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Artigo

Florestania Hippie, artigo de Moisés Diniz

[EcoDebate] A florestania hippie enxerga a cidade como o inferno de Dantes e sonha acolher na floresta os seus ex-cidadãos. Uma visão romântica e inviável, pois a florestania real, que vai sendo testada no Acre, olha o homem e a floresta como entes inteiros.

A florestania que se desenvolve no Acre, de forma inédita, está sendo capaz de aumentar o PIB e a renda per capita sem destruir o patrimônio natural, de construir espaços urbanos bonitos sem poluir os rios, de erguer obras vistosas sem acossar os animais da floresta, os pássaros, de levantar grandes pontes e até de cobrir o solo com asfalto sem comprometer o futuro, sem agredir o verde que sempre foi o dono do lugar.

Aqui no Acre, essa menina completou 11 anos e pouco tem se falado sobre ela. É preciso analisar esse tempo pré-adolescente e descobrir o que de sol ela trouxe e o que de noite ela não conseguiu levar ao amanhecer. Mais gente precisa discutir os seus rumos e até o que significa florestania.

Quando defendemos a florestania como um conceito que pode interferir na vida das pessoas, nós acreditamos que seu campo de ação não deve ficar restrito à floresta. Ela deve vencer os cipoais, cruzar os varadouros e emergir dos seus lagos encantados e sombrios.

A florestania é o homem vivendo a plenitude de seus direitos civis e sociais na floresta. Durante um século, o tempo de nossa existência como acreanos, fomos preconceituosos com a floresta, interditamos a sua beleza e cultuamos o concreto e as bugigangas culturais européias.

Aqui fomos tão longe no embrutecimento de nossa memória e no extermínio de nossas raízes que, somente em 1970, o estado do Acre reconheceu oficialmente a existência de povos indígenas em seu território.

Chegamos ao ridículo de construir nossas moradias de costas para o rio, como se ele e suas águas, seus peixes e seus encantos nos envergonhassem. Travamos a nossa língua e escondemos a sintaxe cabocla da floresta profunda. Anulamos as nossas origens.

Ocorre que aqui tudo é floresta. Somos apenas 22 clareiras no meio da imensa floresta de árvores, animais, lagos, insetos, peixes, pássaros e larvas. Em nenhum lugar urbano do Acre andamos mais de 20 km para encontrar a floresta.

Estamos tão próximos da floresta que, muitas vezes, nos comportamos como os animais ou os insetos que estão no seu interior. Quantas vezes nos comportamos como a cotia, a roubar a mandioca dos roçados próximos ou como as formigas que erguem o barro coletivo e a solidariedade.

Somos um imenso oceano de árvores e toda beleza natural que brota no seu entorno, um jardim de Éden, apesar dos piuns e das muriçocas. De Mâncio Lima a Assis Brasil são 153 mil km2 de florestas profundas, a proteger 21 pequenas cidades e a capital que, juntas, mal ultrapassam o meio milhão de habitantes.

Assim, devemos olhar a florestania como um conceito integral, que proporcione vida digna ao acreano na moradia, no alimento, no vestuário, na escola, no transporte, na cultura, no lazer e no hospital, quando adoecer.

Aqui reconhecemos que esse conceito, transformado em política de governo, evitou a morte de milhares de hectares de floresta, sustou a matança de milhares de espécies vivas e evitou a descarga de milhares de toneladas de carbono. Aonde foi possível ergueu belos espaços urbanos de lazer e de cultura e suavizou a paisagem com amplas e belas avenidas. Ergueu escolas aprazíveis e modernos hospitais.

Mas, não atingiu ainda o coração privado. O transporte coletivo ainda é de tirar a paciência de qualquer um que o use e as nossas construções não levam em conta uma arquitetura verde e o clima chuvoso da Amazônia.

Não tem explicação nossos prédios não permitirem abrir as janelas durante as chuvas, que são constantes durante 8 meses do ano, o que reduziria o custo da energia elétrica e combateria o aquecimento global.

A nossa arquitetura amazônica deve ser verde, capaz de aproveitar as correntes frias do ar da chuva e permitir formas mais modernas e futuristas de aproveitamento da luz do sol.

Não podemos pensar numa sociedade sustentável se os lugares aonde as pessoas vivem, trabalham e estudam não forem erguidos sob os paradigmas de uma arquitetura verde, sustentável.

Se fomos capazes de criar um conceito inédito e de torná-lo política de governo, devemos usar da mesma engenharia criativa para constituir uma arquitetura verde e um transporte coletivo que seja modelo para o Brasil.

Além dos prédios e dos ônibus, como símbolos da sustentabilidade coletiva e do avanço das condições materiais, precisamos levar a florestania aos corações humanamente partidos, às almas contrariadas e aos lugares mais defeituosos da condição humana.

Aonde houver um acreano doente, seja no corpo, seja na alma, precisamos alcançá-lo, erguer a sua auto-estima e entregar-lhe a esperança de um abraço irmão. Do contrário, será como se estivéssemos a erguer praças e esquecendo das crianças que não conseguem brincar ou sentar nos seus bancos.

A florestania deve atingir toda a condição humana, iluminar todos os espaços, fortalecer todos os laços, anistiar o contraditório e sepultar o preconceito contra a floresta e os homens pobres. Ela precisa unir a floresta aos espaços e entes urbanos.

A florestania que defendemos é completa, é florestal, é urbana, é moderna, é humanista, é fraterna e tem no homem amazônico a sua grande aposta. Por isso, ela precisa estar cada vez mais perto do povo, acolher mais o contraditório e ouvir mais a academia, as aldeias, a intelectualidade e as ruas.

* Colaboração de Moisés Diniz, neto de nordestinos e índios ashaninkas, deputado estadual do Acre, para o EcoDebate, 05/01/2010

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