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Xingu, Madeira e Tapajós: Energia para quê e para quem?

  • Energia para quê e para quem?
  • O modelo explica a opção
  • Amazônia. Biocivilização ameaçada

A construção das hidrelétricas no Xingu, Madeira e Tapajós vem sendo apresentadas como imprescindíveis. O governo afirma que se trata de obras absolutamente necessárias e indispensáveis para suprir a crescente demanda de energia no país. O passivo ambiental e social é o preço a ser pago para dar continuidade ao crescimento econômico. “Sem as hidrelétricas o Brasil para”, tem sido o discurso do Estado. Sucumbir ao argumento do governo, entretanto, é abdicar do debate.

Uma correta leitura do debate em torno da construção das hidrelétricas precisa ser inserido do modelo econômico que se deseja para o país e, sobretudo no contexto das crises energética e ecológica.

Relacionado ao debate do modelo econômico, uma primeira e importante pergunta a ser feita é: Energia para quê e para quem? A quem se destinarão os milhões de quilowatts de energia a ser produzida? O argumento do governo é de que as hidrelétricas em operação garantirão estabilidade maior ao sistema nacional integrado de produção de energia – o Operador Nacional do Sistema (ONS) que compensa o déficit em energia de uma região com a oferta de outra. Como Itaipu há anos vem sofrendo sobrecarga, outras usinas hidrelétricas auxiliarão na oferta e equilíbrio geral do sistema.

A motivação não se resume porém ao argumento do afastamento definitivo do “apagão”. Há outras motivações nem sempre explícitas. E entre elas, o fato de que as hidrelétricas servirão sobretudo para subsidiar energia para grandes empresas. Grandes consumidores de energia como Alcoa, Votorantim, Vale, Gerdau e CSN já manifestaram interesse em participar do leilão de Belo Monte. Essas empresas conhecidas como autoprodutores além de participarem do consórcio de construção da usina terão direito a uma parcela da energia gerada. Além do acesso a eletricidade mais barata, os autoprodutores – a diretriz do governo prevê uma participação entre 10% a 30% de autoprodutores nos consórcios – ficam isentos dos riscos do projeto, como os comerciais.

Ao menos, a Alcoa – a maior produtora mundial de alumínio – e a Vale – gigante na exportação de minério – já manifestaram publicamente o interesse em participara do leilão de Belo Monte. Essas empresas estão procurando se associar às grandes empreiteiras para disputar o leilão da usina do Xingu. Entre as grandes empreiteiras estão as de sempre: Camargo Corrêa, Odebrecht e Andrade Gutierrez.

Telma Monteiro, coordenadora de Energia e Infra-Estrutura Amazônia da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, em entrevista ao IHU dá uma clara indicação a quem interessa o destino da energia. Segundo ela, “temos as grandes usinas eletrointensivas, que são aquelas cujo produto final requer um insumo maior de energia. Temos o beneficiamento do alumínio, primeiro com a extração da bauxita, que beneficia o alumínio. Antigamente, o Brasil exportava toneladas de material mineirado. Hoje, o país exporta quilos de alumínio. O que essas grandes empresas eletrointensivas como a Vale precisam? Precisam extrair a bauxita e beneficiar o alumínio, e isso acontece usando a energia hidrelétrica. O custo menor para elas é manter essas indústrias que beneficiam o minério perto de usinas hidrelétricas. Onde estão essas explorações? Estão justamente na Amazônia, a região com a maior riqueza mineral do planeta. E o que essas grandes empresas eletro-intensivas querem? Querem explorar toda essa riqueza. Veja que algumas já têm uma planta pronta para uma indústria em Altamira para beneficiar a indústria de alumínio”.

Da mesma análise compartilha Marco Antonio Trierveiler, coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), para quem “é importante dizer que 32 % de toda energia elétrica produzida no Brasil é utilizada pela chamada indústria pesada, ou ainda conhecida com indústria eletrointensiva (celulose, alumínio, ferro-gusa, minérios, petroquímica, cimento). Essas empresas, além de gastarem muita energia, geram poucos empregos, são muito poluidoras e produzem basicamente para exportação”.

