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Notícia

Por uma ecologia profunda e revolucionária, entrevista com Bianca Kölling Turano

Para a advogada e ativista pelos direitos animais humanos e não humanos Bianca Turano, “o consumo de carne é o maior responsável pelo desmatamento e pelas queimadas em vastas áreas de floresta, além do enorme consumo de água doce, poluição de rios e lençóis freáticos, gastos de energia, produção de metano, e da latente desertificação dos oceanos, devido à captura dos animais aquáticos”. Bianca explica, na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, que “quando ocorre em um indivíduo uma mudança paradigmática e este resolve adotar uma dieta vegetariana, ou seja, passa a consumir produtos sem quaisquer ingredientes de origem animal, tais como carnes, leite, ovos, mel e seus subprodutos, ele passa a respeitar os animais e, também, a ideia de meio ambiente enquanto um organismo dotado de valor intrínseco e não como um bem, a ser utilizado tão somente pelos seres humanos”. Na visão de Bianca, “uma nova economia estimulará a recuperação de produtos desperdiçados, no transporte ecológico e gratuito, nas redes de trocas solidárias, no freeganismo, na reciclagem, dentre outros aspectos de suma importância”.
Bianca Kölling Turano é graduada em Ciências Jurídicas na Universidade Estácio de Sá – Unesa e pós-graduanda em Direito Ambiental pelo Instituto Superior do Ministério Público – AMPERJ. Trabalha como Colaboradora do Instituto Ipanema – Instituto em Pesquisas Avançadas em Economia e Meio Ambiente. Ativista pelos direitos animais humanos e não humanos, Bianca coordena o Grupo Rio da Sociedade Vegetariana Brasileira, bem como o seu Departamento Nacional de Ativismo. Atualmente enfrenta duas ações judiciais, sendo a responsável pela primeira sentença nacional favorável ao ativismo pelos direitos animais.
Bianca Kölling Turano é coordenadora do Grupo-Rio da Sociedade Vegetariana Brasileira e coordenadora do Departamento Nacional de Ativismo da Sociedade Vegetariana Brasileira (www.svb.org.br).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais os desafios que a questão do vegetarianismo impõe ao direito ambiental?


Bianca Turano –
A concepção de direito ambiental pela doutrina majoritária mundial, baseada numa visão antropocêntrica de modelo capitalista, pressupõe a natureza enquanto um bem instrumental a serviço do ser humano. Entretanto, esta civilização parece ter percebido os enormes estragos causados por esta visão egoísta e sem limites da natureza e, para tanto, vem adotando práticas de bem-estar, preconizando um uso sustentável e adequado para o uso desses ditos bens ambientais que, na Constituição Federal de 1988, mereceu status de direitos fundamentais, através do seu artigo 225. Penso que, quando ocorre em um indivíduo uma mudança paradigmática e este resolve adotar uma dieta vegetariana, ou seja, passa a consumir produtos sem quaisquer ingredientes de origem animal, tais como carnes, leite, ovos, mel e seus subprodutos, ele passa a respeitar os animais e, também, a ideia de meio ambiente enquanto um organismo dotado de valor intrínseco e não como um bem a ser utilizado tão somente pelos seres humanos. Esta concepção também se estende aos animais não humanos, vez que o vegetarianismo é uma dieta alimentar que pressupõe o respeito a todos os animais (humanos e não humanos) e ao próprio planeta Terra. Isto sem falar nas implicações ambientais, hodiernamente propagadas pelos organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação – FAO, a respeito dos impactos da criação de animais para o meio ambiente. O consumo de carne é o maior responsável pelo desmatamento e pelas queimadas em vastas áreas de floresta (digo, aí, a atividade pecuária em si e as plantações de soja que virarão alimento para esses animais), além do enorme consumo de água doce, poluição de rios e lençóis freáticos, gastos de energia, produção de metano, além da latente desertificação dos oceanos, devido à captura dos animais aquáticos. Também lembro aqui o assassinato, em massa, de centenas de milhares de criaturas sencientes que levam uma vida de intenso e contínuo sofrimento em matadouros, granjas, viveiros, tanques, etc. A esperança é que tudo isto é completamente desnecessário e pode ser interrompido, assim que alguém decide optar por uma dieta vegetariana. Uma dieta gostosa, simples, saudável, ética, ecológica e muito econômica. Outrossim, vivemos, atualmente, a etapa do neoconstitucionalismo, uma época em que os princípios constitucionais vêm ganhando grande importância em detrimento do positivismo normativo. Assim, o direito ambiental merece ser interpretado de acordo com valores biocêntricos, de respeito para com a natureza, percebendo-a e defendendo-a como parte de nós e nós como parte dela e não ela como um bem para o uso exclusivo da raça humana. Daí a importância do crescimento do estudo acerca dos direitos animais, bem como da ecologia profunda ou revolucionária.

