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Governo cede áreas protegidas: Índios, posseiros e fazendeiros ficarão com partes de florestas e parques nacionais

O governo está disposto a abrir mão de uma área de 2.907.976 hectares em nove unidades de conservação espalhadas pelo Brasil. Essas terras, atualmente objeto de disputa, serão cedidas a posseiros, índios ou fazendeiros. Outra parte será afetada pela construção de hidrelétricas. Algumas já estão degradadas.

Dessas nove unidades de conservação, sete ficarão menores e duas terão as perdas compensadas com ampliação da área em regiões limites, que ainda estão preservadas. A lista de áreas que serão revistas inclui ainda outras duas unidades que não sofrerão cortes. Pelo contrário, serão ampliadas para preservar a vegetação local.

No total, haverá um acréscimo de 330.666 hectares. As negociações para alteração das áreas passam por audiências públicas e terminam com a aprovação do Congresso, com o aval do presidente da República. Reportagem de Adriana Vasconcelos e Catarina Alencastro, O Globo, de 12/10 e 13/10/2009.

Uma das áreas em litígio fica em Rondônia. No intricado acordo já fechado entre a União e o estado sobre a Floresta Nacional (Flona) de Bom Futuro, o governo federal perderá 61,8% da unidade (168.000 hectares).

Mas o estado repassará à União uma outra área, separada da Flona, de 180.000 hectares. Essas terras virarão sítios de proteção integral.

Escolas e igrejas em área desmatada

A floresta vem sendo ocupada há décadas por posseiros, que lá criam cerca de 35.000 cabeças de gado. Eles desmataram boa parte da região para abrir espaço para gado e dezenas de casas, 18 escolas e 14 igrejas. Estima-se que 3.500 pessoas morem ali.

– Apesar de a redução da área das unidades de conservação parecer um dado negativo à conservação ambiental, para gestão pode ser algo positivo. Reduz o conflito e corrige erros que eventualmente aconteceram no ato de criação – disse Juliana Fukuda, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente.

O caso mais emblemático, pelo tamanho da área em questão, é a Floresta Nacional de Roraima, que perderá 93,7% de seu território para os índios ianomâmi. Criada em 1965, a unidade tinha a maior parte de suas terras sobrepostas à reserva dos índios.

Entendendo que os direitos dos povos tradicionais devem prevalecer, o governo cedeu 2,4 milhões de hectares, dos 2,6 milhões de hectares anteriormente dentro dos limites da Flona, para os cerca de 9.500 ianomâmis que vivem no local. O texto que faz a alteração está pronto para ser sancionado pelo presidente Lula.

Meta é conservar 10% do país

Segundo o Código Florestal Brasileiro, terra indígena é área de preservação permanente. Para o presidente do ICMBio, Rômulo Mello, a floresta estará mais protegida desta forma.

– A Flona de Roraima é um caso interessante de avaliar, porque estamos revendo o limite de uma unidade, mas estamos ampliando a conservação sobre a área. Ao deixar de ser Flona, ela passa a ser conservada pela legislação indígena, que é hoje mais restritiva que a de uma floresta nacional. O equívoco foi colocar uma unidade de conservação em sobreposição a uma área indígena – disse Rômulo Mello.

Na região da BR-163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA) e cujo asfaltamento está incluído no PAC, duas unidades de conservação perderão área, por conta de invasões aceleradas pela chegada da estrada.

Situada no município de Novo Progresso (PA), um dos campeões do desmatamento da Amazônia, a Flona de Jamanxim terá subtraídos 40.000 hectares em prol de posseiros que se apropriaram de lotes e os cobriram de pastagens que alimentam criações bovinas.

Mais ao sul do estado, a Reserva Biológica da Serra do Cachimbo também deverá perder em território e em proteção. O governo está disposto a abrir mão da classificação de reserva, que é uma das categorias mais restritivas de unidade de conservação, na qual não é permitida nem mesmo a entrada de visitantes, para transformá-la num parque nacional de 162.306 hectares e uma Área de Proteção Ambiental (APA) de 178.386 ha. No processo, a reserva perderá 1.785 hectares e permitirá, onde for APA, alguns tipos de exploração.

Na Bahia, interesses econômicos ganharam a queda de braço contra a conservação. A Reserva Extrativista (Resex) Marinha da Baía de Iguape vai perder 621 hectares para que a Petrobras mantenha um estaleiro que tinha metade do empreendimento irregularmente dentro da área. Com a brecha, o governo do estado estuda instalar ali um polo naval. Em contrapartida, a reserva ganhará uma pequena área (86 hectares) a leste da unidade e outra, de 310 hectares, ao norte. Entrou no lençol de proteção da unidade um mangue que originalmente estava descoberto.

Atualmente, existem 304 unidades de conservação no Brasil. Essas áreas somam cerca de 78 milhões de hectares e correspondem a 8,3% do território nacional. O ICMBio pretende criar mais 300 áreas de proteção e atingir a meta de conservar 10% do país.

Segundo o órgão do governo responsável pela gestão das unidades, 25 delas estão em processo de ampliação. Se tudo der certo, o país ganhará 1.073.815 hectares a mais de áreas protegidas.

– Nosso trabalho é de buscar ampliar a conservação e incorporar mais áreas. Temos um mapa de maior interesse da biodiversidade e é isso que guia nosso trabalho. Criar uma UC é atividade que requer tempo e esforço hercúleo de convencimento de que aquelas áreas merecem ser protegidas. Muitas foram criadas onde há interesses de mineração, de energia e de agricultura – apontou Mello.

Minc justifica cessão de área protegida

O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, defendeu ontem a ação pela qual o governo abre mão de quase três milhões de hectares em nove unidades de conservação no país em favor de índios, posseiros e fazendeiros, ou até para viabilizar a implantação de obras de infraestrutura. Para o ministro, a cessão, em alguns casos, não representará qualquer prejuízo para o meio ambiente.

Seria o caso da Floresta Nacional (Flona) de Roraima, que passará 93,7% de seu território, uma área de 2,4 milhões de hectares, aos ianomâmi:

– No caso de Roraima, o prejuízo ambiental é zero. Na verdade essa Flona era irregular, foi criada em área indígena.

Ministro lembra ter protegido 6,2 milhões hectares

Em outros casos, Minc admite que o governo pagará o preço de sua omissão, assim como de seus antecessores. Isso porque algumas das reservas só existia no papel, o que possibilitou que parte delas fosse totalmente desmatada. Foi o que aconteceu com a Floresta Nacional de Bom Futuro, no município de Porto Velho (RO), ocupada nos últimos dez anos por posseiros.

Atualmente, parte dessa área abriga 35 mil cabeças de gado, uma população de quase quatro mil pessoas, 18 escolas e 14 igrejas. A União está disposta a abrir mão de 61,8% da área da reserva, o que representa 168 mil hectares. Para compensar, o estado de Rondônia cederá uma outra área de 180 mil hectares para proteção ambiental.

– Propus um acordo que proibiu a entrada de novas cabeças de gado e a saída diária de 25 a 30 caminhões de madeira. Foi uma operação negociada por seis meses, que teve o apoio de três bases do Exército na região – explicou Minc.

O ministro admitiu ainda concessões para viabilizar obras de infraestrutura para o país:

– Se uma hidrelétrica afetar a Flona, não tem conversa. Mas, se o impacto não for grande, e a área cedida para a obra for compensada, vale a pena.

Minc ressaltou que, desde que assumiu o cargo, criou 6,2 milhões hectares de áreas protegidas. Até o fim do governo Lula, pretende ampliar essa área em 4 milhões de hectares.

EcoDebate, 14/10/2009

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