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Influenza A (H1N1): O retorno do fantasma, coluna de Jerry Borges, no Ciência Hoje On-line

Hospital militar nos Estados Unidos durante a pandemia de gripe espanhola de 1918 (foto: National Museum of Health and Medicine, Armed Forces Institute of Pathology).
Hospital militar nos Estados Unidos durante a pandemia de gripe espanhola de 1918 (foto: National Museum of Health and Medicine, Armed Forces Institute of Pathology).

A compreensão da história evolutiva dos diferentes grupos de vírus é vital para que possamos entender a sua epidemiologia e desenvolver estratégias eficazes para o combate de uma série de doenças humanas.

Alguns vírus têm profundo efeito sobre a história da humanidade, enquanto outros têm impacto marcante e atual sobre a saúde pública. Compreender a evolução dos vírus e dos meios pelos quais eles obtiveram sua diversidade genética atual pode nos auxiliar a entender esses efeitos.

Os vírus são extremamente diversos e podem ser agrupados de acordo com seu material genético: DNA ou RNA de fitas simples ou dupla. Contudo, diferentemente de outros grupos taxonômicos, não há entre os variados grupos de vírus similaridade filogenética – ou seja, relação evolutiva.

Tipicamente, vírus pertencentes a uma mesma família possuem genoma similar e alguns genes semelhantes ou homólogos. Membros de famílias diferentes raramente possuem genes homólogos identificáveis. Podemos, portanto, traçar uma árvore filogenética descrevendo as similaridades evolutivas dos organismos que apresentam estrutura celular (bactérias, arqueobactérias e seres eucariotos), mas isso não é possível para os vírus.

Os vírus são classificados em cerca de setenta famílias. Destas, vinte infectam o homem. A diversidade genética dos grupos de vírus é afetada por sua história evolutiva e a de seus hospedeiros. Ancestrais humanos foram infectados por muitos vírus e a compreensão dessa relação nos diz muito sobre a nossa própria história evolutiva.

Por exemplo, vírus que causam doenças associadas com aglomerações não puderam se manter nas pequenas populações caçadoras e coletoras de homens pré-históricos. O vírus do sarampo é um exemplo clássico desse grupo. Indivíduos afetados por essa infecção desenvolvem imunidade durante sua vida. Por isso, a manutenção desse vírus requer um suprimento constante de indivíduos não infectados – principalmente crianças.

Tem-se estimado que o sarampo pode persistir em populações com pelo menos 250 mil indivíduos, algo que só ocorreu com grupos humanos há 5 mil anos, no Oriente Médio. Uma vez que os primeiros humanos chegaram ao continente americano há mais de 10 mil anos, eles não estiveram expostos – até 1492, quando a América foi “descoberta” por Cristóvão Colombo – a vírus adquiridos por populações humanas aglomeradas. Por isso, estima-se que até o século 16 cerca de 90% das populações nativas das Américas morreram de doenças causadas por vírus como o sarampo e a varíola, provenientes dos invasores europeus.

Por outro lado, alguns vírus passaram a afetar a saúde humana apenas nas últimas décadas do século 20. O HIV é o exemplo mais conhecido desses vírus. Existem, contudo, diversos outros, como o Marburg, o Ebola, o Nipah, o Hendra e o SARS, que têm um espectro de ação mais limitado. Essas viroses emergentes estão associadas com o crescimento demográfico e as alterações ambientais e a poluição que vêm nos trilhos desse aumento populacional.

Além disso, a maior facilidade dos indivíduos para se deslocar para qualquer lugar do planeta contribui para o surgimento dessas infecções. Por exemplo, em 1999, foi noticiado um caso de infecção por um vírus da região oeste do rio Nilo (África) nos Estados Unidos e, em 2005, o vírus Chikungunya, originário da África Central, contaminou aproximadamente um terço dos cerca de 770 mil habitantes das ilhas Reunião, no oceano Índico. Outro caso que estamos acompanhando atualmente nos noticiários é o alastramento global da gripe suína a partir do México.

Diversidade genética viral
A diversidade genética contemporânea dos vírus está associada com o período de separação dos diferentes grupos a partir de seus ancestrais e com a sua respectiva taxa de evolução. Diversos vírus têm sido adquiridos pelo homem a partir de outras espécies animais (por exemplo, o vírus da gripe suína) e sofrem muitas vezes modificações posteriores na espécie humana.

Forças como a deriva genética, a seleção natural, as taxas de mutação e a competição entre indivíduos de espécies iguais ou diferentes obviamente atuam sobre esses vírus. Grupos menores ou que apresentem uma menor capacidade de dispersão e que sofram uma proporção maior de mutações genéticas podem evoluir mais rapidamente.

Vírus de RNA que dependem da RNA polimerase para a sua replicação estão mais sujeitos a sofrer mutações. Isso se deve ao fato de que essa enzima é mais propensa a erros do que a DNA polimerase, associada à multiplicação dos vírus de DNA.

Substituições das subunidades componentes do DNA e do RNA – conhecidas como nucleotídeos – que não afetam o tipo de aminoácido codificado (substituições sinonímias) são provavelmente neutras do ponto de vista evolutivo. Por outro lado, substituições não-sinonímias podem afetar de forma negativa ou positiva a estrutura tridimensional da proteína codificada e influenciar, portanto, a sua atividade.

