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Notícia

Especial: Relatório avalia que o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária permanece ‘praticamente desconhecido’

  • Relatório aponta que plano de convivência familiar de crianças ainda é desconhecido
  • Denúncias de negligência superam as de violência sexual contra crianças no Disque 100, diz ONG
  • Uma em cada três denúncias que chegam ao Disque 100 é de violência sexual
  • Famílias impõem pacto de silêncio em casos de violência contra crianças, diz delegada
  • Falta coordenação entre políticas voltadas para crianças e adolescentes, avalia ONG

Relatório aponta que plano de convivência familiar de crianças ainda é desconhecido

Relatório produzido pela Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced) alerta que o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária do governo federal permanece “praticamente desconhecido” nas esferas estaduais e municipais. O documento aponta que 49,5% das cidades brasileiras – 2.754 de um total de mais de 5,5 mil – realizaram conferências que tratassem do plano.

Aprovado em novembro de 2006 pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), o plano tem o objetivo de orientar a elaboração de políticas públicas que visem a efetivar o direito de crianças e adolescentes ao convívio familiar e comunitário. O plano foi estruturado para ser implantado em um horizonte de nove anos, de 2007 a 2015.

“É causa de preocupação a efetiva implantação do plano, principalmente dentro dos prazos estipulados. A Comissão Nacional Intersetorial, por exemplo, encarregada de articular os diversos atores envolvidos, como também é responsável por monitorar e avaliar a implementação do plano, foi criada apenas em outubro de 2007”, diz o relatório.

O documento da Anced indica que mesmo os municípios que participaram da 7ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, em dezembro de 2007, demonstraram “pouca afinidade” com as diretrizes previstas no plano. O relatório observa que essas cidades chegaram a pedir mais incentivos às instituições de abrigo e à adoção, medidas que deveriam ser tomadas apenas em último caso, segundo os preceitos do plano.

As crianças e adolescentes que vivem na rua, destaca o relatório, são mais um segmento da população infanto-juvenil que tem violado o direito à convivência familiar e comunitária. No entanto, a situação desses meninos e meninas é desconhecida, uma vez que não há dados ou pesquisas de abrangência nacional sobre o assunto.

Estimativas da campanha “Criança Não é de Rua” indicam que cerca de 25 mil crianças vivem na rua em municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes. Pesquisas de âmbito regional ou local apontam que em São Paulo, por exemplo, havia 2 mil crianças nessa situação em 2007. No estado de Minas Gerais, o número chegava a 3.028, sendo 990 crianças apenas na capital, Belo Horizonte.

Até o momento, o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária realizou ações como a integração de programas destinados ao fortalecimento dos diversos atores que compõe o Sistema de Garantia de Direitos, entre eles os conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e conselhos tutelares. Foi elaborada ainda a campanha “Não Bata, Eduque”, visando à prevenção de violência doméstica.

Os dados apresentados no documento serviram de subsídios para a construção de um relatório alternativo da sociedade civil, para o Comitê dos Direitos da Criança das Organização das Nações Unidas (ONU), que será divulgado amanhã (30) na Câmara dos Vereadores de São Paulo.

Procurado pela reportagem, o Conanda preferiu não comentar o relatório e as críticas feitas pela ONG. O conselho informou, por meio de sua assessoria, que também participou da organização do relatório e que irá se manifestar após a divulgação oficial do documento.

Denúncias de negligência superam as de violência sexual contra crianças no Disque 100

Embora o Disque Denúncia – Disque 100 – seja promovido como uma política para receber denúncias de situações de violência sexual contra crianças e adolescentes, a maior parte dos casos denunciados é caracterizada como “negligência”.

A avaliação consta de relatório produzido pela Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced), que destaca “perplexidade” ao constatar que a violência sexual é a categoria com menor número de registros no serviço.

A organização não-governamental admite, entretanto, que ainda que haja críticas em relação à abrangência do serviço, o Disque Denúncia acaba por ser a única fonte de dados nacional para que se obtenha alguma informação sobre a ocorrência de violência sexual em todo o país.

Ao analisar a distribuição regional das denúncias, o documento aponta a Região Nordeste como a que mais faz denúncias e a Região Norte como a que menos tem registros. Mas há um consenso, segundo o relatório, de que os números não são tão representativos quanto à incidência de casos de violência sexual, mas de maior realização de campanhas ou de outros instrumentos de esclarecimento sobre o assunto.

