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Desastre ambiental no Golfo do México: Vazamento pode prejudicar ecossistemas das profundezas do Golfo

Vazamento pode prejudicar ecossistemas das profundezas do Golfo
Foto de Derk Bergquists / NYT

O leito profundo do mar antes era considerado um deserto biológico. A vida, segundo a lógica, era sinônimo de luz e fotossíntese. O sol alimentava as cadeias alimentares do planeta e apenas alguns poucos detritívoros eram capazes de perambular pelo abismo excepcionalmente escuro.

Então, em 1977, oceanógrafos trabalhando nas profundezas do Pacífico se depararam com ecossistemas bizarros, repletos de moluscos, mexilhões e vermes tubulares – uma cornucópia de vida abissal que vivia de micróbios que habitavam as águas quentes, ricas em minerais, que brotavam das fendas vulcânicas, alimentando-se das substâncias químicas que vazavam para a água do mar, servindo de base para cadeias inteiras de vida que viviam muito bem sem a luz do sol. Reportagem de William J. Broad, The New York Times.


Em 1984, os cientistas descobriram que calor não era necessário. Ao explorarem as profundezas do Golfo do México, eles descobriram habitats sem sol alimentados por uma nova forma de alimento. Os micróbios que serviam de base na cadeia alimentar viviam não de minerais quentes, mas de petroquímicos frios que brotavam do leito gelado do mar.

Hoje, os cientistas identificaram aproximadamente uma centena de locais como esses no golfo, onde comunidades de fontes frias de moluscos, mexilhões e vermes tubulares prosperam em profundidades sem sol. E eles acumularam evidência de muito mais –centenas, segundo algumas estimativas, milhares por outras– especialmente nas águas profundas e inesploradas do golfo.

“Eu não me surpreenderia com a existência de 2 mil comunidades, de subúrbios a cidades”, Ian R. MacDonald, um oceanógrafo da Universidade Estadual da Flórida que estuda os ecossistemas escuros.

A concentração mais rica do mundo conhecida dessas comunidades notáveis fica no Golfo do México. As formas de vida incluem vermes tubulares de até 2,4 metros de cumprimento. Algumas das criaturas parecem velhas o bastante, dizem os cientistas, para antecederem a chegada de Colombo ao Novo Mundo.

Agora, graças a um acidente terrível, essas comunidades frias se tornaram tema de um debate discreto entre os cientistas. O golfo, é claro, é o cenário do gigantesco vazamento de petróleo que teve início em 20 de abril, com a explosão da plataforma de petróleo Deepwater Horizon. A pergunta é o que o vazamento de petróleo no golfo representa para esses habitats profundos e escuros.

Os pesquisadores têm manifestado forte preocupação com a ameaça aos ecossistemas escuros. O vazamento é um aumento concentrado em um ambiente de vazamento crônico, difuso e lento de petroquímicos por grande parte da borda da plataforma continental ao norte do golfo. Muitos fatores, como a densidade do petróleo nas ondas submarinas, o tamanho da redução de oxigênio resultante e a toxicidade potencial dos dispersantes de petróleo –todos desconhecidos– podem se transformar em ameaças que podem superar quaisquer possíveis benefícios e danificar, ou até mesmo destruir, os ecossistemas escuros.

No ano passado, os cientistas descobriram uma comunidade a aproximadamente 8 quilômetros de onde posteriormente explodiu o poço da BP, a 1,5 quilômetro de profundidade. Seus habitantes incluem moluscos e vermes tubulares. Logo, parece que os pesquisadores terão algumas respostas em breve.

“Há muita incerteza”, disse Charles R. Fisher, um professor de biologia da Universidade Estadual da Pensilvânia, que lidera um estudo federal dos habitats escuros e que observou a comunidade próxima. “Nossa esperança é de que o impacto seja neutro ou um problema menor.”

Alguns poucos cientistas dizem que o petróleo que vazou – apesar de seu claro dano aos pelicanos, tartarugas e outras formas de vida costeiras– poderia no final representar uma bênção para as criaturas das fontes frias e até mesmo para a cadeia alimentar mais ampla.