Na realidade, os maiores consumidores de energia serão grandes grupos, e entre eles, sobretudo, empresas exportadoras de commodities (matéria prima). A energia gerada na região será consumida particularmente, no caso de Belo Monte, pela Vale e a Alcoa, não sendo previsto nada para atender as comunidades locais que não possuem energia elétrica, por outro lado, o sudeste será o maior beneficiado pela energia gerada no Norte.

A argumentação de que a premência das usinas no Xingu, Madeira e Tapajós é para afastar em definitivo o risco de apagão é uma parte da verdade. Aliás, nessa perspectiva, o modelo energético brasileiro tributário de gigantescas usinas hidrelétricas – na mesma linha têm-se as usinas nucleares – distantes dos grandes centros demandadores de energia colocaram em ação um sistema integrado e centralizado. Se por um lado a integração é o ponto forte, a centralização é o ponto frágil, como se viu no último blecaute.

Será que é uma atitude inteligente centralizar a produção de energia em mega-hidrelétricas?

Insistir em fontes de energia altamente centralizadoras e que demandam enormes estruturas que causam poluição e devastação não se justificam mais porque são tributárias de uma sociedade que está ficando para trás. O pesquisador Jeremy Rifkin chama a atenção para o fato que estamos diante de uma nova Revolução. Segundo ele, “as novas tecnologias da comunicação convergem com as energias renováveis. É o que eu chamo de energia distribuída ou difusa. Porque as fontes renováveis – sol, vento, energia biotérmica, biomassa de rejeitos – encontram-se em nosso meio, igualmente repartidas em cada metro quadrado da superfície terrestre. Diferentemente das energias fósseis, como o petróleo e o carvão, cuja concentração territorial foi fonte de enormes problemas geopolíticos”.

Na prática, o que significa abraçar o modelo da energia difusa? Rifkin responde: “Significa converter toda casa individual, toda mansão, em uma pequena central energética que usa o sol, o vento, os rejeitos, estocando-os e redistribuindo-os. Significa que a energia não consumida para as próprias necessidades será repartida segundo uma lógica de cooperação e de solidariedade. Não é socialismo, mas sim uma economia de mercado híbrida, exatamente como a Internet, com fenômenos como o software “open source”, prefigurou uma superação do capitalismo puro, hibridizando-o com elementos de socialismo. Tudo isso já está começando a ocorrer e está mais próximo de vocês do que vocês acreditam”.

Rifkin nos dá uma ideia do que está por vir: “Estamos no início da terceira revolução industrial: no período dos próximos trinta anos tudo mudará como mudou quando o vapor foi substituído pela eletricidade. Desta vez, quem vencerá será a intergrid, a Internet da energia: uma rede elétrica interativa e descentralizada, que transformará milhões de consumidores em pequenos produtores de energia criando um sistema mais confiável, mais seguro e mais democrático. Os edifícios serão envoltos em fotovoltaicos e, em vez de sugar a energia, produzirão. Os motores dos automóveis poderão, por sua vez, transformarem-se em mini-centrais, os tetos dos pavilhões beberão a energia solar com seus painéis e a restituirão. Uma parte da eletricidade será consumida diretamente no local de produção, reduzindo a dispersão. É uma revolução radical que mudará toda a arquitetura do nosso sistema produtivo. E quem compreender isso primeiro guiará o novo salto industrial”.

Segundo ele, “o século que apenas se iniciou é o século da terceira revolução industrial. O século da Internet e a energia soft que é produzida a partir de baixo, nos bairros, nas casas, se articulando em rede, com entrada e saída, os fluxos de informação e da energia. É um modelo descentrado, democrático, mais confiável tanto do ponto de vista dos custos quanto daquele da independência da produção”.