“É certo que não há dados suficientes para que se constate que a violência sexual é uma forma menos freqüente de violência. Pode-se dizer apenas que há menos registros coletados”, diz o documento.

A ONG questiona, ainda, a divulgação de uma espécie de lista suja de estados que concentram o maior número de denúncias de violência sexual. O fato de o Distrito Federal ser o local com mais denúncias, por exemplo, leva à conclusão, segundo o documento, de que a proximidade com o governo federal e com os órgãos que estabelecem as políticas públicas federais faz com que a informação chegue mais efetivamente à população.

“Também é de se levantar a ausência de conexão do Disque 100 com outros disque-denúncias municipais ou estaduais, uma vez que, havendo um bom serviço local sendo disponibilizado para a população, a utilização do serviço nacional seria menor.”

O relatório lembra que, ainda hoje, é considerado “aceitável” pelo senso comum que crianças sejam mais vitimadas pelo abuso sexual, enquanto adolescentes são vítimas de exploração sexual. De acordo com a ONG, isso dificulta a forma como a sociedade vê e percebe as situações de violência.

Enquanto as crianças são vistas como vítimas de abuso, adolescentes que sofreram exploração sexual, na maior parte das vezes, não são percebidos como vítimas – são tratados como adultos responsáveis pela condição de violência em que se encontram.

Outra crítica diz respeito à ausência de estrutura e de recursos para que policiais se desloquem caso seja recebida uma denúncia no interior dos estados. Dados da Secretaria de Direitos Humanos (SEDH) indicam que há, em todo o país, apenas 49 delegacias especializadas e seis varas judiciais especializadas para crianças e adolescentes.

O problema, segundo a Anced, faz com que crianças e adolescentes que sofreram violência em municípios longe das capitais sejam atendidos em locais não adaptados para o atendimento especializado, ao lado de adultos, e acompanhados por equipes não especializadas em violência sexual.

Uma em cada três denúncias que chegam ao Disque 100 é de violência sexual

O serviço Disque Denúncia Nacional de Abuso e Exploração Sexual Contra Crianças e Adolescentes, o Disque 100, tem como objetivo acolher denúncias de violência contra a criança e o adolescente, sendo qualquer tipo de violação.

As denúncias são divididas em três categorias: negligência, violência física e psicológica e violência sexual.

Um levantamento realizado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) registrou 89.464 denúncias recebidas pelo serviço Disque 100, de maio de 2003 a fevereiro de 2009.

Desse número, 35% dos casos são de negligência, 34% de violência física e psicológica e 31% de violência sexual. De acordo com SEDH, foram registradas nos dois primeiros meses do ano 4.698 denúncias de todo o Brasil.

A coordenadora da Área de Dados do Disque 100, Fernanda Regis, explicou que o número de denúncias é dividido praticamente em um terço para cada categoria.

“Negligência aponta mais denúncias, mas isso não significa que violência sexual não tenha um quantitativo maior. A quantidade de denúncias de um dia pode ser dividida em um terço para cada categoria”, disse.

Fernanda Regis ressalta que, em alguns estados, o número de denúncias é menor, não por falta de informação e, sim, por motivos de acessibilidade, como é o caso da Região Norte.

“Existem muitas populações ribeirinhas que não têm acesso a um telefone. Mas em todos os estados temos campanhas realizadas pelo governo federal, estadual e municipal. As campanhas, o acesso ao telefone, o fortalecimento da rede local e a credibilidade no serviço influenciam no crescimento ou não das denúncias”, ressaltou.

Famílias impõem pacto de silêncio em casos de violência contra crianças, diz delegada

Casos de violência sexual contra crianças e adolescentes não são denunciados pelos pais, por falta de informação e até mesmo por uma questão cultural. É o que revela a chefe da Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Praticados contra Crianças e Adolescentes do Amapá, Antonia Vilani Gomes de Alencar Feitosa.

Em 2008, foram registradas cerca de 500 denúncias na delegacia especializada. Segundo a delegada, os maiores índices de casos contra violência são de classes de menor poder aquisitivo. Crianças com menos de 13 anos são as que mais sofrem com atos de violência sexual. “A maioria dos casos acontecem dentro do lar. Algumas famílias não denunciam porque acham normal a agressão, é uma forma de repreender a criança”, conta.

