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Abu Dhabi planeja uma utopia verde no deserto, a ecocidade de Masdar City

Maquete da cidade 'carbono zero', Masdar City. Foto de AFP/KARIM SAHIB, no Le Monde
Maquete da cidade ‘carbono zero’, Masdar City. Foto de AFP/KARIM SAHIB, no Le Monde

Por enquanto, ainda é uma miragem ecológica flutuando no deserto de Abu Dhabi, a 25 quilômetros da capital dos Emirados Árabes Unidos (EAU). Uma miragem de US$ 22 bilhões (cerca de R$ 53 bilhões) que emerge das areias entre raras palmeiras plantadas: uma central solar fotovoltaica em fase de acabamento, as armações de concreto do futuro Instituto Masdar de Ciência e Tecnologia. E essa placa na entrada do canteiro, que mostra a ambição dessa cidade verde desejada por um emir do ouro negro: “Imagine um lugar onde a inovação, a tecnologia e o desenvolvimento sustentável se conjuguem para criar uma cidade de uma nova espécie”. Se a crise financeira que atinge também os emirados do Golfo não afetar essa utopia em construção, Masdar City abrirá suas portas em 2016. Essa cidade de todos os zeros – zero carbono, zero lixo, zero carro – talvez seja o laboratório das cidades do futuro. Mais “clean-tech” do que a ecocidade de Dongtan, cuja abertura deve coincidir com a Exposição Universal de Xangai em 2010. Matéria de Jean-Michel Bezat e Grégoire Allix, em Abu Dhabi, no Le Monde.

O príncipe herdeiro de Abu Dhabi, xeque Zayed bin Sultan al-Nahyan, tinha todos os meios para isso. Ele desejou grandeza, beleza e limpeza para essa cidade destinada a acolher 90 mil pessoas, sendo 40 mil residentes. E, primeiramente, para o projeto urbano, confiado ao arquiteto britânico Norman Foster. “É uma aliança entre soluções ancestrais, potentes cálculos de informática e materiais tecnológicos de ponta”, um estilo “high-tech” que fez a reputação de Norman Foster, resume Yves Lion, laureado do Grande Prêmio de Urbanismo de 2007 e especialista em cidades árabes.

Símbolo dessa modernidade, o Instituto da Ciência, ligado ao prestigioso Massachusetts Institute of Technology (EUA), foi posicionado no coração da cidade. Será o primeiro prédio a ser erguido, seguido da sede da empresa Masdar, construída segundo regras ecológicas: o teto coberto de painéis solares será montado antes do resto para fornecer eletricidade limpa durante as obras.

“Masdar City retoma as raízes do Oriente Médio, sua concepção urbana tradicional. Uma herança que a cidade árabe contemporânea muitas vezes perdeu, ao se inspirar no “american way of life”, em que uma simples janela se torna um monumento, as ruas são muito largas, e os espaços, muito dilatados”, observa Yves Lion. Masdar, “a fonte” em árabe, se inspirará nas almedinas: ruas estreitas para proteger do calor estival, torres de vento para refrescar o ar à noite, muralha contra os ventos quentes do deserto… Um pouco do Cairo, de Alep e de Shibam, explicam seus criadores.

Sua própria construção atenderá aos critérios do desenvolvimento sustentável e se traduzirá por uma emissão reduzida de dióxido de carbono: aço reciclado, concreto com menos cimento, alumínio produzido com 90% menos de CO2, energia solar, éolica… Seus defensores também garantem que os operários do prédio não foram esquecidos, nesses países do Golfo onde a exploração dos imigrantes asiáticos ou africanos chega perto da escravidão. “É preciso encontrar um equilíbrio social, em que todo mundo seja tratado de maneira igual”, diz Khaled Awad, diretor de desenvolvimento de Masdar City, lembrando as promessas feitas junto ao Fundo Mundial para a Natureza (WWF).

A ecocidade não deverá consumir mais do que um quarto da energia utilizada por uma cidade clássica de 50 mil habitantes. “Mais do que a construção da cidade, é o modo de vida de seus moradores que deve respeitar os princípios do desenvolvimento sustentável”, ele insiste. “Masdar é um laboratório vivo”.

E habitável? O “masdari” deverá ser feliz! Longe da bagunça das cidades modernas, eles passearão por ruas com sombra onde só se ouvirá o canto dos pássaros, o ruído das fontes e o zumbido das conversas. Suas compras serão “biofuturísticas”: eles poderão encomendar, por meio de uma touch screen, carne, frutas e legumes produzidos respeitando as normas ecológicas e entregues em domicílio para limitar seus deslocamentos.

O habitante ou o visitante se deslocará a pé, de bicicleta ou em veículos futuristas de “transporte rápido pessoal”. Dignos de um filme de ficção científica, suas 1.500 cabines-táxi guiadas por um trilho magnético deixarão seus passageiros a menos de 150 metros do lugar escolhido. “Pode-se até imaginar uma rede mais ramificada no futuro”, explica Luca Guala, especialista em planejamento de transportes da empresa italiana Systematica. Oitenta por cento da água será tratada e reutilizada, 98% dos dejetos serão transformados em energia ou reciclados. Os 200 a 240 megawatts necessários para seu funcionamento virão em grande parte da energia solar. “Nós produziremos mais energia do que precisamos, basicamente a partir dos painéis instalados nos tetos”, se orgulha Samir Abu Zaid, o diretor da produção e da distribuição de eletricidade, que atualmente testa 41 sistemas diferentes antes de escolher o mais bem adaptado ao sol e à areia de Abu Dhabi.

