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Estudo documenta que negros e pardos do Rio têm mais genes europeus do que imaginam

Estudo documenta que negros e pardos do Rio têm mais genes europeus do que imaginam
No estudo, os autores discutem seus achados à luz das políticas públicas relacionadas às questões raciais, buscando promover a inclusão social (Foto: Cefet MT)

Um novo estudo compara as percepções pessoais de cor, raça e ancestralidade de um grupo de estudantes do Cefet, escola pública de educação profissional situada em Nilópolis, município da Baixada Fluminense, na periferia do Rio de Janeiro. O objetivo da pesquisa multidisciplinar foi investigar as complementaridades e tensões entre as noções culturais e genéticas relacionadas com a temática que envolve cor e raça. Patrocinada pelo CNPq, a investigação incorpora abordagens da genética e da antropologia, e estabelece um diálogo entre esses campos disciplinares. O artigo sobre a pesquisa está na edição de dezembro da revista Current Anthropology.

O artigo é assinado por sete pesquisadores brasileiros, três deles da Fiocruz: o sociólogo Marcos Chor Maio, da Casa de Oswaldo Cruz, os antropólogos Ricardo Ventura Santos, da Escola Nacional de Saúde Pública, e Simone Monteiro, do Instituto Oswaldo Cruz, que realizaram a pesquisa com os antropólogos Peter Fry, da UFRJ, José Carlos Rodrigues, da PUC-Rio, e os geneticistas Luciana Bastos-Rodrigues e Sergio Pena, da UFMG.

“Nas últimas décadas, biólogos, especialmente os geneticistas, têm afirmado repetidamente que a noção de raça não se aplica à espécie humana”, escrevem os autores. “Por outro lado”, sustentam, “cientistas sociais afirmam que o conceito de ‘raça’ é altamente significativo em termos culturais, históricos e sócio-econômicos”. Por quê? “Porque molda o cotidiano das relações sociais e é um poderoso motivador para os movimentos sociais e políticos com base em recortes raciais”.

Atualmente, as questões relacionadas com a temática da raça, e suas concepções científicas e culturais, despertam debates em todo o mundo, inclusive no Brasil. Os brasileiros se orgulham de sua ascendência miscigenada, fruto das relações entre europeus, africanos e ameríndios. No entanto, nos últimos anos, as desigualdades raciais têm estimulado o surgimento de propostas de políticas que provocam controvérsias, como as cotas raciais para empregos em órgãos do governo e vagas para estudantes nas universidades públicas. “Ao mesmo tempo”, destacam os autores, “os resultados dos estudos no campo da genética, que enfatizam a ampla miscigenação da população brasileira, têm sido divulgados nos meios de comunicação (…), e vêm desempenhando um papel importante nos debates sobre a implementação de políticas públicas baseadas em raça”.

Nesse contexto, os autores do trabalho fizeram uma pesquisa com os adolescentes da escola técnica de ensino médio, o Cefet de química de Nilópolis. Em um primeiro momento da pesquisa, os alunos responderam a uma série de perguntas sobre características sócio-econômicas e sobre pertencimento a cor/raça, seguindo-se a classificação do IBGE. Também foram captadas informações sobre as percepções de ancestralidade. Os alunos forneceram amostras biológicas, a partir das quais foram realizados testes de ancestralidade genômica, com base na análise do DNA nuclear, na UFMG. Na etapa final da pesquisa, os dados de percepção de ancestralidade e dos testes genômicos foram debatidos pelos estudantes em grupos de discussão.

“Os resultados dos testes de ancestralidade genômica são bastante diferentes das estimativas de ascendência percebidas”, relatam os investigadores. Em geral, os resultados dos testes genéticos mostraram que os alunos têm ascendência européia bem mais expressiva do que pensavam. Os estudantes que se classificaram como “pretos”, por exemplo, relataram, em média, ascendência africana de 63%; ameríndia de 20% e 17% europeia. Os testes de DNA mostraram resultados bem diferentes: a ascendência européia predomina. A média é de 52% de ancestralidade européia; 41% africana e 7% ameríndias.

Os alunos que se classificaram como “pardos” perceberam que teriam aproximadamente os mesmos índices de ancestralidade europeia, africana, e ameríndia. O teste de ancestralidade genômica, de novo, trouxe resultados com índices mais “europeizantes”: mais de 80% em média. Os estudantes “brancos”, que se percebiam como portadores de substancial ascendência africana e ameríndia, se defrontaram com resultados de testes genéticos que, na realidade, evidenciaram que têm muito pouca ancestralidade africana e ameríndia.

As reações dos estudantes, diante dos resultados, foram variadas. “Os alunos que se classificaram como ‘brancos’ em geral declararam-se decepcionados com os baixos percentuais para as categorias africano e ameríndio a partir dos testes de ancestralidade genômica”, escrevem os autores. Outros ficaram “desconcertados” quando verificaram que os resultados de seus testes genéticos mostraram alta ascendência europeia.

Alguns alunos inclusive deixaram em um segundo plano a importância da evidência biológica: “apesar da elevada percentagem de ancestralidade genômica européia, não vou deixar de ser negro nunca!”, disse uma estudante. Outra jovem recebeu a notícia com humor, comentam os autores do artigo: “uma menina, que havia se classificado como ‘parda’, falou sobre o desejo de ser bailarina, mas, segundo ela, o processo de admissão das companhias de balé, especialmente o balé clássico, favorecem as meninas brancas”. Os pesquisadores dão ênfase a outro trecho da fala da estudante: “Em tom de brincadeira, ela disse que no próximo teste de admissão, vai dançar com os resultados da análise genômica colados à testa, para comprovar sua ascendência predominantemente européia”.

Alguns estudantes trouxeram para as discussões, temas relacionados com políticas públicas voltadas para questões raciais. “A minha ancestralidade genômica é 96% europeia, 1% ameríndia e 3% africana”, disse um deles, que ainda ironizou: “acho que a única coisa que muda é que eu não tenho mais a chance de conseguir a cota”.

“Neste estudo”, escrevem os autores, “ressaltamos a importância de se melhor compreender as complexas formas de como as informações sobre genética são interpretadas pelo público leigo”. Eles também discutem os resultados de sua investigação, frente às políticas públicas relacionadas às questões raciais, visando promover a inclusão social. Outro aspecto destacado pela equipe interdisciplinar de pesquisadores diz respeito à necessidade de um maior diálogo entre as ciências biológicas (genética, em especial) e as ciências humanas, em torno de temas complexos como esses com os quais trabalharam: cor, raça e ancestralidade.

Current Anthropology é dedicada à divulgação de pesquisas no campo da antropologia. A revista é publicada pela Editora da Universidade de Chicago e pode ser acessada aqui.

O artigo de Ricardo Ventura Santos e colaboradores, cujo título é “Color, race and genomic ancestry in Brazil: Dialogues between anthropology and genetics” (Cor, raça e ancestralidade no Brasil: Diálogos entre antropologia e genética) e pode ser acessado aqui.

Reportagem de Kevin Stacey, da Current Anthropology (tradução e edição de Ruth B. Martins), pela Agência Fiocruz de Notícias e publicada pelo EcoDebate, 30/11/2009

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