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Notícia

Reação ao desmatamento ilegal: Movimento em defesa do Arapiuns continua

Comunitários avaliam ato da queima da madeira das balsas bloqueadas, discutem a criminalização do seu movimento social, articulam participação em fiscalizações de madeireiras em Nova Olinda, ouvem compromissos de Secretário Estadual e planejam continuidade do movimento em defesa da vida e a cultura do Arapiuns.

No último sábado, 05/11, cerca de 200 moradores de 26 comunidades da região do Rio Arapiuns, Nova Olinda e Maró estiveram reunidos na comunidade de São Pedro, em mais um dia de mobilização em defesa de seus territórios e da vida sustentável na região. A reunião foi um momento de avaliação dos recentes protestos do movimento, dos avanços obtidos e problemas encontrados, assim como de planejamento dos próximos passos da mobilização, que segundo os comunitários, está apenas começando.

Os comunitários protestam contra a exploração de madeira na Gleba Nova Olinda, exigem maior fiscalização dos órgãos públicos com acompanhamento do movimento, a proteção de áreas pretendidas pelas comunidades indígenas em processo de estudos junto à FUNAI, e o aumento da área decretada para o PAEX (Projeto de Assentamento Agroextrativista) das comunidades de Vista Alegre de 05 mil para 25 mil hectares.

Na avaliação do último protesto em que balsas carregadas de madeira retiradas na região de Nova Olinda, foram bloqueadas, na praia em frente à comunidade de São Pedro, os comunitários destacaram os motivos que levaram à queima da madeira. Após quase 30 dias à espera de representantes do governo, mesmo após a convocação do Ministério Público Federal, “nenhum órgão enviou autoridades com poder de decisão, pois mandaram apenas alguns técnicos que vinham ouvir, mas nada podiam decidir sobre nossas reivindicações”, comentou uma liderança comunitária durante a reunião. Segundo eles a queima da madeira, foi um ato de protesto, em que a ausência do estado foi determinante. “Não gostaríamos que a situação tivesse chegado a esse ponto, mas o povo estava determinado a lutar pra defender o que é seu”, comentou o manifestante.

O movimento não se caracteriza apenas pelas comunidades que se auto reconhecem indígenas, mas também pelas demais comunidades tradicionais, não apenas da área de Nova Olinda, mas de toda a região do Arapiuns.

Criminalização do movimento social

Os comunitários avaliaram como a opinião pública reagiu ao protesto, admitindo falhas, mas principalmente condenando a forma como boa parte da imprensa regional noticiou os acontecimentos, buscando dar uma enfoque mais policialesco do que abrindo espaço para que o lado do movimento pudesse expressar suas reivindicações.

Na oportunidade, o presidente da comunidade de São Pedro, Sr. Carlos Alberto Nogueira leu as denúncias feitas pelo proprietário da balsa, Jeferson Azulai, à polícia civil no dia 17 de outubro, da qual teve acesso através de documento entregue por um oficial de justiça. Na denúncia, consta que os comandantes das balsas foram abordados com várias rabetas com pessoas todas armadas, com terçados, machados e espingardas… que a tripulação foi rendida forçando a encostar as balsas na praia, onde foram informados que estava tendo uma manifestação pacífica… mantendo a tripulação refém, durante três dias sem alimentação, que se saíssem eles atirariam…

Enquanto lia o documento, Carlos era interrompido com os comunitários repudiando as denúncias de uso de armamento e cárcere privado. “Esse cidadão não sabe o que é cárcere privado, porque o tempo todo os comandantes da embarcação saíam andando na comunidade, podiam usar o telefone e iam até toma cerveja na minha casa, ficando totalmente livres pra irem onde queriam”, afirmou o presidente da comunidade.

O jovem conhecido como Jorginho, de São Francisco, afirmou: “isso que fizemos não foi vandalismo, foi um ato de coragem sim, porque o direito das comunidades parece que está só na conversa e no papel e o povo se cansou de esperar. Imagine simplesmente você ver passar 20 balsas carregada de madeira por semana no nosso rio, e porque tomamos a iniciativa de escudar-se com duas balsas de madeira, todo mundo ficou contra”, justificou.

