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Notícia

Nota contra a decisão autoritária do TRF 1a Região no caso da Usina de Belo Monte

Há trinta anos os povos indígenas, os ribeirinhos, os pequenos agricultores e todos os demais povos que vivem à beira do rio Xingu lutam contra a transformação do rio numa sequência de hidrelétricas. E o fazem porque sabem que sem ele não têm como sobreviver.

Há vinte anos a sociedade brasileira e internacional tomou conhecimento do absurdo plano elaborado durante o governo militar de instalar 6 grandes hidrelétricas no rio Xingu, e, na alvorada do regime democrático, conseguiu reagir para impedir que esse desastre ocorresse, e o projeto foi enterrado.

Há dez anos a Eletronorte, empresa estatal de energia, responsável pela construção das usinas de Balbina (AM) e Tucuruí (PA), dois dos maiores desastres socioambientais do país, voltou a apresentar um projeto para construir hidrelétricas no rio Xingu, alegando agora que seria apenas uma, denominada Belo Monte. Mesmo sozinha, essa usina poderia provocar grandes impactos: uma área alagada maior do que a cidade de Porto Alegre (RS); a construção de gigantescos canais para desviar o rio de seu curso natural, equivalentes em dimensão ao canal do Panamá; o secamento de mais de 100 km do rio, onde vai passar menos de 20% da quantidade normal de água, com grande probabilidade de se criar um verdadeiro colapso ecológico numa região de altíssima biodiversidade, e que é local de moradia para centenas de famílias de indígenas e ribeirinhos, cujos direitos humanos seriam seriamente afetados pelo projeto. E isso para construir uma usina que, apesar de custar muito mais do que os R$ 20 bilhões anunciados pelo Governo Federal – financiados com empréstimos e subsídios públicos, dinheiro do contribuinte brasileiro – vai funcionar a plena potência em no máximo 3 meses do ano, e que em outros 3 ou 4 meses não vai gerar nem 10% da capacidade instalada.

Há três anos a Eletronorte deu início ao licenciamento ambiental de Belo Monte, junto ao Ibama. Apesar do longo tempo em que desenvolve o projeto, elaborou estudos ambientais que não detalhavam as consequências da obra na vida das pessoas e dos ecossistemas da região. Essa realidade foi apontada não só por um painel independente formado por 40 especialistas, como também pelos técnicos do Ibama, que, após meses analisando e reanalisando os estudos, pediram o aprofundamento de alguns pontos essenciais. Como alguns deles demandariam mais vários meses de realização, a Eletrobrás apresentou meros arremedos, que no final de janeiro deste ano foram considerados insuficientes pelos técnicos do Ibama para se tomar qualquer decisão, pois grandes incertezas ainda pairavam no ar.

Assim mesmo a diretoria do Ibama, politicamente pressionada pela Casa Civil da Presidência da República, mas contrariando a legislação brasileira, deu aval para a obra em 1o de fevereiro, deixando para avaliar vários dos principais possíveis problemas socioambientais depois que a obra já estiver pronta (!).

O Ministério Público Federal, que sempre acompanhou o caso, preparou duas ações judiciais para evitar essa ilegalidade, reunindo estudos e argumentos que demonstrassem ao Judiciário o atropelo das regras estabelecidas. O Juiz Federal de Altamira (PA) analisou durante uma semana os argumentos apresentados e, no dia 14/04, numa decisão amplamente lastreada na Constituição Federal e na legislação nacional, decidiu uma das ações, suspendendo a realização do leilão para concessão da usina, marcado para 20/04. A outra ainda está sendo analisada.

Apesar de todos os argumentos jurídicos, irrefutáveis, apresentados na ação do MPF e que fundamentaram a decisão do Juiz de Altamira; apesar das inúmeras evidências de irregularidades na licença concedida; apesar dos muitos anos em que esse projeto vem sendo debatido pela sociedade; apesar de ser de conhecimento público que essa será uma usina que custará muito ao país, mas que gerará relativamente pouca energia; apesar de ser função do Judiciário julgar com base na lei e nos fatos, o Desembargador Federal Jirair Megerian, Presidente do Tribunal Regional Federal da 1a Região, em menos de 24 horas, cassou a decisão que paralisava o leilão, sem analisar nenhum dos argumentos expostos na ação. Alegou, apenas, que as populações indígenas afetadas não estavam ameaçadas porque “a emissão da licença prévia e a realização do leilão não implicam na construção imediata de Belo Monte”, ao mesmo tempo em que afirma que “a não realização do leilão traria graves prejuízos à economia pública”, pois atrasaria o início das obras da usina (!).

