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III Congresso da CPT: Povos da terra discutem os clamores dos biomas e a resistência campesina

Durante toda a quarta-feira (19/05) os participantes se concentraram na troca de conhecimentos em quatro tendas espalhadas no interior do Colégio São José, Marista, onde discutiram os biomas e as peculiaridades de cada região. Em cada espaço foram apresentadas seis experiências, três em cada período, em seguida as informações foram aprofundadas nos debates. As tendas foram divididas em: Bioma Amazônico, Bioma Caatinga, Biomas Mata Atlântica e Pampa e Biomas Cerrado e Pantanal.

Na tenda do Bioma Amazônico, as atividades iniciaram com uma mística. “Nós somos a imagem de Deus, mas desde cedo aprendemos que a natureza foi criada para nos servir. Mas, a vida foi feita para a própria vida, e dominar a terra, é a mesma coisa que construir abismos e ampliar as destruições”, afirmou o agente da CPT Amapá, Sandro Gallazzi. A Amazônia tem uma área de quase 4 milhões e 200 mil quilômetros quadrados. No primeiro momento das apresentações, foram expostas as experiências dos estados do Acre, Amapá e Amazonas, que estão investindo no modelo socioambiental de organização e no protagonismo dos povos da terra.

As apresentações destacaram, também, o apoio da CPT nas ações. Do Acre foram divulgados os avanços da Associação dos Pequenos Agrossilvicultores do Projeto Reca (Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado), com o objetivo de trabalhar com plantas regionais e investir na sua comercialização. Já o Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município de Afuá (PA), investiu na formação e na busca dos direitos de 2.240 famílias de trabalhadores rurais, e na produção agro-extrativista, como a comercialização do açaí, camarão e palmito, no período da entressafra. Do estado do Amazonas foi feita uma retrospectiva sobre a criação da Reserva Extrativista do rio Ituxi e Médio Purus, no município de Lábrea (AM).

Novo jeito de viver no sertão

Em clima de muita fé, uma procissão acompanhada pela cruz, sementes crioulas, símbolos do semiárido, marcou o início dos trabalhos da tenda das experiências do Bioma Caatinga. Estavam presentes cerca de 200 pessoas, entre trabalhadores e trabalhadoras, além de agentes da CPT, de diversos biomas que acompanharam a apresentação das diversas experiências. A caatinga é o bioma mais jovem do Brasil e se destaca por um povo de muita fé e luta, marcado pela perseguição dos coronéis, empresários e fazendeiros. Por ter uma religião popular forte, apareceram figuras importantes no processo de organização da luta popular, como o padre Ibiapina, Padre Cícero e Antonio Conselheiro. A apresentação da experiência de convivência com o semiárido do Assentamento Serra Branca/Serra Vermelha, mostrou um povo simples que vivia em um clima de muito sossego na Serra da Capivara, mas que, com o surgimento do projeto de Assentamento Estadual reconhecido pelo INCRA, criando um corredor ecológico, tirou a paz daquelas famílias. Com medo de perder suas terras, seu jeito de viver, os trabalhadores se organizaram e, com o apoio da CPT, fundaram sua Associação, promovendo manifestações para que o governo não desapropriasse os mesmos. O resultado das ações foi o acordo com o governo, no qual a comunidade assumiu o compromisso de cuidar do meio ambiente e até melhorá-lo. Já as mulheres da comunidade do Cariri, no estado do Ceará, seguiram os conselhos do padre Cícero, que alertavam as famílias daquele estado sobre a importância de se plantar árvores frutíferas típicas e hortaliças, aproveitando o espaço que cada família e comunidade possuía, como os próprios quintais. Outra experiência contada foi a dolorosa luta do povo de um antigo fundo de pasto, situado no município de Casa Nova (BA). São diversas as ameaças dos empresários da “Camaragibe”, que querem tomar a terra dos posseiros. Foi preciso um trabalhador ser assassinado para que os órgãos do governo pudessem fazer alguma coisa pelo povo. Graças ao apoio da CPT de Juazeiro (BA), diversas entidades sociais da região têm conseguido colocar em pauta a luta dos trabalhadores e diversas manifestações sociais.

Avanço das monoculturas e das barragens ameaça o cerrado brasileiro

Em 2005, durante manifestação contra a instalação de usinas de açúcar no Pantanal, o ambientalista Francisco Anselmo Barros ateou fogo no próprio corpo na tentativa de barrar o empreendimento. A atitude desesperada conseguiu interromper, por um breve momento, a instalação das empresas, mas os grandes projetos continuam avançando nas áreas em que o bioma está presente. A história de Francelmo, como era conhecido, foi contada na abertura da apresentação das experiências dos biomas Cerrado e Pantanal, exemplifica a dimensão do quanto tem se agravado as questões ambientais nas regiões em que esses biomas estão presentes. “Outro problema sério é a quantidade de agrotóxico que é jogado nas plantações pelos aviões, e que se espalham pelas nossas terras”, reclama o agricultor Raimundo Rocha, da comunidade Sonhé, em Loreto, no Maranhão. Além do avanço das monoculturas, Raimundo aponta outra grave ameaça: a construção de uma barragem no rio Parnaíba, que deve prejudicar não apenas as 97 famílias do povoado em que vive, mas também deve impactar outras 5 mil famílias na região. “Se essa barragem acontecer, para onde vamos?”, questiona Raimundo. Se a barragem de Estreito for concluída, será a sexta a ser construída na bacia que tem a ameaça de mais três barragens. A obra impactará cerca de três mil famílias, em 12 municípios dos dois estados.