O “masdari” deverá obedecer a uma rígida disciplina ambiental.
Cada habitante deverá respeitar as cotas de CO2, de dejetos domésticos e de água. “Mesmo que ele esteja preparado para adotar um modo de vida de acordo com o espírito da cidade, pensamos em um sistema de controle”, reconhece Jay R. Witherspoon, diretor de tecnologia na CH2M Hill, a empresa de engenharia que concilia todos as partes interessadas no local: telas em cada casa e, por que não, um mini-computador de bolso que o alertará em caso de ultrapassagem das cotas, etc. Khaled Awad diz ainda que o preço da energia e da água, e a própria concepção da cidade, “o ajudarão muito a adotar um comportamento responsável”.

Essa concentração de inovações em 7 km2 custará a bagatela de US$ 550 mil por habitante. Os primeiros bilhões vieram de estruturas públicas de Abu Dhabi e um pouco das virtudes ecológicas da cidade. “O diferencial de utilização de energia e de água ajudará a pagar os custos adicionais ligados à utilização das melhores tecnologias”, afirma Khaled Awad. A cidade também permitirá que se evite o despejo de 1,1 milhão de toneladas e CO2 por ano: a venda de “créditos de carbono” prevista pelo protocolo de Kyoto sobre a redução de gases causadores do efeito estufa trará uma pequena contribuição. O projeto deve, sobretudo, atrair capitais de empresas internacionais envolvidas em tecnologias limpas, e foi feito de tudo para trazê-las para esta zona franca: capitais 100% estrangeiros (com direito de repatriação), isenção total de impostos, proteção da propriedade industrial.

“Há poucos países para os quais, a essa altura, o dinheiro não seja um problema”, resume Yves Lion. “É uma Ferrari no deserto, que talvez ajude a fabricar Twingos”. Muitas empresas, especialmente francesas, foram seduzidas por essa bela vitrine. “Masdar City será um exemplo de economia circular. Ela permitirá que se desenvolvam técnicas na urbanização verde, das quais algumas poderão ser aplicadas em grandes conjuntos urbanos, como em Tianjin ou Chongqing na China”, ressalta Gerard Mestrallet, presidente da GDF Suez. O grupo “discute” uma participação em um projeto em sua área (tratamento de águas e esgoto, energia, dessalinização de água do mar).

Causa muita surpresa e incredulidade o fato de um pequeno emirado repleto de petróleo (8% das reservas mundiais) estar tomado de tal febre ambiental, e se comprometer a produzir em 2020 pelo menos 7% de sua eletricidade a partir de energias renováveis. O próprio Sultan al-Jaber, diretor da Masdar, admite: “É um compromisso audacioso para um país cuja economia é dominada pelo petróleo e pelo gás”. Essas tecnologias limpas, no entanto, “fazem mais sentido do que nunca, mesmo nesse período difícil”, diz esse homem próximo do poder. Abu Dhabi quer se tornar um “Vale do Silício das energias alternativas”. O emirado investiu em um fundo para as energias limpas, para a formação dos engenheiros do futuro, joint ventures, duas usinas de painéis solares na Alemanha e em Abu Dhabi, um local de captação e armazenamento de CO2. Ele busca reduzir sua “pegada de carbono” – uma das mais altas do mundo por habitante, bem maior que a de um americano – e um dia aumentar dois pontos no PIB que já tem um crescimento constante.

“Se der certo, não nos perguntarão mais ‘por que Masdar City?’, mas sim ‘por que não há outras?'”, diz Khaled Awad. A cidade deseja abrigar a sede da Agência Internacional para as Energias Renováveis, criada em janeiro por cerca de 80 países. No entanto, ela corre o risco de permanecer por muito tempo um oásis verde no meio de um deserto onde os petrodólares se reciclam em projetos faraônicos e pouco cuidadosos com o meio ambiente. O novo circuito de Yas Marina receberá em 2009 o primeiro Grande Prêmio de Fórmula 1 de Abu Dhabi. Ao longo da futura ecocidade, onde um gigantesco projeto imobiliário está sendo erguido, uma rodovia de cinco vias em dois sentidos se estende em direção a Dubai. Uma hora depois, o táxi deixa seu visitante em Ski Dubai, o complexo “alpestre” construído no Mall of the Emirates, um centro comercial que brilha intensamente 24 horas por dia. Sob o olhar de mulheres envoltas em suas longas abayas (túnicas) pretas, os esquiadores deslizam pelas pistas cobertas todos os dias por 30 toneladas de neve. É preciso muita energia – e CO2 – para manter a temperatura a 2 graus negativos quando o termômetro passa de 50ºC do lado de fora. Uma réplica do Ski Dubai está em projeto a alguns quilômetros de Masdar City.

Tradução: Lana Lim

Matéria [Une utopie verte dans le désert] do Le Monde, no UOL Notícias, 20/03/2009 – 00h01

[EcoDebate, 21/03/2009]

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