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Ecos da COP 15: Lições de Copenhague e a urgência de outro paradigma

COP 15

Na análise de Boff, Copenhague nos ensina duas lições: “A primeira é a consciência coletiva de que o aquecimento é um fato irreversível, do qual todos somos responsáveis, mas principalmente os países ricos. E que agora somos também responsáveis, cada um em sua medida, do controle do aquecimento para que não seja catastrófico para a natureza e para a humanidade. A consciência da humanidade nunca mais será a mesma depois de Copenhague. Se houve essa consciência coletiva, por que não se chegou a nenhum consenso acerca das medidas de controle das mudanças climáticas?”

Aqui surge a segunda lição, diz Boff: “O grande vilão é o sistema do capital com sua correspondente cultura consumista. Enquanto mantivermos o sistema capitalista mundialmente articulado será impossível um consenso que coloque no centro a vida, a humanidade e a Terra e se tomar medidas para preservá-las. Para ele centralidade possui o lucro, a acumulação privada e o aumento de poder de competição. Há muito tempo que distorceu a natureza da economia como técnica e arte de produção dos bens necessários à vida. Ele a transformou numa brutal técnica de criação de riqueza por si mesma sem qualquer outra consideração. Essa riqueza nem sequer é para ser desfrutada mas para produzir mais riqueza ainda, numa lógica obsessiva e sem freios”.

O ambientalista Henrique Cortez, na mesma trilha de Boff, destaca que Copenhague fracassou e continuará fracassando porque “ninguém colocou em debate o atual modelo de desenvolvimento, predatório por definição. Sem esta discussão, continuaremos discutindo como tratar câncer com placebo”, diz ele.

“Enquanto mantivermos o sistema capitalista mundialmente articulado será impossível um consenso que coloque no centro a vida, a humanidade e a Terra e se tomar medidas para preservá-las”, diz Boff. O capitalismo com sua ideologia liberal, assim como certa leitura dogmática do marxismo repousam sobre a noção de um progresso infinito e que repetem exaustivamente o mantra do crescimento. Essas correntes trabalham com a idéia de que os recursos naturais do planeta são finitos e que o modelo econômico baseado na produção e no consumo infinito. Esse pensamento tornou-se anacrônico, já não é mais possível.

Estudos comprovam que a pegada ecológica – o impacto do consumo sobre o planeta está muito forte. A pegada usa como unidade o hectare global, que, como o hectare normal, tem 10 mil metros quadrados, mas mede a capacidade de produção de recursos naturais de toda a superfície terrestre – o que inclui áreas de cultivo, florestas, rios e mares, mas não desertos e geleiras.

No mês passado, a ONG americana Global Footprint Network divulgou um índice atualizado com a pegada ecológica do Brasil e de outros 150 países, baseado em dados das Nações Unidas de 2006. De acordo com ele, cada brasileiro tem uma pegada de 2,25 hectares globais, ou seja, a produção de tudo o que consome precisa de 22,5 mil metros quadrados. A média brasileira é um pouco menor que a mundial, segundo a qual cada pessoa na Terra consome 2,6 hectares globais por ano. Mas, e aí está o problema, a Global Footprint calcula que o total disponível de área produtiva no mundo, a chamada biocapacidade, é de apenas 1,8 hectare global por pessoa. Além disso, a biocapacidade vem diminuindo – seja pelo aumento da população ou pela degradação de solos e mares.

Isso significa que os 6,6 bilhões de habitantes do mundo consomem juntos quase 1,5 planeta Terra por ano, com base nos dados de 2006. Ou seja: a população hoje usa em 1 ano recursos que o planeta só consegue repor em 18 meses. No relatório de 2008, baseado em dados da ONU de 2003, a humanidade consumia 1,3 planeta.

“É como se o mundo fosse uma caixa d’água que é abastecida por uma torneira e fornece água por outra, mas a quantidade de água que sai é muito maior do que a que entra”, compara o coordenador do Programa de Educação para Sociedades Sustentáveis da entidade ambientalista WWF-Brasil, Irineu Tamaio. “Por enquanto, a caixa ainda tem água, mas muito em breve ficará vazia. Nós já estamos roubando recursos das próximas gerações.”

Apenas dez países são responsáveis por 50% da pegada ecológica mundial, e o Brasil está entre eles. No topo da tabela estão Emirados Árabes e Qatar. “Os dois são grandes exportadores de petróleo por um lado e, por outro, importam praticamente tudo o que consomem, porque tem uma área pequena e pouco produtiva para dar conta do seu consumo interno”, explica a diretora de Estratégias da Global Footprint, Jennifer Mitchell. Isso faz com que cada morador desses países tenha pegadas ecológicas próximas de 10 hectares globais. “É diferente dos Estados Unidos, que têm uma das maiores biocapacidades do mundo, mas pegada muito alta por causa da mentalidade consumista da sociedade.”