“O golfo é um ótimo local para pesca por causa da matéria orgânica alimentada pelo petróleo”, disse Roger Sassen, um especialista em fontes frias que recentemente se aposentou da Texas A&M University. “Ela é pré-adaptada ao óleo cru. A imagem de que este vazamento é um desastre completo não é verdadeira.” Mas sua posição parece ser a da minoria.

Ao longo de duas décadas, o governo federal gastou pelo menos US$ 30 milhões descobrindo e investigando as criaturas das fontes frias, um bom valor para pesquisa básica do oceano. Washington forneceu esse dinheiro em um esforço para assegurar que a exploração de petróleo não prejudicaria os ecossistemas incomuns. Agora, o pior vazamento de petróleo no mar do país –com dezenas de milhões de galões já vazados até o momento– colocou essa meta em dúvida.

A agência por trás da exploração e levantamento das fontes frias é exatamente o muito criticado Serviço de Gestão de Minerais do Departamento do Interior –não seus reguladores de petróleo, mas um braço ambiental separado, que há muito tempo começou a contratar oceanógrafos, geólogos, ecologistas e biólogos marinhos para investigar o leito do golfo e buscar regulamentações para proteção dos ecossistemas recém-descobertos.

O Serviço de Gestão de Minerais está se juntando a outras agências federais para estudar se o vazamento da BP está prejudicando os habitats escuros. Os cientistas dizem que navios poderão partir já em julho, enviando robôs até o leito gélido para examinar as comunidades de fontes frias e coletar amostras para análises.

É um momento amargo para cientistas como McDonald, da Universidade Estadual da Flórida, que dedicou sua carreira à documentação da riqueza e complexidade do ecossistema. Em uma entrevista, ele disse que a simples dificuldade de avaliar os impactos biológicos do vazamento deixou alguns de seus colegas deprimidos.

“Antes, nós tínhamos essa carreira de estudar os animais obscuros de lá”, ele disse. “E agora, provavelmente terei que olhar para isso pelo restante da minha carreira. Transformou-se neste grande desconhecido.”

A escuridão total, as temperaturas geladas e as pressões esmagadoras conspiram para transformar o estudo das profundezas dos oceanos em uma atividade árdua e altamente onerosa. Estima-se que os seres humanos tenham vislumbrado apenas um milionésimo do leito dos oceanos.

Em comparação, as pessoas que olham para a superfície do golfo sabem sobre o petróleo que brota das profundezas há séculos. Registros espanhóis do século 16 notam o óleo flutuante.

No início dos anos 80, os cientistas que investigavam o petróleo que vazava se perguntavam se as criaturas próximas no leito do oceano poderiam sofrer danos crônicos devido à poluição e servir como modelos para o risco petroquímico. Eles baixaram redes a cerca de 800 metros de profundidade e puxaram, para sua surpresa, uma abundância de animais saudáveis.

“Nós relatamos a descoberta de densas comunidades biológicas associadas às regiões onde brotam gás e petróleo”, escreveram seis oceanógrafos da Texas A&M na revista “Nature”, em setembro de 1985.

Os animais incluíam lesmas, caranguejos, enguias e vermes tubulares com mais de 1,80 metro de comprimento. Os micróbios que serviam de base da cadeia alimentar se alimentavam das emissões do leito do oceano de metano e sulfeto de hidrogênio – uma substância altamente tóxica para os animais terrestres e que tem cheiro de ovo podre.

As plantas convertem a luz do sol em energia e produzem tecido vivo em um processo conhecido como fotossíntese. O método correspondente entre os micróbios do abismo escuro é conhecido como quimiossíntese.

O Serviço de Gestão de Minerais passou a financiar grandes expedições. Ele apresentou relatórios em 1988, 1992 e 2002. Até então, os cientistas já tinham descoberto dezenas de comunidades de fontes frias e descobriram que alguns de seus habitantes eram extraordinariamente velhos.

Na revista “Nature”, Fisher, da Universidade Estadual da Pensilvânia e dois colegas relataram que os vermes tubulares podiam viver mais de 250 anos –os colocando entre os animais mais velhos do planeta.

