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Adaptação em um mundo quente, artigo de Márcia Pimenta

Aquecimento de 1850 a março de 2009

Aquecimento de 1850 a março de 2009

[EcoDebate] A menos de cem dias para a reunião que decidirá o futuro do Protocolo de Quioto, avançam as promessas dos países se comprometerem com metas mais ambiciosas para redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) do planeta, desde que os outros “inquilinos” dessa casa comum também o façam. Fala-se em quantias consideráveis a serem investidas para mitigar as emissões de GEE, mas qual será o ônus de não se fazer este investimento agora? Os piores cenários previstos pelos cientistas do IPCC revelam-se hoje mais otimistas do que a situação que ora se apresenta. Visitando recentemente a base científica de Ny Alesund, no arquipélago norueguês de Svalbard, por exemplo, o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, expressou surpresa ao constatar o alarmante processo de derretimento das geleiras no Ártico.

O aquecimento é apenas um lado do processo de degradação ambiental que a humanidade com seus hábitos de consumo, ganância e ignorância sobre os limites da natureza vem infligindo ao planeta. Esse processo de degradação afeta a resiliência dos ecossistemas, isto é, a sua capacidade de retomar sua forma original após uma perturbação, tornando-os cada vez mais vulneráveis às mudanças do clima reduzindo sua capacidade de adaptação. No mundo inteiro os mais pobres serão os mais penalizados embora, ironicamente, pouco tenham contribuído para o aumento das concentrações de carbono na atmosfera.

No Brasil não será diferente. Para o Nordeste, castigado por secas recorrentes, há previsão de aumento na precipitação até o final do século XXI e as temperaturas podem aumentar de 2°C a 5°C tornando a região altamente vulnerável a nova realidade climática. O pesquisador do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos – CPTEC/INPE, José Marengo, que coordenou o estudo sobre os efeitos do desmatamento e do aquecimento global no Brasil, explica que apesar das anomalias positivas de chuva, espera-se que ocorra processo de “aridização” do Nordeste em razão das elevadas temperaturas ocasionarem aumento da evapotranspiração e diminuição da disponibilidade hídrica na região.

Uma pesquisa intitulada “Mudanças Climáticas, Migrações e Saúde: Cenários para o Nordeste, 2000-2050” concluiu que aproximadamente meio milhão de nordestinos serão obrigadas a migrar para outras cidades em busca de trabalho e/ou fugindo de situações oriundas de níveis mínimos de alimento ou água. Segundo o último relatório do Intergovernamental Panel on Climate Change – IPCC, a recarga estimada dos lençóis freáticos diminuirá drasticamente em mais de 70% se comparado aos índices de 1961-1990 e da década de 2050. Todas essas mudanças levarão à salinização e desertificação do solo afetando drasticamente as áreas agricultáveis e sua produção, principalmente aquelas de subsistência.

A migração é uma opção de adaptação, mas para essa população que apresenta, por exemplo, indicadores de escolaridade inferiores a média nacional, e pouca capacitação profissional a migração para os grandes centros se revelará uma opção de risco, pois verão sua capacidade reduzida na busca por empregos de qualidade com reflexos na sua renda. Para os que ficarem a situação não será melhor já que experimentarão um impacto ainda maior dos efeitos sociais e econômicos do clima obrigando-os ao enfrentamento de situações de pobreza extrema.

Estimativas pessimistas somadas a alguns registros que comprovam a mudança do clima vêm estimulando algumas iniciativas com vistas a gerar renda e adaptar comunidades vulneráveis aos efeitos da mudança climática. Um exemplo bem sucedido de projeto de adaptação é o “Pintadas Solar” desenvolvido entre 2006-2008 no município de Pintadas – BA. O objetivo é incubar novas práticas de convivência com a seca promovendo um melhor aproveitamento da infraestrutura hídrica já disponível, como açudes, barreiros e poços, fruto dos programas governamentais de combate à seca, associado a um sistema de irrigação por gotejamento para aqueles que estão mais próximos aos reservatórios e organoponia para aqueles que estão mais distantes. O bombeamento da água, que facilita a vida do agricultor, é feito através de energia solar, mas também lança mão da energia elétrica e gasolina. O foco do projeto é garantir a segurança alimentar e a geração de renda baseada na pequena e média propriedade agrícola, produzindo sem destruir o ecossistema local. As principais culturas atendidas pela irrigação por gotejamento são: abóbora, milho, mandioca, inhame, tomates e na organoponia, as hortaliças.

