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Alguns ‘limites planetários’ já foram ultrapassados, admitem pesquisadores

aquecimento global

Os cientistas propõem novos “limites planetários” para preservar os sistemas que mantém a estabilidade do planeta há 10.000 anos. Três já foram transgredidos, e outros quatro estão próximos do limite. A reportagem [Cuidado con la Tierra, se tambalea] é de Javier Sampedro e está publicada no jornal espanhol El País, 4-10-2009. A tradução é do Cepat.

O mundo que conhecemos tem apenas 10.000 anos. Nesta data acabou a pré-história e começou o holoceno, o raro período de bom tempo em que vivemos. Essa estabilidade poderia durar outros 7.000 anos, segundo prediz a geologia, mas a atividade humana alcançou um nível capaz de “prejudicar os sistemas que mantêm a Terra no estado de holoceno”.

Johan Rockström, da Universidade de Estocolmo, e outros 28 cientistas de Universidades e Institutos europeus, norte-americanos e australianos propõem agora um novo e polêmico sistema. Propõem nove “limites planetários” que a humanidade deve respeitar para não desestabilizar os sistemas terrestres essenciais, com mudanças climáticas bruscas e talvez catástrofes.

Três dos limites já foram transgredidos: os do aquecimento global, a extinção de espécies e o ciclo do nitrogênio. Outros quatro estão próximos: uso da água doce, conversão de florestas em plantações, acidificação dos oceanos e ciclo do fósforo. Os outros dois são a contaminação química e a carga de aerossóis na atmosfera.

Rockström e seus 28 colegas apresentaram sua proposta na Nature. A versão completa de seu trabalho está disponível em http://www.stockholmresilience.org/planetary-boundaries. O último número da revista Nature Reports Climate Change recolhe as críticas de sete especialistas – inclusive do prêmio Nobel Mario Molina –, e há um debate aberto sobre a proposta em http://tinyurl.com/boundariesblog.

A ideia que mais está se discutindo para o novo acordo do clima que será negociado em Copenhague, em dezembro próximo, é a “barreira dos dois graus”: que a temperatura não suba mais de dois graus acima do nível pré-industrial. Mas os cientistas não acreditam que esse objetivo seja suficiente nem adequado.

A barreira dos dois graus se baseia nos modelos climáticos convencionais que predizem um aumento de três graus cada vez que dobra o nível de CO2 na atmosfera. “Mas estes modelos não incluem os processos de feedback que aquecerão ainda mais o clima”, dizem os especialistas. Um exemplo de feedback: o aquecimento derrete os geleiras, e a perda de superfície de gelo causa um aquecimento ainda maior.

Quando estes feedbacks são incluídos, a duplicação do CO2 atmosférico não aumenta a temperatura em três graus, mas em seis, um dado que “ameaçaria os sistemas vitais do holoceno e questionaria gravemente a viabilidade das sociedades humanas atuais”, segundo os autores.

Eles propõem um tipo de barreira mais exigente. É composto de dois limites. Primeiro, que a contribuição humana para o CO2 atmosférico não ultrapasse as 350 partes por milhão (ppm). E segundo, que a forçante radiativa (a troca de energia na camada mais alta da atmosfera), não ultrapasse os níveis pré-industriais em mais de um watt por metro quadrado.

Os especialistas afirmam que “violar esses limites aumenta o risco de mudança climática irreversível, com perda das principais camadas de gelo, aumento acelerado do nível do mar e mudanças abruptas nos sistemas florestais e agrícolas”. Uma péssima notícia, porque ambos os limites já foram violados: o nível de CO2 está em 387 ppm e o forçante radiativa em 1,5 watt por metro quadrado.

De fato, “já começamos a ver evidências de que alguns subsistemas terrestres começaram a sair de seu estado holocênico estável”, dizem os especialistas. A rápida perda dos gelos árticos no verão, por exemplo. Também a massa minguante das camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida Ocidental. E o aumento acelerado do nível do mar nos últimos 10 anos.

80% da atmosfera é nitrogênio – um componente básico de nossas células –, mas em forma gasosa que nem as plantas nem os animais podem assimilar. São as bactérias que o convertem em nitratos e outras formas utilizáveis pelas plantas. Os animais o obtêm comendo plantas. Outras bactérias o devolvem depois à atmosfera, fechando o ciclo do nitrogênio.

Mas a fabricação de nitratos como fertilizantes para a agricultura, e os próprios cultivos de legumes – que podem assimilar o nitrogênio da atmosfera graças a uma bactéria simbiótica – já superaram todas as bactérias do planeta: fixam 140 milhões de toneladas de nitrogênio da atmosfera ao ano.

Como é mais do que as segundas bactérias podem devolver à atmosfera, grande parte desse nitrogênio acaba poluindo os rios e as zonas costeiras. Muitos sistemas lacustres se tornaram turvos por essa razão, como fica o Mar Báltico inteiro de forma intermitente.

Também pode voltar à atmosfera, mas não em sua forma original (N2), mas como óxido nitroso (N2O), um dos principais gases do efeito estufa junto com o CO2.

Os cientistas situaram o limite planetário do uso do nitrogênio em 25% de seu valor atual, ou 35 milhões de toneladas. Com argumentos similares, fixam um limite de 11 milhões de toneladas para o fósforo que a atividade humana verte aos oceanos cada ano, não muito distante dos 9 milhões atuais. O fluxo natural de fósforo para os oceanos beira o milhão de toneladas.