IHU On-Line – Como o vegetarianismo se coloca em relação ao binômio economia e meio ambiente?


Bianca Turano –
O vegetarianismo é (e pretende vir a ser) a dieta alimentar do vegano, ou seja, daquele que acredita que animais não humanos também sejam sujeitos de direitos fundamentais, tais como vida, dignidade e liberdade, e que tais direitos merecem ser respeitados, assim como aqueles garantidos aos humanos (embora estes estejam longe de serem devidamente respeitados). Particularmente, penso que, a partir do momento em que as pessoas passem a repudiar o especismo, bem como o racismo, o sexismo, a homofobia, a xenofobia e outras formas de preconceitos igualmente odiosas, um novo modelo de vida humana na Terra se iniciará. E este será muito diferente do atual, que tem em sua base o capital, a exploração de humanos e não humanos, da natureza, dos territórios, o industrialismo, o progressismo e a domesticação de animais e plantas. É claro que os modelos econômicos atuais não mais servirão para uma sociedade baseada na autogerência, no reequilíbrio da quantidade de humanos, no anticonsumismo, no respeito a todas as espécies e na plenitude de uma vida livre, sem hierarquias. Assim, uma nova economia – digamos assim – estimulará a recuperação de produtos desperdiçados, no transporte ecológico e gratuito, nas redes de trocas solidárias, no freeganismo, na reciclagem, dentre outros aspectos de suma importância. Faz-se necessário que discutamos este assunto para que o discurso seja realmente praticável e não termine em uma folha de papel ou em uma tela de computador. É sempre hora de tentar.

IHU On-Line – Quais as principais demandas hoje na área dos direitos animais humanos e não humanos?


Bianca Turano –
O veganismo carece, hoje, de uma maior divulgação por parte da mídia. Mas com uma divulgação honesta, que realmente leve à população as informações claras e condizentes com o respeito aos animais. O veganismo carece de maior número de decisões judiciais favoráveis e, para isto, é necessário que as pessoas se utilizem do Judiciário na defesa daqueles que não podem pleitear pela sua vida e dignidade. O veganismo carece de maior participação na vida política, na vida acadêmica, de união com outros movimentos que também acreditem na igualdade e na liberdade. Para tanto, é preciso que se discutam os pilares desta civilização. É preciso que entendamos o contexto, com uma visão sistêmica, holística da coisa, para que não excluamos ninguém desse processo, que é emergencial, premente e inevitável para a continuação da vida e pela realização dos anseios de paz, tão longamente clamados pela humanidade.

IHU On-Line – Em que consiste o trabalho do Grupo Rio da Sociedade Vegetariana Brasileira?


Bianca Turano –
A SVB-RIO é um grupo de conscientização, que vem atuando em conjunto com outros grupos de todo o Brasil e, também, com ativistas independentes. Já que não temos uma sede, resolvi dedicar meu tempo com a manutenção de uma barraquinha, que fica aberta todos os sábados na Feira Orgânica e Cultural da Glória (rua do Russel, em frente ao n. 300, na Glória), das 9h30min às 14h. Ali, vendemos materiais diversos, tais como blusas, adesivos, bótons, livros de receita, doutrina, produtos de higiene que não testam em animais, além de distribuirmos panfletos, recolhermos abaixo-assinados e conversarmos com as pessoas acerca do veganismo. A barraquinha, que existe desde 2006, com a continuidade, acabou por virar um ponto de encontro de ativistas que lá se reúnem para conversar, para as reuniões, para fazer faixas para protestos, para piqueniques, como também feitura de festas e bazares beneficentes. Com o dinheiro, investimos em mais materiais e juntamos uma graninha para bancar o material do ativismo. A SVB-RIO também atua em protestos, distribuição de comidas vegetarianas gratuitas nas vias públicas, panfletagens, manifestações, campanhas (Natal, Dia das Mães, Dia Internacional dos Direitos Animais – DIDA, Meatless Day etc.), ações judiciais e em auxílio àqueles que desejam aderir ao vegetarianismo-veganismo.