O projeto foi considerado uma boa prática pelo prêmio de Dubai/ UN-Habitat (2008) e pela organização Wisions (2006) e recebeu o prêmio SEED 2008 escolhido entre mais de 400 projetos no mundo, como uma das cinco práticas que merecem ser trabalhadas em escala. Esse sucesso, segundo Thais Corral, Coordenadora da REDEH – Rede de Desenvolvimento Humano deve-se ao fato de se estar trabalhando com adaptação a mudança climática, fazendo novos arranjos de políticas e tecnologias. O projeto começou no município baiano de Pintadas com apenas 5 famílias e a partir desta experiência surgiu a rede Adapta Sertão que ampliou a área de atuação envolvendo os municípios de Baixa Grande e Quixambeira e hoje contempla 15 famílias. A meta é atingir 30 famílias nesses 3 municípios, acreditando que os pequenos produtores sejam multiplicadores do modelo. O município de Brumado, polo de mamona, é o próximo alvo segundo a pesquisadora Débora Kligerman, da FIOCRUZ – Fundação Osvaldo Cruz, pois, embora esse plantio não precise de irrigação, é necessário aumentar a segurança alimentar dos agricultores, então, provavelmente os envolvidos trabalhem com consórcio de mamona e outra planta (feijão ou milho).

A metodologia adotada pela rede Adapta Sertão foi desenvolvida a partir de uma profunda análise das dificuldades que limitaram o impacto de programas governamentais de fomento ao desenvolvimento rural da região do semiárido.  Através da implementação do projeto “Pintadas Solar” foi possível  compreender,   que em sua maioria, esses  programas não levam em conta  a realidade local dos municípios, caracterizada pelo  acesso limitado a tecnologia, a falta de assistência técnica qualificada, a falta de insumos de baixo custo, a falta de mecanismos de financiamento específicos e  o acesso limitado ao mercado.

Experiências bem sucedidas como estas que incentivam práticas de “convivência com o semiárido” existem, porém são isoladas e no Brasil ainda não há nada sistematizado sobre o tema. Débora lembra exemplos como o Diaconia (organização social sem fins lucrativos e de inspiração cristã) que tem um tipo de barragem que serve para reter a água na época de chuva e também ajuda a conservar mais tempo a água na época de seca e também a Articulação no Semiárido Brasileiro – ASA, que trabalha com cisterna de água de chuva e percebeu que o volume era insuficiente para o ano todo. Informações sistematizadas facilitariam a troca de informações e poderiam preencher algumas lacunas existentes nos projetos.

O custo para ajudar os países em desenvolvimento na adaptação às mudanças climáticas envolve cifras vultosas e o esforço mundial tem se concentrado nas ações de mitigação das emissões de GEE, uma vez que dependendo do impacto infligido aos ecossistemas estes ficam impossibilitados de se recuperar, inviabilizando a adaptação. Mas é importante que medidas de adaptação, como as citadas acima, caminhem lado a lado com as medidas de mitigação visto que adaptação está intrinsecamente associada a uma melhor gestão dos recursos naturais contribuindo para a diminuição da pobreza e da insegurança alimentar, por exemplo, desestimulando os sofridos movimentos migratórios. Mais uma vez, é a ótica sustentável que se faz necessária para evitar a desigualdade no que diz respeito ao acesso aos recursos naturais vitais, o que nos faz lembrar que o objetivo maior do desenvolvimento é a dimensão humana que não deve ter sua liberdade corroída e limitado seu poder de escolha.

Márcia Pimenta, jornalista com especialização em Gestão Ambiental, é colaboradora e articulista do EcoDebate.

* Artigo enviado pela Autora e originalmente publicado no PLURALE em site.

EcoDebate, 29/09/2009

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