Um fator que influencia a criança ou o adolescente a não denunciar é o pacto de silêncio imposto pela família. Além disso, de acordo com a delegada, a impunidade do Estado é grande, devido a falta de provas no inquérito.

Antonia Vilani explica que quando os casos chegam à delegacia é porque o nível de agressão chegou ao extremo. “Além da agressão física, ficam também seqüelas psicológicas. Muitos casos, quando são denunciados ao Ministério Público, não têm como seguir em frente por falta de provas. Só os depoimentos não são suficientes, e isso influencia a família a não denunciar”, ressalta.

A delegada explica que a simples ausência de provas não significa que o MP não vá investigar, mas quando existem provas concretas da prática de violência, qualquer que seja o tipo, é mais fácil o processo resultar em penalidade para o acusado.

Para ela, deve haver mais empenho do governo em relação às ações de políticas públicas para combater esse tipo de crime. “Campanhas, informativos, cartilhas e propagandas deveriam ser realizadas várias vezes, ao longo do ano. Essas ações só se intensificam quando se aproxima o Dia Nacional de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, em maio”, diz a delegada.

Falta coordenação entre políticas voltadas para crianças e adolescentes, avalia ONG

Falta coordenação entre as políticas públicas brasileiras voltadas à infância e à juventude, aponta relatório produzido pela Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced). De acordo com a organização não-governamental, não há no país um plano de ação que cubra todas as áreas dos direitos de crianças e adolescentes, nem mesmo um mecanismo específico capaz de assegurar recursos humanos e financeiros para o setor.

“O Brasil não conta com órgão centralizado responsável pela coordenação das políticas para a infância no Brasil ou que possa ser responsabilizado direta e claramente por falhas no funcionamento da política nacional”, diz o documento, ao destacar a existência de apenas duas instâncias no âmbito federal que cumprem “papel significativo” – a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). “Mas eles não têm nem o alcance, nem os recursos, nem a estrutura necessária para uma eficaz coordenação da política nacional.”

Em 2005, por exemplo, o gasto com a população infanto-juvenil representou 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro enquanto o pagamento de juros, encargos e amortização da dívida pública federal consumiu 33%.

Os gastos com crianças e adolescentes, de acordo com o relatório, representaram 8,3% do total arrecadado pelo governo federal no mesmo período e foram destinados a uma parcela que representa 34% da população brasileira. Até junho de 2006, quase 50% de todos os programas implementados pelo governo federal na área apresentavam uma execução inferior a 15%.

O documento indica ainda que não há “movimentação” por parte do governo no sentido de elaborar um plano de ação e que, mesmo no caso de planos elaborados em parceria com a sociedade civil, não há previsão ou sugestão de alocação orçamentária compatível.

A Anced considera o cenário brasileiro “um fracasso governamental” diante da perspectiva de atender às recomendações feitas pelo Comitê dos Direitos da Criança, mas avalia que a sociedade civil organizada tem conseguido fazer com que o governo brasileiro avance na elaboração de políticas públicas para crianças e adolescentes.

Para a elaboração do relatório, foram ouvidos 335 meninos e meninas que pertencem a grupos em situação de vulnerabilidade, como crianças com deficiência, indígenas, sem-terra e que vivem em áreas de conflito armado.

Os dados apresentados pelo documento serviram de subsídios para a construção de um relatório alternativo da sociedade civil, para o Comitê dos Direitos da Criança das Organização das Nações Unidas (ONU), que será divulgado amanhã (30) na Câmara dos Vereadores de São Paulo.

A Secretaria Especial dos Direitos Humanos preferiu não comentar o relatório e as críticas feitas pela ONG. A SEDH onselho informou, por meio de sua assessoria, que também participou da organização do relatório e que irá se manifestar após a divulgação oficial do documento.

Relatório aponta que plano de convivência familiar de crianças ainda é desconhecido

Denúncias de negligência superam as de violência sexual contra crianças no Disque 100, diz ONG

Uma em cada três denúncias que chegam ao Disque 100 é de violência sexual

Famílias impõem pacto de silêncio em casos de violência contra crianças, diz delegada

Falta coordenação entre políticas voltadas para crianças e adolescentes, avalia ONG

Matérias de Paula Laboissière, da Agência Brasil.

[EcoDebate, 30/03/2009]

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