O protesto das comunidades foi dado como legítimo até mesmo por algumas autoridades, como o Procurador do Ministério Público Federal em Santarém, Cláudio Dias. Em entrevista à nossa reportagem, o procurador declarou que “há realmente uma omissão dos órgãos responsáveis pela fiscalização, a SEMA é omissa, tanto que ela nem tem fiscais em Santarém, os fiscais são de Belém. Por isso que nós confiamos na palavra dos manisfestantes quando eles dizem que está havendo extração ilegal de madeira, que é um problema grave e frequente em nossa região. O que eles pedem é a aplicação da lei, maior fiscalização no local”. No entanto, em relação à queima da madeira das balsas, Dias afirma que “ o Ministério Público não aprova esse tipo de conduta, desaprova. As pessoas que fizeram isso vão ser responsabilizadas, mas a minha grande preocupação com atos desse tipo é que se mude o foco, prejudicando a própria imagem da manifestação com a opinião pública, se vendo mais a queimada do que suas próprias reivindicações”, declarou.

Pelo que se percebe, o procurador estava certo. Boa parte das informações divulgadas sobre o movimento tem foco na queima da madeira e não nas questões centrais em pauta. Na reunião, os manifestantes tomaram conhecimento de denúncias de que haveriam ateado fogo novamente em madeiras estocadas no pátio de uma das empresas instaladas em Nova Olinda. A informação foi ridicularizada na reunião, pelo fato dos comunitários afirmarem que as empresas possuem seguranças noturnos e dos líderes do movimento estarem em reuniões na cidade de Santarém no dia em que 10 toras de madeira foram queimadas.

Fiscalização

Uma das principais reivindicações do movimento, a fiscalização “pente-fino” em Nova Olinda, começou a ganhar corpo com a pressão do Ministério Público e os acontecimentos do dia 10/11. Durante a reunião, o representante do Instituto de Desenvolvimento Florestal do Pará, Joaquim Vieira, informou que o início das fiscalizações previstas para os próximos dias, em áreas com Planos de Manejo, contará com a presença do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (IBAMA), Polícia Federal, Instituto de Terras do Pará (Iterpa), Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), representação dos madeireiros e do movimento. Um dos temas da reunião era sobre o número de representantes do movimento na fiscalização. As empresas madeireiras, que vão arcar com parte dos custos da operação, propõe apenas três vagas ao movimento, que pretende levar cerca de 10 representantes.

A fiscalização será momento importante, tanto para as empresas quanto para o movimento esclarecer a situação dos planos de manejo e buscar encaminhamentos para resolver a questão, com a participação e controle social das comunidades.

Ordenamento territorial

A região de Nova Olinda tem sido palco de conflitos entre madeireiros, grileiros e comunidades ribeirinhas desde 2002 e ficou mais evidente quando o Iterpa, ainda na gestão do Governo Jatene, emitiu seis autorizações de detenção de imóvel rural, em lotes com tamanhos entre 2 mil e 2,6 mil hectares, para seis empresários, com o objetivo de realizar a exploração madeireira. Vale ressaltar que isso aconteceu em um momento conturbado da gestão ambiental do Estado, envolvendo fatos como a prisão do gestor da SECTAM à época, Raul Porto, envolvido com corrupção para a liberação de licenças para empresas madeireiras.

Desde então, as comunidades vivem embates para defender territórios historicamente ocupados e manejados para a sobrevivência de sua população, que com frequência se choca com os interesses dos novos ocupantes das áreas.

Mais recentemente, já na gestão do Governo Ana Júlia foi iniciado um processo de ordenamento territorial, fruto de novas diretrizes da política ambiental do estado, mas também da pressão do Sindicato dos Trabalhares Rurais, CPT e organizações não-governamentais como Projeto Saúde e Alegria, que conduziram juntamente com órgãos públicos um processo de mapeamento participativo que identificou as áreas ocupadas, a presença dos madeireiros e áreas comunitárias, e constatou irregularidades, conforme consta em relatórios do IBAMA na época.

