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Artigo

Criatividade no ensino/aprendizagem de biologia, artigo de Antonio Silvio Hendges

[EcoDebate] 1-CRIATIVIDADE, CONHECIMENTO E HISTÓRIA

Criatividade é a capacidade de inovar, de conceber e realizar coisas novas, originais e integradas com as necessidades pessoais, sociais e históricas. É importante destacar que os processos criativos são elaborados através de conhecimentos universais pré existentes, são uma interpretação e/ou experimentação que consideram e utilizam uma grande quantidade de informações, de modo multidisciplinar e associado ao contexto em que se manifestam.

No pensamento científico são inúmeras as manifestações de criatividade, com descobertas revolucionárias, capazes de influenciar muitas áreas de conhecimentos, estabelecendo novas dinâmicas metodológicas e teóricas. Exemplos de inventividade e interpretações criativas dos fenômenos científicos é a Lei da Gravidade de Newton, a Teoria da Relatividade de Albert Einstein e a Evolução das Espécies de Charles Darwin. Na biologia, muitos experimentos e descobertas são extremamente criativos, resultando em verdadeiras revoluções científicas capazes de alterar as relações éticas, econômicas e ambientais.


Desde o final do século XIX, principalmente com a demonstração dos mecanismos da hereditariedade por Gregor Mendel em 1865, verdadeiras revoluções nos conhecimentos dos processos biológicos, possibilitaram sua utilização racional, coordenada e pré planejada. Em 1900, Hugo de Vries na Holanda, Correns na Alemanha e Tschermerk na Áustria, em pesquisas independentes, redescobrem a genética mendeliana. A genética das populações foi extremamente importante para as interpretações dos processos evolutivos, sendo um produto da criatividade dos biólogos e geneticistas Fischer, Wright e Haldane. A genética quantitativa, que revolucionou a agricultura no início do século XX, desenvolvendo variedades híbridas de milho, também foi desenvolvida por pesquisadores criativos da área da biologia: Shull, Jones e East. Em 1913, o primeiro mapa genético (o da mosca Drosofhila) foi desenvolvido por A. H. Sturtevant. Em 1933 foi mapeado o genoma do milho, e em 1934 do tomate.

Outras descobertas importantes foram realizadas no século XX: a identificação do ATP como principal fonte de energia das células em 1932; o ciclo de Krebs em 1937; a estrutura do DNA em 1952; a sequência dos aminoácidos da insulina em 1953; a estrutura da hemoglobina em 1960; a correspondência entre as sequências de nucleotídeos do DNA e RNA (código genético) em 1966; modificações genéticas em mamíferos em 1981; os marcadores moleculares no início dos anos 90; a clonagem de células adultas (ovelha Dolly) em 1998; e a finalização do sequenciamento do genoma humano em 2000. As interações disciplinares da biologia com a química, física, genética, matemática e outras áreas de conhecimentos, possibilitaram o desenvolvimento da biologia molecular e da biotecnologia com as transgenias, clonagens, células tronco, planejamentos de resultados e suas possibilidades na produção de alimentos, medicina regenerativa e muitas outras áreas importantes.

Recentemente, a biologia sintética pesquisa a organização de sequências específicas de DNA, formando genes que não se encontram na natureza, alterando totalmente a relação de dependência humana da biodiversidade pré existente, produzindo novas espécies e/ou alterando as já existentes para exercerem novas atividades ou funções. Em contrapartida, as necessidades de recuperação e preservação ambientais tornaram a biologia indispensável para avaliar e prevenir impactos sobre os recursos naturais e a diversidade genética, possibilitando a continuidade de nichos, biomas e espécies ameaçadas.

Nesta evolução dos conhecimentos e técnicas relacionadas com a biologia, a criatividade foi indispensável nos experimentos e na solução de problemas complexos e desafiadores. De formas interdisciplinares e integradas, as inovações teóricas e metodológicas possibilitaram um acúmulo de conhecimentos e diversas revoluções nos conceitos e nas práticas de várias atividades e atitudes humanas.

2-HISTÓRIA, CONHECIMENTO E CRIATIVIDADE

O ensino/aprendizagem de biologia para ser eficiente e útil e como consequência criativo, não pode apenas transmitir conceitos e conhecimentos genéricos e sem relações com as realidades cotidianas dos alunos, da comunidade escolar e da sociedade humana. Deve-se evitar o conhecimento alienado das realidades históricas, econômicas, sociais, deixando claro nos conteúdos que todas as decisões, pesquisas, resultados, tecnologias e ferramentas são partes de sistemas históricos que se desenvolvem dentro de processos contraditórios e não lineares do desenvolvimento humano. A ciência não é neutra, estática ou desinteressada dos fenômenos sociais: é parte integrante e certamente integrada (ou não) aos interesses específicos de grupos econômicos, sociais e intelectuais que gestionam as pesquisas e a aplicação dos resultados obtidos. As pesquisas, descobertas e tecnologias e seus usos são produtos e escolhas históricas, integradas em sistemas políticos, econômicos, científicos e sociais específicos.

A biologia não é exceção, e um ensino/aprendizagem de qualidade, eficiente e criativo deve capacitar os alunos para entenderem as relações que existem entre os pesquisadores, laboratórios, empresas de biotecnologia, governos, mercados econômicos e consumidores. Vivemos na sociedade da ciência em que as tecnologias biológicas estão presentes no cotidiano. É indispensável que os conteúdos forneçam informações que capacitem os estudantes a tomarem decisões relacionadas com os hábitos cotidianos de consumo, uso de tecnologias, produtos e pesquisas, considerando os benefícios (ou prejuízos) ambientais, sociais, científicos, políticos e econômicos para o conjunto da(s) sociedade(s), reconhecendo que a ciência sempre é um processo de construção coletiva. “Todo saber científico é fruto de intenso debate e diálogo entre especialistas das mais diversas áreas. A ciência é produzida coletivamente […]” (THOMPSON, 2009, p. 20).

O ensino de biologia para ser criativo e eficiente necessita incorporar enfoques sobre as relações entre a ciência, pesquisas, tecnologias e sociedade em uma perspectiva de construção da cidadania. É indispensável abordar “elementos relacionados à produção de conhecimento científico, o uso de tecnologia e suas consequências no cotidiano das pessoas, seja relacionada à qualidade de vida, fatores econômicos e às suas crenças, no sentido de exercerem cada vez melhor suas opções na condição de cidadãos e usuários de novas tecnologias” (THOMPSON, 2009, p.16).

A transmissão de conhecimentos que capacitem à tomada de decisões, a ciência como processo construído e inserido nas relações sociais, e a construção coletiva dos conhecimentos científicos devem ser os norteadores principais de um ensino de biologia que se proponha criativo e útil ao presente e futuro dos alunos, da comunidade escolar e da sociedade.

3 – REFERÊNCIAS
THOMPSON, Miguel. Sociedade da ciência. Carta na Escola, São Paulo, n. 32, p. 18-21, dez. 2008/jan. 2009.

Colaboração de Antonio Silvio Hendges [E-mail: as.hendges{at}gmail.com], Professor de Biologia e Agente Educacional no RS, para o EcoDebate, 02/06/2010

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