O modelo explica a opção

A obsessão pela construção das usinas hidrelétricas que vem atropelando a legislação ambiental, é melhor compreendida quando contextualizada no âmbito da crise energética. A voracidade por energia está associada aos padrões sempre crescentes de produção e consumo. Não há país no mundo hoje que não esteja às voltas com a questão energética, que tem hoje o potencial de estrangular qualquer economia. O mundo necessita sempre mais de petróleo, carvão, gás, eletricidade, energia nuclear e agora biocombustíveis – como veremos à frente.

No caso brasileiro, o modelo econômico em curso, o neo-desenvolvimentismo – política econômica na qual o Estado exerce um forte papel indutor na perspectiva do crescimento econômico –, explica a “necessidade” das mega-hidrelétricas. O governo brasileiro está absolutamente convencido de que o seu papel é induzir o crescimento da economia, função que exerce através do binômio “Estado financiador” e o “Estado investidor”. O “Estado financiador”, utilizando o BNDES e os fundos de pensão, exerce o papel de indutor do crescimento econômico fortalecendo grupos privados em setores estratégicos. Por outro, o “Estado investidor” financia mega-obras de infra-estrutura. No caso das usinas hidrelétricas vemos em ação o “Estado investidor” emprestando sua musculatura financeira para viabilizar as obras.

Essas grandes usinas são, portanto, compreensíveis a partir da concepção neo-desenvolvimentista que se aplica no país. O governo está absolutamente convencido de que esse é o melhor caminho para o país. Aliás, está convencido de que não há outro caminho. Pensado a partir da lógica produtivista e sob a perspectiva da lógica imediata e pragmática, as usinas no Xingu, Madeira e Tapajós encontram argumentos justificáveis e favoráveis; pensada, entretanto, a partir da crise ecológica, essas mega-obras precisam ser complexificadas.

Amazônia. Biocivilização ameaçada

É inquestionável que o planeta Terra dá sinais cada vez mais reiterados e evidentes de esgotamento. Os sistemas físicos e biológicos alteram-se rapidamente como nunca antes aconteceu na história da civilização humana. Desde o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) de fevereiro de 2007, já não há mais contestação de que o responsável pela evolução acelerada da tragédia ambiental é a ação antropogênica sobre a Terra – o aquecimento global se deve à intervenção humana sobre o planeta. É o “modo de produzir” e o “modo de consumir” da sociedade mundial que está levando o planeta a exaustão.

É o tipo de desenvolvimento econômico implantado, especialmente, ao longo dos últimos dois séculos, baseado no paradigma do crescimento econômico ilimitado, na idéia de progresso infinito e na concepção de que os recursos naturais seriam inesgotáveis e de que a nossa intervenção sobre a natureza se daria de maneira neutra que se encontra a razão do impasse que vivemos.

Há algum tempo vimos insistindo que a crise ecológica exige uma abordagem a partir do paradigma da complexidade, como propõe Edgar Morin. Trata-se de perceber que “não só a parte está no todo, mas também que o todo está na parte”. Tudo está interligado, entrelaçado, e há uma interdependência entre as crises. Nossos problemas não podem mais ser concebidos como separados uns dos outros. Nesse sentido, a crise ecológica devolve à humanidade a consciência de que os destinos humanos e de Gaia são relacionados e interdependentes, estão entrelaçados e nesta perspectiva o princípio da “ecologia da ação” proposto por Edgar Morin é um princípio e um critério sugestivo para a análise em questão.

Segundo Morin, “desde o momento em que um indivíduo empreende uma ação, qualquer que seja ela, esta começa a escapar de suas intenções. Ela entra num universo de interações e finalmente o meio ambiente apossa-se dela num sentido que pode se tornar contrário ao da intenção inicial. Com freqüência a ação retorna em bumerangue sobre nossa cabeça”. O que Morin quer dizer é que toda ação implica em efeitos nem sempre controláveis e que mesmo uma ação realizada com o melhor dos propósitos, pode fugir ao controle e se voltar contra o objetivo inicial.