Um novo campo de batalha se abriu, desta vez com um pouco mais de espaço de participação das comunidades. No entanto, várias pendências ainda permanecem, e o Governo, após alguns decretos, fechou-se ao diálogo sobre o assunto com as comunidades enquanto restavam questões importante a encaminhar.

É o caso do decreto que cria o PAEX Vista Alegre com 5 mil hectares, enquanto que as comunidades de Prainha e a própria Vista Alegria, reivindicaram uma área muito maior, de 25 mil hectares. Na questão, há grande interesse das empresas madeireiras em expandir sua exploração na área.

Estado reconhece comunidades indígenas e que há direitos violados, diz Secretário

Até o dia da reunião em São Pedro, uma das principais reclamações do movimento era a falta de consideração do Governo do Estado em enviar representantes com poder de encaminhar decisões para dialogar com os comunitários. Por pura coincidência, em meio à reunião, uma comitiva liderada pelo secretário adjunto de Estado de Justiça e Direitos Humanos, Tales Contabelo, chegou na comunidade acompanhando de um grupo de indígenas da Venezuela, em intercâmbio com as comunidades indígenas do Arapiuns.

Cantabelo pediu apenas para dirigir algumas palavras aos comunitários, mas as lideranças exigiram que ele permanecesse por mais tempo na reunião para ouvir o que eles tinham a dizer. Na oportunidade, o movimento apresentou uma série de explicações sobre os acontecimentos e suas reivindicações.

“Reconhecemos que esta região é composta por comunidades tradicionais e também por comunidades indígenas que tem o direito de ter suas áreas protegidas….aqui não vejo bandidos, aqui vejo pais e mães de família, trabalhadores que estão aqui procurando defender seu meio ambiente não só pra sua geração mas para as futuras que por aqui vão estar. É uma demanda legítima, que chegou a um ato que à luz da lei não é correto, mas se reconhece que fizeram isso porque não tinham mais possibilidade de negociação”, disse o secretário na Assembléia.

No entanto, Cantabelo orientou o movimento para que as negociações sejam feitas à base do diálogo, evitando conflitos maiores e reconheceu que a situação merece atenção especial, e que o estado precisa mediar o problema não apenas do ponto de vista da política ambiental, mas também do ponto de vista social e cultural. Por esse motivo, se comprometeu em agendar uma reunião a nível de secretários de Estado, juntamente com a Governadora Ana Júlia e retomar com os resultados da reunião ao movimento.

O movimento continua

O movimento em defesa da vida e da cultura do Arapiuns, como se autodenomina, está decidido em continuar as manifestações até que duas reivindicações sejam atendidas. Na primeira delas, em relação à fiscalização das áreas onde atuam as empresas madeireiras, as lideranças vão aguardar o resultado das operações previstas para os próximos dias, da qual devem participar, e a divulgação dos relatórios pelos órgãos competentes.

Em relação à ampliação da área do PAEX Vista Alegre, o movimento esta reunindo provas, inclusive com gravações em vídeo, onde os moradores das comunidades envolvidas afirmam ter necessidade de sua área de 25 mil hectares e não apenas cinco como decretou o Governo do Estado. Esse desejo das comunidades vem sendo contestado por uma recém criada associação que se denomina legítima e legal representante das comunidades, enquanto que em reuniões anteriores, com a assessoria do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, os moradores fizeram um abaixo assinado onde pedem a revogação do decreto de cinco para 25 mil hectares.

Em relação às áreas das comunidades indígenas, o movimento pretende apoiá-las para que tenham uma definição e maior celeridade do processo junto à FUNAI e a garantia do governo do Estado de que sua áreas estarão protegidas até que a questão sobre a demarcação das terras esteja completamente resolvida.

A preocupação dos comunitários segue sendo a defesa intransigente de seus territórios e do meio ambiente. “Não queremos que um rio muito bonito, se transforme em um rio de lágrimas, por culpa da omissão do estado, pela ganância de alguns pelas riquezas da nossa região”, disse Carlos Nogueira da comunidade de São Pedro.

Reportagem de Fabio Pena na Rede Mocoronga, rede de comunicação comunitária na Amazônia

Colaboração de Rogério Almeida para o EcoDebate, 12/12/2009

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