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MPF e MP/RO pedem anulação de acordo para desmembrar Floresta Nacional do Bom Futuro

Flona Bom Futuro, em Rondonia. Foto do MMA
Flona Bom Futuro, em Rondonia. Foto do MMA

Segundo os MPs, acordo foi firmado para agilizar obras da usina hidrelétrica de Jirau e promover regularização fundiária aos invasores da Floresta Nacional

O Ministério Público Federal (MPF/RO) e o Ministério Público do Estado de Rondônia (MP/RO) ingressaram com uma ação civil pública, com pedido de liminar, para que a Justiça Federal suspenda o acordo feito entre a União e o estado de Rondônia para desmembrar a Floresta Nacional (Flona) do Bom Futuro, localizada na divisa dos municípios de Porto Velho e Buritis. A ação foi proposta pelos procuradores da República Nádia Simas Souza, Heitor Alves Soares, Lucyana M. P. Affonso de Luca e Francisco Marinho e pelas promotoras de Justiça Aidee Moser Torquato Luiz e Andréa Luciana Damacena Engel.

Segundo os MPs, o acordo foi feito para compatibilizar os interesses do governo federal e do governo estadual. O primeiro queria agilizar as obras da hidrelétrica de Jirau e conseguir que o governo estadual emitisse a licença de instalação da usina. Na época, o governo de Rondônia alegava que a inundação de 600 hectares da Floresta Estadual Rio Vermelho A, decorrente da mudança de localização da barragem da hidrelétrica, necessitava de compensação ainda não prevista, uma vez que a alteração do barramento ocorreu após a elaboração dos estudos de impacto ambiental. Já o interesse do governo estadual é a regularização fundiária dos invasores da Floresta Nacional do Bom Futuro.

O acordo foi celebrado em 2 de junho deste ano e prevê que os 272 mil hectares da Floresta Nacional darão origem a três áreas distintas: uma área de proteção ambiental de 70 mil hectares e uma floresta estadual de 70 mil hectares, a serem administradas pelo estado de Rondônia; e uma unidade de conservação federal de 132 mil hectares, a ser gerida pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio). Em contrapartida, o estado transferirá para a União 180 mil hectares para criação de uma unidade de conservação de proteção integral. Essa nova área federal será resultado da soma de quatro unidades: florestas estaduais Rio Vermelho A e B, e estações ecológicas Serra dos Três Irmãos e Mujica Nava.

Para procuradores e promotores, a troca se baseia em questões políticas, e não técnicas, não oferece nenhum ganho para a conservação da natureza, pelo contrário, traz prejuízos ao meio ambiente. “Para compensar os danos ambientais de 600 hectares da Floresta Estadual Rio Vermelho A que serão alagados pela hidrelétrica de Jirau, a União comprometeu-se a passar ao estado de Rondônia 140 mil hectares da Floresta Nacional, o que equivale a 230 vezes a área máxima prevista para o alagamento da unidade de conservação estadual. Não há razoabilidade nesta troca”, afirmam.

Os MPs argumentam que esta compensação da área alagada poderia ser feita mediante a aquisição de terras em outras localidades de forma a expandir as unidades de conservação já existentes. “Tal obrigação deveria ser, inclusive, imposta ao Consórcio Energia Sustentável do Brasil, responsável pela usina hidrelétrica de Jirau, tendo em vista que a inundação se dará em razão das alterações promovidas por ele próprio ao projeto inicial”, ponderam os autores da ação.

Outra argumentação apresentada pelos MPs é com relação às áreas do estado que seriam repassadas à União. Os MPs afirmam que “é nítida a falta de governança fundiária-ambiental do estado de Rondônia, que vem oportunizando a aceleração da degradação de várias áreas protegidas nos últimos anos”. E acrescentam que “o abandono e os atos de supressão e redução das florestas estaduais Rio Vermelho A e B são reflexos da prevalência dos interesses dos especuladores de terras, pecuaristas e madeireiros ilegais na tomada de decisões por parte do Executivo e da Assembléia Legislativa do Estado”.