É nesse contexto, e tendo presente o papel do movimento social e das pastorais sociais que são identificados como independentes e comprometidos com os interesses populares, e exercem a análise crítica dos fatos, é que se pode afirmar que o Brasil parece não perceber que frente à crise epocal, manifesta sobretudo na crise ecológica, joga um papel estratégico.

Subordinar a biodiversidade da região amazônica ao produtivismo do sudeste é uma decisão inteligente e consoante aos novos desafios planetários? E ainda mais quando se sabe que a floresta e os povos nativos serão sacrificados para dar sustentação a um modelo de primarização – exportação de commodities?

Nesse sentido, a reflexão de Ignacy Sachs a partir do conceito de biocapacidade é sugestiva. Segundo ele, “a região Amazônica e sua floresta, talvez o laboratório individual mais importante da biocivilização moderna no mundo, representa uma grande responsabilidade e uma extraordinária chance para o Brasil”.

Sachs chama a atenção que a biocapacidade – definida como a capacidade regenerativa total da biosfera disponível para atender às necessidades humanas – do Brasil é alentadora. O economista destaca que “no momento, a pegada ecológica de cada membro da tripulação da espaçonave terra é 2.7 hectares globais, enquanto a biocapacidade à disposição é de apenas 2.1 hectares globais (…) e os últimos dados sobre o Brasil são: pegada ecológica total, 2.4 gha per capita; biocapacidade total, 7.3 gha; reserva ecológica, 4.9 gha”.

Uma das grandes fontes da biocapacidade brasileira encontra-se exatamente na região amazônica. Fato já indicado por outros autores. Infelizmente, o Brasil parece não enxergar essa potencialidade e tributário da lógica desenvolvimentista da sociedade industrial pode estar matando a sua “galinha de ovos de ouro”.

Conjuntura da Semana. Uma leitura das ‘Notícias do Dia’ do IHU de 01 a 09 de março de 2010 – A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das ‘Notícias do Dia’ publicadas, diariamente, no sítio do IHU. A presente análise toma como referência as “Notícias” publicadas de 01 a 09 de março de 2010. A análise é elaborada, em fina sintonia com o IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT – com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

(Ecodebate, 11/03/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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8 thoughts on “Xingu, Madeira e Tapajós: Energia para quê e para quem?