Como as proteínas têm sido, durante milhões de anos, submetidas a uma forte pressão seletiva, baseada na eficiência de seu relacionamento com os seus substratos, modificações na sequência de aminoácidos e, consequentemente, na estrutura tridimensional das proteínas quase sempre são nocivas para essas moléculas orgânicas.

Vírus da gripe

O vírus da gripe ou influenza representa – juntamente com o HIV – o exemplo mais extensivamente estudado de vírus que têm se associado ao homem. Os homens são infectados por três vírus da gripe relacionados entre si. Esses vírus, denominados A, B e C, pertencem à família Orthomyxoviridae.

Dentre esses três vírus da gripe, apenas o tipo C causa infecções mais brandas. O vírus tipo B pode provocar consequências danosas para a saúde de seus hospedeiros. Por isso, ele é utilizado no Brasil em campanhas de vacinação para idosos, nos quais pode causar problemas graves e mesmo óbitos.

O vírus tipo A, por sua vez, está associado à maioria das epidemias com consequências sérias. Tipicamente, as propriedades antigênicas (capazes de provocar a formação de anticorpos) dos vírus tipo A variam um pouco de um ano para o outro, um processo conhecido como deriva antigênica. Esse processo é responsável pela incapacidade do organismo humano hospedeiro de criar uma resistência permanente contra a gripe.

Contudo, em três ocasiões durante o século 20, as propriedades antigênicas do vírus da gripe tipo A modificaram-se radicalmente. Essas mudanças (conhecidas como mudanças antigênicas) fizeram com que esses vírus passassem a apresentar um sorotipo diferente (linhagem que induz anticorpos diferentes no hospedeiro) e geraram pandemias que levaram milhões de pessoas à morte.

O vírus da gripe tipo A possui um genoma formado por uma cadeia de RNA de fita simples com oito segmentos separados. Cada um desses segmentos corresponde grosseiramente a um gene. Cada sorotipo é determinado pelas proteínas hemaglutinina (H) e neuraminidase (N), codificadas respectivamente pelos segmentos 4 e 6.

Dezesseis sorotipos H e nove N são conhecidos. Existe também uma série de combinações entre eles. Porém, apenas poucos desses sorotipos são encontrados no homem e, tipicamente, apenas um ou poucos estão presentes na população humana em um dado período. Por outro lado, todos os sorotipos são encontrados em aves aquáticas, o reservatório natural do vírus da gripe tipo A. Alguns sorotipos estão presentes também em mamíferos como os cavalos e os porcos.

A evolução dos vírus da gripe

Os vírus da gripe foram caracterizados inicialmente na década de 1930 e o primeiro sorotipo identificado foi denominado H1N1. Uma mudança antigênica ocorreu em 1957, levando ao surgimento do sorotipo H2N2 e à pandemia conhecida como gripe asiática. Outra mudança ocorreu em 1968 e deu origem ao sorotipo H3N2 e à gripe de Hong Kong.

Estudos indicam que a gripe espanhola de 1918 marcou o início da infecção dos vírus H1N1 no homem. Essa foi de longe a pandemia humana mais severa do século 20 – e obviamente de todos os tempos. Estima-se que ela tenha levado pelo menos 40 milhões de pessoas à morte (veja coluna de janeiro de 2007 ).

O enorme impacto dessa pandemia sobre a saúde humana não ocorreu devido a uma associação de formas virais já presentes na espécie humana, mas sim devido à introdução de um sorotipo completamente novo de vírus (o H1N1) proveniente das aves.

Durante os últimos anos, tem-se observado o ressurgimento do sorotipo H1N1 na população humana. Um exemplo desse tipo de evento é a atual gripe suína, que, até o fechamento desta coluna (no dia 30 de abril), já havia infectado 260 pessoas somente em seu local de origem – o México – e provocado 12 mortes no país.

Portanto, a gripe suína não representa uma grande novidade em termos evolutivos, mas sim um velho fantasma que a humanidade tem combatido nos últimos 90 anos.

Jerry Carvalho Borges, Universidade do Estado de Minas Gerais

SUGESTÕES PARA LEITURA
Hendrix,R.W., Lawrence,J.G., Hatfull,G.F., e Casjens,S. (2000). The origins and ongoing evolution of viruses. Trends Microbiol. 8, 504-508.

Louz,D., Bergmans,H.E., Loos,B.P., e Hoeben,R.C. (2005). Cross-species transfer of viruses: implications for the use of viral vectors in biomedical research, gene therapy and as live-virus vaccines. J. Gene Med. 7, 1263-1274.

Lovisolo,O., Hull,R., e Rosler,O. (2003). Coevolution of viruses with hosts and vectors and possible paleontology. Adv. Virus Res. 62, 325-379.

Reid,A.H. e Taubenberger,J.K. (2003). The origin of the 1918 pandemic influenza virus: a continuing enigma. J. Gen. Virol. 84 , 2285-2292.

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* Artigo originalmente publicado no sítio Ciência Hoje On-line

[EcoDebate, 06/05/2009]

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