Para os MPs, o acordo entre União e estado de Rondônia “é mera estratégia para legalizar as fazendas pecuárias de invasores da Floresta Nacional”, repassando 140 mil hectares da Flona para “um ente da federação que já demonstrou a total incapacidade de zelar pela preservação da natureza”.

Madeireiros e pecuaristas – A Floresta Nacional do Bom Futuro foi criada em 21 de junho de 1988, pelo Decreto n° 96.188, com o objetivo de promover o manejo dos recursos naturais renováveis e a exploração racional dos recursos naturais não renováveis. Nunca houve um plano de manejo e inventário florestal da área. A partir de 1996, a Floresta Nacional passou a ser invadida por pequenos agricultores vindos de frentes de colonização da cidade de Buritis, localizada a 330 quilômetros de Porto Velho. Depois de 2000, a invasão se intensificou com a entrada de pessoas mais capitalizadas e que estavam interessadas na extração de madeira, pecuária e agricultura. A degradação ambiental avançou com queimadas, caça indiscriminada, construção de barragens em cursos d’água e desmatamento. Em 2003, o Ibama obteve uma liminar para desocupação da área, mas, após tentativas frustradas de acordos com os invasores, o instituto não conseguiu fazer valer a determinação judicial.

Em agosto do ano seguinte, os MPs conseguiram na Justiça Federal uma liminar que determinava obrigações a vários órgãos públicos. Ao Ibama e à Secretaria de Meio Ambiente do Estado (Sedam), a decisão proibiu a expedição de qualquer licença ou autorização de retirada de produtos florestais e determinou que, em conjunto, esses dois órgãos ambientais fizessem a retirada de instrumentos utilizados para extração de essências florestais. O Incra deveria apresentar um estudo para reassentamento das famílias. As prefeituras de Nova Mamoré, Buritis e Porto Velho ficaram proibidas de conceder novas linhas de ônibus para a área da liminar. O estado de Rondônia deveria instalar outdoors nas estradas de acesso destes locais para informar à população sobre a situação legal.

Segundo os MPs, a tentativa de legitimar a invasão da Floresta Nacional é antiga e foi objeto de um projeto de lei no Congresso Nacional, o qual se encontra arquivado deste janeiro de 2007. Na época, a Comissão da Amazônia, Integração Nacional e Desenvolvimento Regional se manifestou pela rejeição do projeto que pretendia reduzir 100 mil hectares da Flona do Bom Futuro. O relator, deputado Anivado Vale, afirmou na ocasião que aprovar o projeto poderia “representar um precedente que poderá estimular a invasão de outras unidades de conservação desabitadas, por madeireiros e grileiros, causando danos a todo o Sistema Nacional de Conservação da Natureza”. E acrescentou que “as unidades de conservação devem ser mantidas segundo os objetivos para os quais foram criadas, em conformidade com a lei”.

Em 2008, a Justiça Federal concedeu nova liminar para a área da Flona do Bom Futuro, proibindo ao Idaron emissão de qualquer autorização para entrada de novo rebanho bovino e permitindo exclusivamente a retirada do gado. Atualmente existem mais de 35 mil cabeças de gado na área de 272 mil hectares e 28% deste total já foram desmatados.

Operação na floresta – Para cumprir as determinações judiciais, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e governo de Rondônia fizeram um acordo que previa cinco metas: reduzir a zero o índice de desmatamento em toda área da Flona do Bom Futuro; impedir o furto de madeira; notificar os proprietários de gado a retirarem suas rezes, no prazo de 180 dias; identificar os ocupantes da área; e realocar os ocupantes com perfil de beneficiários da Reforma Agrária.

Em 15 de maio deste ano começou a operação ambiental, considerada a maior já realizada em Rondônia, integrando Força Nacional de Segurança, Exército, órgãos ambientais, entre outros. A estratégia consiste em criar bases nos quatro acessos principais e dez acessos secundários à Floresta Nacional. O objetivo é controlar a movimentação de entrada e saída da Flona.

Depois de 18 dias depois de início da operação, a União, por meio do Ministério do Meio Ambiente, e o governo de Rondônia formalizaram o acordo para desmembramento da área da Floresta Nacional.

* Informações da Procuradoria da República em Rondônia, publicadas pelo EcoDebate, 19/08/2009

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