  • Mais uma vez o maestro ergue a batuta e põe os bonecos para mover, como na ópera Fausto. Já aconteceu no episódio do pré-sal, no lançamento de Belo Monte e a agora se repete a cena do plano decenal do Rio Tapajós (que horror: parece reunião do Politiburo). Nada contra o presidente exercitar o seu legítimo direito — das culminâncias do prestígio que as pesquisas lhe conferem — de eleger “sua candidato”. Em política vale tudo menos perder, como diz o cordel da “pequena política”, daqui de minas. Mas, o debate está surrealista demais. Guarda semelhança com os intermináveis debates de Quaderna e seus assessores em “A pedra do Reino” de Suassuna: O professor Sevá parece o Clemente Hara anverso e o Sarney é a caro do Samuel Wandernes. O Minc parece mais é “papagaio de pirata”. Dizem, por exemplo, que sua favorita foi guerrilheira, mas quem não o foi no contexto da época? FHC, Serra, Ciro e tantos outros componentes da fauna política atual. Até nós, que somos agnósticos em matéria de “política com p minúsculo”, ensaiamos os primeiros passos. Com Lula é diferente: chegou a ser preso mais nunca foi exilado. É o mais legítimo subproduto da herança sindicalista que ajudou a construir a exitosa indústria automotiva brasileira. O “cara” faz jus ao conceito que desfruta no cenário internacional: não vai fazer nada de sério, porque não há tempo hábil. Só quer marcar presença, enquanto seus oponentes caem docilmente feito patinhos nas ciladas habilmente armadas e todos entram na jogada do mestre, em cujas mãos todos vêm comer as suas migalhas. O presidente “enche a bola” dos congressistas com as promessas de fabulosos lucros do Pré-sal e construção da segunda maior hidroelétrica do mundo. Todos batem no peito e vibram com as imensas possibilidades que a divisão do bolo vai proporcionar. Alguns choram lágrimas de crocodilo. È, simplesmente ridículo: parece coisa de criança. Não se trata de aceitar ou não a síndrome do ‘fio d’água’ para os aproveitamentos hidrelétricos na Amazônia: esta é uma condição imposta pela realidade do relevo. Nem significa vergar-se ao ambientalismo-indigenismo neocolonial — uma sentença carregada de retórica — mas aos princípios elementares da física do século XVIII. A sociedade brasileira estaria privada dos confortos da vida moderna se tivesse mantido intacto o “território soberano”. Percorri as cabeceiras dos Rios Xingu e Tapajós (pelo Google naturalmente), inclusive cabeceiras do Teles Pires e fiquei estarrecido com as constatações óbvias: São Luiz do Tapajós — quase ao nível do mar (40 metros), encostado no Amazonas — mais parece adequado para uma usina Maré motriz (desculpe a comparação extemporânea). Os potenciais da vizinhança do Teles Pires têm pouca altura e pequena altitude para se tornarem candidatos a constituir estoques de energia que permita qualquer regularização. Pretender regularizar a vazão dos rios amazônicos é um atentado contra os princípios da física. Não resta alternativa senão aceitar as contingências do relevo e subaproveitar os potenciais na forma utilizada nas usinas do Rio Madeira. Pode ser pouco, mas é o que a natureza oferece. Entretanto, a pouca energia produzida por estes potenciais pode ser conjugada com termoelétricas a gás — imprescindíveis na Amazônia, como de resto em todo o sistema atual. Em ano eleitoral, os candidatos precisam mostrar serviço (grandes obras), ainda que na forma de promessas irrealizáveis, porque não há tempo hábil.

