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Código Florestal: considerações científicas

Pesquisa da Esalq afirma que regionalização seria melhor forma de proteger matas, mas descarta necessidade de desmate para ampliar produção agrícola

Um argumento bastante usado pelos ruralistas e parlamentares favoráveis a mudanças do Código Florestal Brasileiro (CF) é a falta de embasamento científico e técnico na lei federal em relação ao uso e manutenção de áreas de preservação permanente (APP) e reservas legais (RL).

Dessa forma, lançaram mão de estudos para justificar mudanças na lei federal, um deles está sendo coordenado por Gerd Sparovek, professor da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiros” (Esalq/USP), que lidera pesquisas em relação ao uso e recuperação de áreas degradadas pela agropecuária. O trabalho não terminou, mas algumas conclusões já foram publicadas pelo grupo formado também pelo aluno de doutorado da Esalq/USP Alberto Barretto, do consultor Israel Klug, e do professor da Universidade de Chalmers (Suécia), Göran Berndes.

Os pesquisadores afirmam que não há como criar uma regra nacional que se adapte a todas as situações ambientais e características de cada território do país e, ainda, que a regionalização poderia atender com maior eficiência a proteção dos biomas sem prejuízo da produtividade agropecuária. Esses são pontos que os ruralistas utilizaram para justificar a reforma no CF.

Mas, em contrapartida, os estudiosos enfatizam que não há necessidade do código florestal ser revisado: “a agricultura pode se desenvolver pela expansão territorial sobre áreas de elevada aptidão agrícola que atualmente são ocupadas com pecuária extensiva. A pecuária, que ocupa parte das terras destinadas à produção agropecuária, pode se desenvolver pela intensificação e ganho da produtividade”, dizem. Reportagem de Lilian Milena, no Brasilianas.org.


Em entrevista, realizada por e-mail, Gerd Sparovek diz que o caminho da regionalização da lei federal não deve ser a permissão para os estados determinarem suas próprias regras. Isso poderia resultar “num processo de ‘guerra ambiental’ entre estados que irão querer atrair investimentos do agronegócio flexibilizando demais o CF [Código Florestal] para atrair estes investimentos”, considera.

Por outro lado, deve haver considerações especificas, por região, conforme a cultura a ser produzida. A exemplo de espécies de plantas que se desenvolvem bem em APP, como é o caso do café, da banana e arroz. Outro exemplo, citado por Sparovek, são as lavouras de vazante da região semi-árida do Nordeste. O professor ressalta que essas considerações devem ser equilibradas e não servir para anistiar situações fora daquelas em que realmente se apliquem.

Para conciliar a legalidade da produção à conservação dos biomas os pesquisadores sugerem:

a) Melhorar a eficiência da aplicação do Código Florestal;

b) Resolver o problema dos passivos ambientais já existentes e com isso viabilizar sua aplicabilidade. Os autores do estudo estimam que o custo para recuperar todo o déficit de APP e RL, ou restabelecer a vegetação natural a partir do plantio, equivale a duas vezes o Produto Interno Bruto (PIB) anual de todo o setor agropecuário, sem considerar a perda da produção nas áreas convertidas para vegetação.

c) Por último, garantir que o Código Florestal seja cumprido. Um mecanismo teria que ser criado para desencadear o cumprimento da lei federal, uma vez que, mesmo tendo um Código Florestal vigente, 104 milhões de hectares de vegetação nativa não são protegidos no Brasil.

Dentre as alternativas para aumentar a eficiência do CF, sugerem que APP preservadas e recuperadas só sejam contabilizadas no cálculo das RL quando ocorre o déficit de ambas. “Neste caso pode estimular as ações de recuperação das APP e assim contribuir para a preservação dos recursos hídricos”. Se essa regra for aplicada em áreas onde APP e RL ainda estão preservadas, poderá incentivar ainda mais o desmatamento.

Área de produção x vegetação nativa

Outra crítica dos ruralistas é que se a lei federal de conservação de todas as áreas fosse cumprida integralmente e somando as Unidades de Conservação e Terras Indígenas já estabelecidas e conservadas, as áreas preservadas cobririam cerca de 71% do território brasileiro, restando apenas 29% para todas as atividades humanas (áreas urbanas e produção agropecuária).

Atualmente, com toda a produção de alimentos, e somando as áreas urbanas, o país mantém 53% da área de cobertura florestal nativa. Logo, não estaria de bom tamanho manter a proporção de terras cobertas e alterar os mecanismos de lei que mantém hoje quase 90% dos produtores na ilegalidade?