IHU On-Line – Que relação pode ser estabelecida entre o vegetarianismo e o direito dos animais?


Bianca Turano –
O vegetarianismo, por ser uma dieta alimentar que pressupõe a não utilização de produtos animais na alimentação, acaba por não compactuar com a escravidão dos animais utilizados para alimentação humana. Conheço pessoas que dizem amar animais, mas que, na hora da refeição, não dispensam um peixinho ou uma porção de queijo. A intenção pode ser das melhores, mas estas pessoas só passarão a respeitar os animais, de fato, a partir do momento em que elas lhes garantirem direitos, que é de não serem usados, de não serem explorados.

IHU On-Line – Você pode explicar brevemente o objeto das duas ações judiciais que atualmente você enfrenta, e como foi a primeira sentença nacional favorável ao ativismo pelos direitos animais em que você esteve à frente?


Bianca Turano –
O “Caso Shakira”, como ficou conhecido, foi uma grande surpresa para mim, pois sempre estive envolvida com os animais geralmente destinados à alimentação, entretenimento e pesquisas científicas. Mas fui testemunha ocular de um caso em que uma boxer ficava dia e noite presa em uma sacadinha de 12m2. Como tenho formação jurídica, decidi fazer exatamente o que a faculdade e o bom senso me ensinaram: enviei uma cartinha ao proprietário do imóvel dizendo que a cachorrinha estava muito depressiva, me comprometendo a passear com ela se ele não pudesse e tal. Entretanto, o proprietário do imóvel jamais me respondeu. Fui, então, ao Ministério Público – vez que a tutela dos animais é de sua responsabilidade – e formulei uma representação. Infelizmente, ela foi parar no Juizado Especial Criminal – Jecrim e a promotora em questão não prosseguiu com a ação. Ela chegou a me perguntar se eu tinha carro e se queria que me tirassem o carro por eu não tratá-lo bem, comparando o carro à cachorra. Daí, saí de lá junto com a minha vizinha, também testemunha, muito desesperançosa. Foi marcada uma manifestação na rua em frente ao imóvel onde se encontra ainda a Shakira e a minha vizinha acabou entrando na Justiça, pedindo a guarda do animal que, em sede liminar, foi concedida. Shakira foi, então, conduzida à casa de minha vizinha. Daí, a liminar foi cassada, o processo foi extinto e a cadela teve que voltar para a sacadinha. Foi então que a proprietária do imóvel, bem como o seu advogado, resolveram me processar, requerendo danos morais por eu ter tornado público o caso da cachorra e, claro, alegando que tudo o que eu havia dito a respeito das suas condições não eram verdade. Daí, houve um movimento mundial de apoio à minha situação. Recebi cartas de Portugal, da Nova Zelândia, mensagens de apoio de pessoas maravilhosas e solidárias e agradeço muito por todos os ativistas e pessoas que me estenderam a mão naquele momento. Felizmente, obtive ganho em todas as ações. Entretanto, as mesmas não terminaram, pois estão em fase recursal.

IHU On-Line – Qual a particularidade do vegetarianismo em relação ao ativismo judicial?


Bianca Turano –
O ativismo judicial, neste caso, nada tem a ver com aquele em que há o controle constitucional por parte dos juízes. Ativismo judicial dentro do ativismo pelos direitos animais é na capacitação do ativista para que ele saiba exatamente como colher meios de prova, quando ciente de um ato de abuso e/ou maus-tratos em face de um animal. E que esses meios de prova sejam levados ao Ministério Público, sejam levados ao Judiciário para que obtenhamos sucesso em nossos pleitos.

(Ecodebate, 29/11/2010) Entrevista realizada por Graziela Wolfart e publicada pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

 

Nota da Redação: sobre o tema “Ecologia Produnda” sugerimos que leia, também:

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A Enciclica Laudato Si’, O Papa Na Onu E A Ecologia Profunda

Walden: Mito Da Natureza Intocada Ou Ecologia Profunda?

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Gestão Ambiental Indígena No Acre: Paralelos Com A ‘Ética Do Bem Viver’ E A ‘Ecologia Profunda’ (Parte 1)

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