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Como escapar de tantos impasses? artigo de Washington Novaes

Só a insanidade e/ou a desinformação absoluta permitiriam a alguém não sentir forte inquietação e temor diante do quadro institucional e político que se configura no País neste momento.

[O Estado de S.Paulo] Não é preciso repisar o panorama evidente ou episódios lamentáveis na área do Legislativo – nem a falta de perspectivas. Também não é preciso insistir na preocupação diante do envolvimento do Judiciário em episódios políticos complicados – o que não deveria ocorrer. Como não é preciso martelar nos números inacreditáveis que refletem o acúmulo de processos em todos os níveis, a demora nas decisões, a descrença da sociedade diante da falta de solução para questões que se arrastam durante décadas. A aproximação do período eleitoral pode complicar tudo ainda mais com a questão das urnas eletrônicas e da falta de comprovação impressa para os votos – objeto de tantas contestações, processos e acusações de fraudes em vários países, inclusive nos Estados Unidos.

Quando se passa para a área do Executivo, o panorama parece mais inquietante, em várias direções. Já mergulhado no processo da sucessão de 2010, o Executivo federal dá a impressão de alheamento em temas decisivos, a começar dos mais graves, como o das mudanças climáticas, comentado neste espaço na semana passada. E grande parte desse alheamento se deve a visões anacrônicas no âmbito do Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC, embalado na noção de que o indicador quase único a perseguir é o do crescimento do produto interno bruto, desligado de suas consequências e de outras possibilidades. E talvez a área mais exemplar, sob esse ângulo, seja o da política de energia, que acaba de ter seu plano decenal aprovado, com previsão de expandir a potência instalada em 52 mil megawatts até 2017 (Estado, 4/8) – dobrando-a, quando outros estudos mostram que podemos reduzir fortemente nosso consumo, sem nenhum prejuízo, e deslocar os imensos investimentos para áreas muito carentes, como saúde, educação, ciência, saneamento básico (quase 100 milhões de pessoas não dispõem de coleta domiciliar de esgotos – e do que se coleta quase 80% não é tratado; quase 20 milhões não têm sua casa ligada às redes de água).

Também não é preciso martelar que não temos política efetiva para uma área que poderia tornar-nos líderes no mundo – a dos recursos naturais, já que dispomos de 15% a 20% da biodiversidade planetária e quase 13% do fluxo hídrico superficial. E isso na hora em que a ONU aponta o excesso de consumo desses recursos, além da capacidade de reposição do planeta, como uma das duas crises mais graves, juntamente com a do clima. Tudo se insere, na verdade, na falta de uma visão estratégica para o País, que considerasse esses fatores e lhes atribuísse prioridade, e com uma matriz energética “limpa” e renovável, como pode ser a nossa. Entretanto, estamos até criando um Ministério da Pesca, que se propõe multiplicar a produção de pescado em águas doces e no mar, “esquecido” dos estudos que apontam para a gravidade da situação dos estoques marítimos e para a insustentabilidade de projetos de aquicultura em que o consumo de alimentos é maior do que a produção gerada.

Quando se chega à chamada área ambiental, a preocupação não tem como ser menor. Licencia-se uma usina nuclear, embora sua energia seja mais insegura, mais cara e sem solução para o perigosíssimo lixo nuclear (e planejam-se várias outras unidades). Reduzem-se as exigências para transformar lixões (que recebem 50% dos resíduos nacionais) em aterros, enquanto todas as grandes cidades estão com seus aterros esgotados. Permite-se que áreas de proteção permanentes exigidas pela lei sejam consideradas reservas legais em propriedades particulares. Tenta-se baixar a porcentagem de reservas legais em áreas de florestas primárias. Enfim, um imenso facilitário, no qual entra em cogitação até a revogação do atual Código Florestal e sua substituição por outro mais “realista”.

Não é menor a preocupação quando se volta o olhar para as áreas urbanas, absolutamente destituídas de macropolíticas – como já se comentou aqui, lembrando textos do professor José Souza Martins – e onde é absoluta a prevalência de micropolíticas, quase sempre voltadas apenas para pequenos interesses localizados, quando não para a troca pura e simples por votos. Mas as cidades vão-se tornando ingovernáveis em meio ao crescimento caótico (a Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, por exemplo, dobrou sua população em uma década, sem investimentos públicos). O Painel Intergovernamental de Especialistas em Megacidades mostrou que as áreas urbanas já são extremamente vulneráveis às mudanças do clima e que a formação de “ilhas de calor” atrai os chamados “eventos extremos” (Agência Fapesp, 21/7). A população já sofre com o aumento de temperatura, com chuvas intensas e inundações, deslizamento de encostas e topos de morros, etc. A poluição do ar agrava os problemas de saúde e aumenta o número de mortos. Sem falar no drama dos transportes em toda parte.

Quando se lê nos jornais que se considera afastada a possibilidade de uma reforma tributária – que deveria estar sendo examinada pelo Congresso Nacional -, desvanecem-se esperanças. Como confiar em que Estados e municípios saiam da penúria de recursos em que vivem se se mantém a “guerra fiscal”, em que eles concedem montanhas de isenções de impostos para que empresas se instalem em seu território? E sem que a carga tributária diminua, porque os consumidores continuam pagando pelos produtos, as empresas é que são isentas de recolhê-los, agravando a já terrível concentração da renda no País.

É preciso intervir nesse quadro, se não se deseja que haja rupturas incontroláveis. E um dos caminhos possíveis – insista-se – está em as universidades promoverem discussões públicas, em que a sociedade seja informada e capaz de formular projetos políticos que a habilitem a sair dos atuais impasses.

Washington Novaes é jornalista . E-mail: wlrnovaes{at}uol.com.br

Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo.

EcoDebate, 17/08/2009

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