As expedições mais recentes estudaram comunidades de fontes frias a 2,7 quilômetros de profundidade – bem abaixo da plataforma continental, na direção das regiões mais profundas do golfo. Em uma entrevista, Fisher disse que as investigações das comunidades mais profundas sugeriram que as espécies de vermes tubulares dali cresciam mais lentamente e viviam mais tempo.

Quanto tempo? “É provável que possam viver por muito mais tempo”, ele respondeu. “Eu fico desconfortável com um número exato, mas estamos falando de séculos – quatro, cinco ou seis séculos.”

Ao longo dos anos, os cientistas descobriram que os micróbios das profundezas não apenas comem substâncias químicas exóticas, mas também produzem carbonato (um bloco de construção das conchas marinhas) que forma uma crosta dura no leito marítimo normalmente pegajoso. As crostas de carbonato pode se tornar espessas o bastante, eles disseram, para reduzir o fluxo de gás e petróleo para as comunidades de fontes frias e formar pontos de ligação para uma variedade de outras criaturas marinhas, especialmente corais profundos e outros filtros necessários como estrelas quebradiças.

Ao sondarem as águas profundas do golfo com som e outras tecnologias de imagem, os cientistas encontraram evidência da existência na plataforma continental norte de aproximadamente 8 mil regiões de crosta dura – todas elas, eles dizem, lares potenciais de novas e velhas comunidades de fontes frias.

Em seu site, o Serviço de Gestão de Minerais reconhece um conflito de interesse entre encorajar a exploração de petróleo e proteger os ecossistemas escuros. Ele emitiu regulamentações em 1989 e tem endurecido periodicamente as regras, mais recentemente em janeiro.

Agora, após o desastre de petróleo, muitos pesquisadores de fontes frias expressaram forte preocupação com a ameaça aos ecossistemas escuros. Fisher disse que a mancha de petróleo pode cobrir as estruturas respiratórias dos animais, fazendo com que sufoquem, e que concentrações elevadas poderiam provar ser tóxicas.

Samantha B. Joye, uma cientista de fontes frias da Universidade da Geórgia, disse a um subcomitê de ciência da Câmara, em 9 de junho, que o acidente da BP representava “uma perturbação sem precedente ao sistema do Golfo do México”.

Ela expressou uma preocupação particular com os dispersantes que a BP está injetando a 1,5 quilômetro de profundidade no petróleo que está jorrando – em um esforço em grande parte bem-sucedido para reduzir o fluxo que chega à superfície.

Joye disse que o aumento de petróleo nas águas abaixo da superfície poderia alimentar os micróbios que consomem oxigênio. Se ocorrer uma explosão no número deles, ela disse, o resultado poderia ser um pico de consumo de oxigênio tão grande a ponto de seus níveis nas profundezas despencarem imensamente.

Os ecossistemas escuros, ela notou, “podem tolerar concentrações reduzidas de oxigênio”. Mas ela alertou que o vazamento da BP mudará sua tolerância “além de qualquer agressão anterior”.

Agora, os oceanógrafos estão se preparando para mergulhar até as profundezas para verificar como as comunidades no escuro estão reagindo. As lições para precauções de petróleo e cuidados regulatórios, eles disseram, poderiam ser aplicadas não somente para as criaturas nas profundezas escuras do Golfo do México, mas também de outras partes do mundo.

“Por toda parte em que olhamos, nós as encontramos”, disse Norman L. Guinasso Jr., diretor de Pesquisa Ambiental e Geoquímica da Texas A&M. Ele citou descobertas de comunidades de fontes frias além das costas de Angola, Indonésia e Trinidad.

Na exploração do golfo, disse Guinasso, os cientistas estão lutando para sondar as forças e vulnerabilidades de algumas das criaturas mais antigas e ao mesmo tempo mais novas do planeta. “As pessoas ainda estão aprendendo.”

Tradução: George El Khouri Andolfato

Reportagem [For Life Thriving on Gulf of Mexico’s Seabed, Many Unknowns] do New York Times, no UOL Notícias.

EcoDebate, 23/06/2010

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