Não aceitamos que uma questão dessa importância seja decidida dessa maneira. Não é possível que um juiz, por acreditar, sem nenhum fundamento, que a não construção da obra no prazo imposto pelo Ministério de Minas e Energia traria graves prejuízos econômicos ao país, feche os olhos para as várias ilegalidades do processo e coloque o respeito à lei como elemento secundário. O Judiciário não pode se furtar a respeitar a lei, como nenhum outro órgão democrático pode.

Brasília, 19 de abril de 2010

Assinam:
Movimento Xingu Vivo para Sempre – MXVPS
Amigos da Terra – Amazônia Brasileira
Instituto Socioambiental – ISA
Prelazia do Xingu
Fundação Viver, Produzir e Preservar – FVPP
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB
Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal – ABEEF
Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil – FEAB
Movimento de Mulheres do Campo e Cidade do Pará
Movimento de Mulheres Regional Transamazônica e Xingu
Fórum dos Direitos Humanos Dorothy Stang Regional Transamazônica e Xingu
Movimento de mulheres Trabalhadoras de Altamira Campo e Cidade
Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Porto de Moz
Comitê de Desenvolvimento Sustentável Porto de Moz
Sindicato das Trabalhadoras Domésticas Região Transamazônica e Xingu
Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal no Estado do Pará -SINTSEP/PA
Fórum das Mulheres da Amazônia Paraense – FMAP
Grupo de Mulheres Brasileiras – GMB
Associação Floresta Protegida
Associação dos Indios Moradores de Altamira
Conselho Indígena de Altamira – COIA
Associação do Povo Indígena Juruna do Xingu
Associação do Povo Indígena Xikrin do Bacajá
Grupo de Articulação dos Direitos Indígenas de Altamira
Centro de Defesa dos Direitos Indígenas de Altamira – CDDI
União das mulheres indígenas da Amazõnia Brasileira – UMIAB
Associação Nacional de Ação Indigenista da Bahia
Federação das Associações de Moradores e Organizações Comunitárias de Santarém – FAMCOS
Organização pelo Desenvolvimento da Amazônia com Direitos Humanos – ONDAS-DH
Fórum da Amazônia Ocidental – FAOC
Fórum da Amazônia Oriental – FAOR
Associação de Desenvolvimento da Agroecologia e Economia Solidária – ADA AÇAÍ
Centro de Educação e Assessoria Popular – CEAP
Conselho Municipal da Cidade de Porto Velho
Operação Amazônia Nativa – OPAN
Associação para o Desenvolvimento Integrado e Sustentável – ADEIS
Grupo de Defesa da Amazônia – GDA
Organização Não Governamental Arirambas – ARIRAMBAS
Mana-Maní Círculo Aberto de Comunicação, Educação e Cultura
Rede Brasileira de Arteducadores
União dos Estudantes de Ensino Superior de Santarém (UES)
Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense – FMAP
Grupo de Mulheres Brasileiras – GMB
Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes – APACC
Comitê Metropolitano Xingu Vivo para Sempre, Belém/PA
Fundação Tocaia
Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais
Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé
Rede Jubileu Sul Brasil
Justiça Global
IBASE
Rede Brasileira de Justiça Ambiental
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH
Instituto Brasileiro de Inovações Sociedade Saudável – IBISS-CO
Greenpeace-Brasil
Instituto Ambiental Vidágua
Comitê Independente por Justiça Ambiental – C.I.J.A
Forum Brasileiro de Economia Solidaria – FBES
Rede Alerta contra o Deserto Verde
Terræ Organização da Sociedade Civil
Iterei – Refugio Particular de Animais Nativos
Centro de Referência do Movimento da Cidadania pelas Águas Florestas e Montanhas Iguassu Iterei
Associação Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins – APA-TO
Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc
Amigos da Terra Brasil
Organização Universalista em Direitos Humanos – U.S.O.S.
Instituto Amazônia Solidaria e Sustentável – IAMAS
Associação Global de Desenvolvimento Sustentado
Grupo Ambientalista da Bahia – Gamba
Centro de Pesquisa e Assessoria Esplar
Frente Cearense Por uma Nova Cultura de Àgua
Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul – PACS
ABONG
Instituto de Pesquisas em Ecologia Humana
Instituto Terramar
Forum Mudanças Climaticas e Justiça Social
Associação de Saúde Ambiental- TOXISPHERA
Associação de Proteção ao Meio Ambiente de Cianorte – APROMAC
International Rivers, EUA
Amazon Watch – EUA
Asociación Interamericana para la Defensa del Ambiente – AIDA
Otros Mundos AC/Chiapas – México
Survival International

Carta enviada por Rogério Almeida, do Blog FURO, para o EcoDebate, 20/04/2010

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