não penetram para horizontes inferiores dos solo. O processo de formação de clareiras pode ser um dos fatores que mantém a grande riqueza das florestas tropicais que se torna mais evidente nas montanhas. A formação de clareiras nas áreas de montanhas é intensa, devido aos relevos íngremes e irregulares. Há uma estreita ligação entre as raízes das árvores, o solo e os declives das montanhas, estas mais íngremes na maioria das encostas, que contribuem para a exuberância da floresta. Assim são áreas de risco para qualquer ocupação humana, pois os deslizamentos acontecerão de qualquer forma. A retirada da cobertura florestal em qualquer parte dessas áreas acentuaria os processos citados. A modificação do código florestal, se aprovada, irá concretizar a presença humana nessas áreas de risco, pois a lei subsidiará as ocupações. Estou iniciando meus estudos nas florestas de montanhas do sudeste brasileiro e creio que as pesquisas devem ser tomadas com mais seriedade. A sociedade precisa ter a pesquisa como ferramenta de desenvolvimento, e nesse caso, os estudos sobre as expansões urbanas em áreas de risco já existem, inclusive no Rio de Janeiro. Eu acredito que a ponte de ligação entre a ciência e a sociedade sejam os tomadores de decisões. A população deve ter acesso aos estudos desenvolvidos pelas universidades e centros de pesquisa. Os tomadores de decisões são os responsáveis pela execução das conclusões tomadas pela sociedade, são políticos, empresários, cientistas e líderes comunitários. Mas saliento que algumas dessas decisões são feitas por pequena parcela da sociedade que domina, devido ao poderio monetário e de influências. Exemplifico citando as empresas imobiliárias no meio econômico e a bancada ruralista no meio político, que desejam expandir sobre áreas com recursos naturais ainda em exuberância, paraísos naturais como as áreas litorâneas de encostas e/ou os recantos serranos e as beiras dos cursos d`água. Têm-se culpados e podemos nos colocar como os principais, pois escolhemos quem nos representa. Queria poder acreditar que incidentes como esses façam as pessoas refletirem sobre quais direitos e deveres são fundamentais para evitar tragédias assim. Queria poder acreditar que a cidadania tenha o mesmo peso da solidariedade e que a responsabilidade de exercer a cidadania também é de todos, dos políticos, dos empresários, dos meios de comunicação e da ciência. Queria poder acreditar que iremos dialogar e trocar experiências para melhor sobrevivermos em épocas de mudanças climáticas.

  • Osvaldo Ferreira Valente

    Prezada Larissa: Obrigado pelo comentário que veio enriquecer o meu artigo. Quero deixar claro que não sou contra a presença de florestas em todos os lugares onde isso for viável social e economicamente. Como engenheiro florestal, inclusive, eu tenho consciência da importância da floresta para a conservação ambiental. Só fico preocupado quando vejo entrevista em que as pessoas debitam o desastre ao desmatamento das encostas, o que no caso não é verdade. Se as árvores pudessem falar, elas certamente reclamariam de obrigações que lhes são imputadas e das quais elas não podem dar conta. Quanto ao Código Florestal, só acho que ele não pode ter a mesma regra para o país inteiro. Deveria ter regras básicas para cada bioma, pelo menos. Já sugeri isso quando fiz parte de um grupo informal de assessoramento de comissão da SBPC, para tratar do assunto, mas sinto que há muito medo de mudanças no nosso meio, ligado aos assuntos ambientais. Eu defendo um pouco mais de arrojo dos grupos ambientalistas. Eles ficam muito presos a dogmas e acabam até dificultando a aplicação de conhecimentos científicos novos.
    Estou salvando seu comentário em meus arquivos e certamente ele me será útil em meus trabalhos. Se possível, você poderia me falar um pouco mais de algum trabalho já feito.

Fechado para comentários.