Stapovek responde que não. O pesquisador explica que a proporção 29% provavelmente foi consultada num relatório da Embrapa Monitoramento por Satélite. “Caso você dê uma olhada com mais detalhe neste relatório, na sua parte de métodos, irá perceber que os próprios autores indicam incertezas na definição de vários parâmetros que utilizam. Há outros estudos que indicam que há erros nesta estimativa”, e completa: “Olhar números agregados do Brasil engana muito. A distribuição das áreas preservadas, a ocupação agrícola e onde precisamos de água e preservar biodiversidade ameaçada não coincidem espacialmente”.

A agricultura ocupa uma área total de 67 milhões de hectares. Os pesquisadores concordam que o setor já possui um elevado grau de produtividade, sobretudo na cultura de grãos. Ou seja, se for preciso aumentar a oferta de alimentos, o país terá que crescer em área de produção. O estoque de novas terras poderá acontecer pela abertura de novas terras sobre a vegetação natural, ou utilização de terras já exploradas pela agropecuária.

No relatório, os pesquisadores destacam que o estoque de terras consideradas de elevada aptidão agrícola ainda cobertas por vegetação é de apenas 7 milhões de hectares, enquanto que as terras de elevada e média aptidão para agricultura já exploradas e utilizadas pela pecuária é de 29 milhões de hectares e 32 milhões de hectares, respectivamente. Ou seja, existe um estoque de 61 milhões a serem explorados pela agricultura, podendo quase dobrar o tamanho de área dessa atividade.

A pecuária utiliza uma área de 211 milhões de hectares, com uma característica de baixíssima produtividade: 1,1 cabeça por hectare. Segundo os pesquisadores, já existem tecnologias para melhorar e intensificar a criação do gado mas, simplesmente, elas não são aplicadas: manejo mais intensivo da pastagens através da correção do solo e sua adubação, estocagem de forragens para evitar a sazonalidade da produtividade dos pastos, são alguns exemplos.

“A complexidade [de melhorar a produtividade da pecuária brasileira] está em intensificar um setor enorme e tradicional, num cenário pouco favorável em relação à legislação. Ou seja, um Código Florestal que ainda permite 104 milhões de hectares de desmatamento legalizado e que tradicionalmente vem acompanhando um longo histórico de desmatamento ilegal”, reforçam.

Dos 278 milhões de hectares ocupados pelo setor agropecuário no Brasil, cerca de 83 milhões estão em situação de não conformidade com o Código Florestal e teriam que ser recuperados – os processos de uso e exploração do solo acabaram deteriorando as qualidades produtivas dessas áreas.

A área total do Brasil é de 850 milhões de hectares, sendo que 537 milhões são áreas que preservam boa parte da vegetação natural (floresta, caatinga, pampa, por exemplo). Dos 537 milhões de hectares, considerados de vegetação natural, 170 milhões de hectares estão em Unidades de Conservação e Terras Indígenas. O restante, 367 milhões de hectares, em sua maior parte, estão em áreas privadas, nas quais se aplica o Código Florestal.

Do total de 103 milhões de hectares de APP, 59 milhões permanecem com vegetação natural, tendo um déficit de 44 milhões de hectares. As perdas estariam divididas de forma uniforme em todas as regiões do país. Já, o total de área de RL é 254 milhões de hectares, sendo calculado um déficit de cobertura dessas reservas de 43 milhões de hectares.

Novo CF só em 2011

Na última terça-feira (6/7), o grupo especial criado para discutir o PL 1876/99 aprovou por 13 votos a 5 as propostas de mudança do Código Florestal Brasileiro (Lei 4.771/65), reunidas pelo deputado Aldo Rebelo, relator do projeto. Dentre as principais propostas está a consolidação de RL já desmatadas em pequenas propriedades e redução de 30 para 15 metros a área de proteção das matas ciliares em rios de até 10 metros de largura.

O próximo passo será a aprovação do PL no plenário da Câmara dos Deputados, sem data prevista. A estimativa é que a votação aconteça somente após as eleições, restando para o próximo presidente da república a decisão de aceitar ou vetar o PL.

As principais medidas:

– Redução do prazo de recomposição da Reserva Legal de 30 para 20 anos;

– Os cursos de água de até 10 metros de largura terão suas áreas de preservação permanente (APP) reduzidas de 30 para 15 metros. E os estados não terão mais o direito de reduzir ou aumentar essa metragem;

– As reservas legais (RL) em pequenas propriedades de até quatro módulos estão dispensadas da recomposição da RL. Ao mesmo tempo, não poderão desmatar partes que estão preservadas;

– O PL prevê que nos próximos cinco anos seja proibido qualquer tipo de desmatamento – durante esse período, União, estados e municípios deverão agilizar a regularização de todas as propriedades e realizar o levantamento de todas as florestas no país.

O relatório dos pesquisadores da Esalq está disponível em:
http://www.ekosbrasil.org/media/file/OpCF_gs_010610_v4.pdf

O PL 1876/99 pode ser acessado em:
http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=17338

EcoDebate, 12/07/2010

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