  • Thelma:
    “Operador Nacional do Sistema (ONS) que compensa o déficit em energia de uma região com a oferta de outra. Como Itaipu há anos vem sofrendo sobrecarga, outras usinas hidrelétricas auxiliarão na oferta e equilíbrio geral do sistema. Operador Nacional do Sistema (ONS) que compensa o déficit em energia de uma região com a oferta de outra. Como Itaipu há anos vem sofrendo sobrecarga, outras usinas hidrelétricas auxiliarão na oferta e equilíbrio geral do sistema”.
    Comentário:
    Itaipu sofre as conseqüências porque todo restante do sistema fica comprometido em manter reservatórios cheios para a prevenção de acidentes climáticos.
    Para o fim de regularizar as vazões os grandes reservatórios são exorbitantes, não precisam operar mais do que um terço de sua capacidade (observação visual), todo o resto constitui estoque de reserva para ocasiões de “seca”. Ora, esta é uma estratégia que implica em antecipação de capital. Não faz sentido antecipar investimentos a espera que acidentes aconteçam. Mais certo seria pagar o custo da imprevisibilidade, utilizando térmicas. Em seu trabalho premiado “Energia para o desenvolvimento” de 1980 — no pleno auge do choque do petróleo — o professor Goldemberg já alertava sobre as causas e conseqüências do elevado endividamento externo em razão da concentração dos empreendimentos hidroelétricos em obras de grande porte. “Recursos essenciais ao desenvolvimento dos países pobres estavam sendo transferido aos países industrializados”. Foi a época do “milagre econômico” e das “obras faraônicas” como Itaipu, Tucuruí e tantas outras obras muito criticadas pelo excesso de ufanismo.
    Mas o risco dos sistemas majoritariamente hidroelétricos não depende do clima apenas nos aspectos de manutenção de “energia garantida”, mas dos acidentes que o clima pode produzir sobre as linhas de transmissão como furacões, raios e tempestades. Quanto maior a quantidade de caminhos alternativos, menor o risco do transporte de grandes blocos
    Mas porque justo agora com nossa “maior celebridade” — considerada “a maior hidroelétrica do mundo” — foi acontecer o de repente (in) esperado? Qual a razão da súbita mudança de estratégia provocada pelas recentes notícias? Os sinais são claros:
     Postergada para 2010 a licitação da Usina de Belo Monte.
     Cadastramento preponderante de usinas térmicas para o leilão de energia nova marcado para 17 de dezembro.
     Só agora os especialistas e professores estão se manifestando sobre as fragilidades do Sistema Elétrico Brasileiro.
    “Apagões e inconfidências acontecem nas melhores famílias” da comunidade européia, não é privilégio de países subdesenvolvidos como atesta a maior freqüência nos Estados Unidos, cuja distribuição de energia é regionalizada e cujos efeitos são naturalmente restritos, ao contrário do Brasil que tem um sistema único interligado. Os técnicos da Eletrobrás — que foram extremamente eficientes ao projetar o Sistema Elétrico Brasileiro — já tiveram que lidar com problema semelhante de manter “energia garantida” em sistemas predominantemente hidroelétricos. Sistemas como este são naturalmente inseguros pela inerente dependência do fator tempo (clima) que constitui fenômeno probabilístico imprevisível. Não podendo contar com térmicas — indisponíveis na época para aumentar a confiabilidade — a estratégia de sucesso utilizada foram os reservatórios de acumulação, com evidente antecipação de investimentos e endividamento externo. Este, o preço pago pela intuição dos técnicos: o superdimensionamento. Projetam agora alongar a vida de um sistema de fonte única hidroelétrica ao repetir na Amazônia a mesma estratégia de sucesso utilizada no Sudeste com o emprego de reservatórios de acumulação. Sabidamente os potenciais de fio d’água da Amazônia não produzem estoques de energia, por isso a interligação elétrica por si só, não transfere estoques simplesmente porque não há estoques para transferir. As linhas de interligação com o Sudeste serão vias de mão única capazes de transportar unilateralmente estoque de energia do Sudeste — cujo campo gravitacional é muito mais eficiente — para o Norte, que não é aquela maravilha imaginada pelos brasileiros. Na direção contrária os “linhões” transportarão potência, ou energia instantânea gerada pelas enchentes do período chuvoso da Amazônia por usinas de fio d’água.. A interligação com o Norte só agrava os riscos operacionais de um sistema inerentemente inseguro pela sua elevada concentração. Como afirma Friedman, “nada é de graça”: assim como não existe meio ambiente impoluto não haverá sistema elétrico incólume. Não existem sistemas hidroelétricos isentos de risco, como se fosse possível e desejável um sistema de risco zero. Evidentemente isto é um absurdo. Ninguem que estude seriamente o problema considera o risco zero como estado de coisas desejáveis e possíveis. O preço da garantia é o superdimensionamento. A manutenção de “energia garantida” é muito dispendiosa por sua inerente dependência do clima. É um luxo somente permitido aos países industrializados. A forma natural de ter 100% de “energia garantida” é através de fontes térmicas porque nestas o combustível já constitui um estoque de energia, disponível a qualquer tempo, independente de condições climáticas. Aliás, ainda está por entender porque no não foi feito isso no recente apagão: na pressa esqueceu-se de abrir a torneira do gás e apertar o botão das termoelétricas. O que realmente falta para o sistema elétrico do Sudeste ter mais segurança operativa são caminhos alternativos por onde a energia fluir em quantidades menores. Enquanto prevalecerem os corredores de transporte otimizado o sistema continuará inseguro. O suprimento de energia da maior cidade do Brasil produzida pela maior hidroelétrica do mundo, transportada em tensão mais elevada do mundo acabaria desembocando no maior problema operativo do mundo.

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