Mas não há apenas lamentos. Na cidade de Juti, no Mato Grosso do Sul, uma iniciativa trouxe vida nova ao bioma conhecido como savana brasileira. A partir da mobilização da comunidade e do apoio de várias entidades como a CPT, uma das nascentes do córrego Santa Luzia voltou a ter água. O trabalho de três anos, que envolveu o replantio de espécies nativas e a tirada de gado da área, conseguiu reviver uma nascente que muitos já consideravam morta. “Passamos a ser uma ilha de preservação em meio ao avanço das monoculturas na região”, relata orgulhoso o agricultor e agente da CPT Wagner José da Rocha.

Mata Atlântica e Pampa: De um lado, devastação. De outro, resistência e luta

O que antes ocupava uma área de mais de um milhão de hectares, hoje não passa de 95.000 km quadrados. A Mata Atlântica brasileira, que já foi considerada a segunda maior floresta tropical da América do Sul, e que ocupa mais de 14 estados brasileiros, hoje luta para manter os 7,3% do que sobrou de sua área original. Nesse cenário de devastação, as experiências de luta e resistência das camponesas e camponeses renovam as esperanças de perspectiva de mudança de realidade na região. Foi com esse ânimo, que cerca de 200 delegados e delegadas do Congresso da CPT, participaram da tenda que apresentou seis experiências emblemáticas que propõem um outro modelo de estar na terra e a defesa da Mata Atlântica.

Educação e práticas agroecológicas como ferramenta de enfrentamento ao agronegócio na região do Espírito Santo e Rio de Janeiro – a Escolinha de Agroecologia, e o conflito territorial entre comunidade de pescadores nas Ilhas de Sirinhaém (PE) e a Usina Trapiche, foram alguns dos processos de resistência apresentados. No Bioma Pampa, assentados desafiam o monocultivo de eucalipto. O bioma, que só existe no Rio Grande do Sul, chega a ocupar 63% do território estadual, mas atualmente passa por um processo de devastação que compromete a sua existência. O avanço do monocultivo de eucalipto, da soja e a produção de alimentos transgênicos são destacados como os principais protagonistas do processo de devastação do Pampa, impedindo a produção de alimentos saudáveis, de acordo com Terezinha Ruzzarin, integrante da CPT do Rio Grande do Sul. Os integrantes da CPT do RS apresentaram a experiência dos assentamentos Cambuchim e São Marcos, no município de São Borja (RS). Esses assentamentos sofriam continuamente o assédio das papeleiras em busca de novas áreas de plantio. A partir de diversos espaços de formação e diálogo com os assentados e assentadas, foram identificadas algumas alternativas para potencializar a produção de alimentos saudáveis e garantir a geração de renda para os agricultores e agricultoras.

Celebração homenageia os mártires do campo brasileiro

Envolto em um cenário místico e tendo o céu do semiárido como testemunha, camponeses, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, agentes pastorais e religiosos de todas as partes do país, iluminaram a noite de Montes Claros (MG), com as chamas de velas e tochas. Empunhavam estandartes com imagens daqueles que nos últimos anos morreram na luta por uma “terra sem males”, em defesa da vida, da terra, da água e dos direitos humanos. A noite desta quarta-feira, dia 19, relembrou os mártires da terra, e levou mais de mil pessoas às ruas da cidade mineira. A celebração dos mártires foi um dos momentos mais emocionantes do III Congresso Nacional da CPT. Durante a caminhada, as pessoas percorreram 2 km, e, por onde passavam, chamavam a atenção da população local. Ao todo foram seis paradas: cada uma refletiu as ações de resistência e defesa dos biomas da Mata Atlântica, Cerrado, Pampa, Amazônia, Pantanal e Caatinga, discutidos durante o Congresso, além de rememorar os mártires que tombaram na luta contra o latifúndio e o agronegócio em cada bioma.

Segurando um cartaz “Sei que vivo no coração dos que lutam pela liberdade”, a agricultora Maria Senhora, de 69 anos, moradora do assentamento Nova Conquista no Espírito Santo, se emocionou ao relembrar a história do assassinato do líder sindicalista rural Verino Sossai, morto em 1989, na luta contra o latifúndio no estado. A camponesa, que lutou junto com Verino pela conquista do assentamento, onde vive há 23 anos, afirma não desanimar com tanta violência no campo. “Lutamos muito para conquistar nossa terra. Enquanto eu estiver viva, vou lutar no meio do povo”, ressaltou. Assim como Verino, foram relembrados e homenageados, ao longo da caminhada: Irmã Dorothy, Pe. Josimo, Zé de Antero, Vilmar, Ribamar, João Canuto de Oliveira, Chico Mendes, Margarida Alves, Zumbi dos Palmares, além de tantos outros.

A cerimônia também foi marcada pela leitura da Nota Pública e de repúdio, assinada pelos participantes do Congresso, sobre a notícia de que Taradão, um dos acusados de ser o mandante do assassinato da irmã Dorothy Stang, foi solto após 18 dias depois de ter sido condenado a 30 anos de prisão pelo crime. O encerramento do ato político-religioso ocorreu em frente à Igreja Nosso Senhor do Bonfim, na Praça dos Morrinhos, com muita música e a partilha do licor de pequi, fruto típico do cerrado.

www.cptnacional.org.br (acompanhe pelo site todas as informações do Congresso, bem como as fotos, pequenos vídeos e as entrevistas em áudio).

* Colaboração da Equipe de Comunicação do III Congresso Nacional da CPT para o EcoDebate, 21/05/2010

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