O fósforo não provém da atmosfera como o nitrogênio, mas da mineração, mas também é usado na fabricação de fertilizantes, entre muitas outras coisas (como pasta de dentes, por exemplo). O registro geológico indica que um excesso de fósforo nos oceanos pode provocar episódios de falta de oxigênio na água – “sucessos anóxicos” – de tal escala que alguns cientistas consideram-nos responsáveis por extinções massivas no passado.

A extinção de espécies faz parte do jogo da vida, mas o registro fóssil mostra que seu ritmo natural é menor de uma extinção por milhão de espécies ao ano (os cálculos variam entre 0,1 e 1). A taxa atual de extinção causada pelo homem é entre 100 e 1.000 vezes maior.

A frequência basal, desde logo, já havia disparado nas ocasionais extinções massivas oportunizadas pela história do planeta. Mas agora “as espécies estão se extinguindo a um ritmo inédito desde a última extinção global em massa”, dizem os cientistas. Referem-se ao evento K/T, a extinção massiva que pôs fim ao período cretáceo há 65 milhões de anos, e com ele os dinossauros e metade dos gêneros biológicos. O impacto humano ainda não iguala o de um bom meteorito, mas há méritos.

A principal causa são as mudanças no uso da terra, sobretudo sua conversão em terras de cultivo ou zonas urbanas. Também os incêndios florestais, e a introdução de espécies exóticas em um ambiente natural. As cabras, por exemplo, causaram prejuízos maiores nas Ilhas Galápagos do que os próprios humanos que as introduziram neste ambiente.

O quadro piorará com a mudança climática. Os cientistas calculam que 30% das espécies de mamíferos, pássaros e anfíbios estarão ameaçados de extinção neste século.

A extinção de espécies não é um problema apenas para os museus de ciências naturais. Os ecossistemas podem tolerar notáveis perdas de biodiversidade – muitas espécies são redundantes no sistema –, mas a perda de redundância os torna muito vulneráveis a qualquer mudança do ambiente. É a diversidade que garante uma resposta aos imprevistos.

“A Terra não suporta o atual ritmo de extinção sem uma importante erosão da resiliência dos ecossistemas”, dizem os autores. O termo resiliência foi emprestado da engenharia – onde mede a energia que um material pode absorver deformando-se de maneira elástica – para designar a capacidade de um ecossistema para suportar as agressões.

Rockström e seus colegas propõem como limite planetário que as plantações não cubram mais de 15% da superfície de terra firme – atualmente cobrem 12% –, mas há cientistas críticos a este limite, e com os demais.

Os limites da proposta

Steve Bass, do Instituto Internacional para o Ambiente e o Desenvolvimento de Londres, duvida que este limite de 15% possa ser levado a sério por políticos e gestores enquanto não houver provas mais eloquentes de que a mudança de uso da terra seja realmente prejudicial às pessoas.

Bass também duvida que a porcentagem de superfície cultivada – seja os 15% ou outra – seja o melhor limite para garantir que o uso da terra seja sustentável. “Por exemplo”, disse o cientista britânico, “o impacto ambiental de 15% de superfície cultivada em grandes parcelas com métodos intensivos será muito diferente do que teriam esses mesmos 15% cultivados de forma mais sustentável e integrada na paisagem”. Bass acredita que um ‘limite planetário’ na degradação do solo seria mais adequado do que aquele proposto no relatório Rockström.

Myles Allen, físico especializado em clima da Universidade de Oxford, diverge dos autores. Afirma que a “campanha” para estabelecer um limite de 350 ppm de CO2 na atmosfera tem pouca base científica. “Ao ser um dos avais de mais alto perfil científico a favor desse limite”, lamenta Allen, “o ensaio de Rockström e seus colegas será citado sem moderação até as negociações climáticas de dezembro em Copenhague, com toda certeza”.

“O problema não é se o limite de 350 ppm é muito ou muito pouco”, prossegue o físico de Oxford. “O problema é que esse limite não capta a ideia; as ações requeridas nas próximas décadas são as mesmas seja qual for o nível de CO2 que decidirmos estabelecer como limite; propor um ‘limite planetário’ para o CO2 é uma distração desnecessária”. Allen defende a manutenção da ideia atual da “barreira dos dois graus”.

Outro limite proposto é que a quantidade de ozônio nas camadas altas da atmosfera não seja reduzida mais de 5% em relação aos níveis de 1964-1980. “A escolha é razoável, mesmo que um pouco arbitrária”, opina o prêmio Nobel Mario Molina, diretor do Centro de Estudos Estratégicos sobre Energia e Ambiente do México, DF. “O limite de 5% está claramente dentro da zona de comportamento linear para perda de ozônio global”.

Um comportamento linear implica que não há risco de respostas súbitas ao atravessar algum tipo de umbral. Estas respostas “não lineares” dos sistemas terrestres são o fundamento do sistema de limites propostos pelo relatório Rockström.

Molina opina que seria melhor colocar um limite às emissões de compostos com cloro e bromo, como os cloro-flúor-carbonos (CFC) que consomem o ozônio, e não à própria espessura da camada de ozônio. Mas admite que a ideia dos limites é um “conceito útil e muito interessante”.

(Ecodebate, 09/10/2009) publicado pelo IHU On-line [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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