A pegada dos EUA supera em mais de três vezes a média mundial: é de 9,4 hectares globais (ou mais de 11 Maracanãs) per capita. Assim, se toda a população do mundo tivesse os hábitos de consumo dos americanos, seriam necessários 5 planetas para manter seu estilo de vida e os recursos naturais provavelmente se esgotariam em menos de 20 anos. Jennifer ressalta que, com os mesmos padrões de conforto e bem-estar, os europeus conseguiram atingir uma pegada ecológica de 5 hectares globais per capita, a metade da americana. Cada um pode medir a sua pegada ecológica.

A crise climática e o fracasso em Copenhague anunciam que precisamos de um novo paradigma civilizacional porque o atual chegou ao seu fim e exauriu suas possibilidades. Necessitamos agora de uma outra economia, um outro estilo de vida, uma outra civilização, outras relações sociais.

Urgência de outro paradigma

A questão do aquecimento global coloca enormes desafios que requerem uma mudança de paradigma sem o qual não é possível enfrentá-los de maneira adequada. Neste sentido, ganha relevância o debate sobre a “justiça climática”, isto é, a atenção devida e necessária aos pobres da Terra, que são, como em todas as catástrofes, sempre os primeiros e os maiores penalizados.

Os países mais pobres são os menores poluidores, mas aqueles que vão ter que arcar com os maiores prejuízos resultantes da mudança climática. A justiça climática implica em remediar as carências em termos de direitos básicos fundamentais da pessoa humana – saúde, educação, água, trabalho… Portanto, tem a ver com a redução das desigualdades sociais. Entrar em um outro paradigma civilizatório requer uma nova compreensão de economia. E aqui se coloca todo o debate – não consensual – sobre o ecodesenvolvimento, ainda embrionário.

Há diversas correntes, que vão desde o “decrescimento”, capitaneada pelo economista francês Serge Latouche, que acaba de lançar no Brasil Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno (WMF Martins Fontes), na esteira do também economista Nicholas Georgescu-Roegen, até a tese da “condição estável”, propugnada por Herman Daly, o economista ecológico vivo mais importante. Segundo o economista brasileiro José Eli da Veiga, um dos maiores economistas ecológicos brasileiros, a tese sobre a condição estável “é bem diferente do decrescimento, e é muito mais palpável para imaginar que alguns países do mundo possam começar a encarar ainda nesse século”.

No debate sobre os novos caminhos a serem trilhados pela economia a questão das fontes energéticas torna-se crucial. Descarbonizar a economia é vital para o futuro do Planeta. Além disso, como sempre insiste com argúcia o ensaísta norte-americano Jeremy Rifkin, “o ponto central é a passagem de um modelo centralizado, vertical, baseado no poder de oligopólios, para um modelo descentralizado em que a energia é produzida pelas instalações renováveis. A energia irá viajar na rede como as informações na Internet”.

Este modelo vai na contramão do modelo energético brasileiro, altamente centralizador, mais facilmente passível de ser atacado e derrubado, causando blecautes, como aquele que aconteceu em novembro passado.

O fato é que, como diz Rifkin, as políticas “estão presas à geopolítica, olham para trás. O que conta, pelo contrário, é a passagem à política da biosfera, às escolhas industriais que utilizam os recursos renováveis dos ecossistemas deixando intactas as bases da produção, em vez de consumi-las com a poluição”.

Em tudo isso, os países ricos têm um papel importante e irrenunciável, no sentido de ajudar e proporcionar aos países pobres e em desenvolvimento, condições para que possam fazer a passagem para uma nova fase de desenvolvimento sem passar necessariamente pela revolução industrial. A liderança econômica virá da exploração das novas possibilidades abertas pela crise. Será uma liderança “baseada na eficiência energética e nas energias renováveis, no hidrogênio e nos edifícios que produzem mais energia do que a que consumimos.

Sobre esse projeto, pode-se forjar uma frente que compreenda países de tecnologia avançada e países em desenvolvimento, oferecendo os instrumentos mais avançados para quem ainda não desenvolveu a Segunda Revolução Industrial. Desse modo, é possível pular uma fase de desenvolvimento, levando por exemplo as energias renováveis a quem nem conectou a rede elétrica e mantendo juntos o crescimento econômico e os cortes às emissões”, como adverte Rifkin.

Mas, como chama a atenção o jornalista francês Hervé Kempf, autor do livro Como os ricos destroem o Planeta, é igualmente importante acabar com o que se poderia chamar de “espelhismo do consumo”, isto é, a tendência de que os mais pobres olham e aspiram o modo de consumo dos mais ricos e estes, por sua vez, nunca têm limites para o seu consumo. Isso, diz ele, “nos empurra para uma crise ecológica”.

Conjuntura da Semana. Uma leitura das ‘Notícias do Dia’ do IHU de 09 a 22 de dezembro de 2009

A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das ‘Notícias do Dia’ publicadas, diariamente, no sítio do IHU. A presente análise toma como referência as “Notícias” publicadas de 09 a 22 de dezembro de 2009. A análise é elaborada, em fina sintonia com o IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT – com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

(Ecodebate, 05/01/2009) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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