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Der Spiegel: O alto preço do etanol limpo e barato (The High Price of Clean, Cheap Ethanol

Cortador de cana trabalha após a queima, em Araçoiaba, Pernambuco. Foto do Der Spiegel
Cortador de cana trabalha após a queima, em Araçoiaba, Pernambuco. Foto do Der Spiegel

O Brasil espera fornecer aos motoristas de todo o mundo o combustível do futuro – etanol barato derivado de cana-de-açúcar. Ele é considerado um antídoto eficaz para a mudança climática, mas centenas de milhares de trabalhadores rurais brasileiros colhem a cana a salários de escravos.

No meio da noite, a plantação ao redor de Araçoiaba, na zona do etanol do Brasil, está pegando fogo. A área parece uma zona de guerra durante a colheita da cana, à medida que os campos em chamas iluminam o céu e o vento carrega as nuvens de fumaça pelo interior.

O fogo afugenta cobras, mata tarântulas e queima as folhas afiadas da cana. Pela manhã, quando restam apenas brasas, dezenas de milhares de trabalhadores com facões entram nos campos por toda esta região no Nordeste do Brasil. Eles colhem a cana, que sobrevive ao fogo e que é usada para destilar o etanol, a gasolina do futuro. Matéria de Clemens Höges, do Der Spiegel.

Horas antes, Antonio da Silva tenta levantar de sua cama. Ele não precisa de despertador, mesmo às 2h da manhã. A dor o acorda. Ele olha para as outras duas camas no quarto, onde dormem seus filhos – quatro meninas e dois meninos. Assim que sai, diante de sua tenda, ele diz que poderá não conseguir sustentá-los por muito tempo.

Ele sabe que uma hérnia acabou com ele. É a hérnia que o força a colocar seu intestino no lugar quando se endireita após se inclinar. Ele sente dois tipos de dor: uma latejante em sua virilha, com a qual convive há muito tempo, e a dor aguda que experimenta sempre que corta a cana com seu facão.

Quando os feitores perceberam que estava segurando o intestino com a mão, eles o expulsaram da plantação. Eles não têm interesse em velhos doentes quando há abundância de trabalhadores jovens e fortes para ocupar seu lugar. Segundo um estudo feito pela Universidade de São Paulo, os cortadores de cana duram em média 12 anos no emprego antes de estarem tão desgastados que precisam ser substituídos. Antonio tem 43 anos, um velho nas plantações.

Apesar de sua hérnia ter sido curada no hospital, o médico lhe disse que ele não deve mais cortar cana, especialmente não nos próximos meses. Caso contrário o ferimento pode reabrir e possivelmente matá-lo.

Apenas 11 dias depois, Silva estava de volta cortando cana, desta vez em uma plantação diferente, no extremo sul de Araçoiaba. Ele parece forte, com seu tronco musculoso e cabelo curto. Ninguém na nova plantação sabe de sua dor.

“O que posso fazer?” pergunta Silva. “Não há nada mais aqui. Aqueles que não cortam cana passam fome. E há os filhos.” Ele guarda seu facão e um cantil contendo cinco litros de água, o suficiente para mantê-lo em meio ao calor do dia. Ele caminha até um dos vários ônibus em espera que chegam, no fim da noite, para levar os homens de Araçoiaba até as plantações.

Silva precisa colher três toneladas e meia de cana até o sol se pôr. Esta é sua cota diária, o suficiente para produzir cerca de 300 litros de biocombustível. Para isso, Silva terá que atingir a cana com seu facão cerca de 3 mil vezes, trabalhando entre as cinzas e brasas e sob o sol escaldante. Se o médico estiver certo, um desses golpes acabará abrindo sua virilha novamente.

Antonio da Silva é um dos cerca de 1 milhão de pessoas que trabalham nas plantações e nas usinas de etanol do Brasil. Muitos vivem e sofrem tanto quanto seus ancestrais -como escravos nas plantações de cana. Os fiscais do governo ocasionalmente libertam um punhado de trabalhadores rurais, mas em um país tão grande, as autoridades são poucas e dispersas. O verdadeiro poder está nas mãos dos capangas que trabalham para os coronéis do açúcar. Eles intimidam os trabalhadores e expulsam os pequenos agricultores com tratores, tudo em apoio a uma visão global. “Até 2030, nós seremos os maiores fornecedores de combustível do mundo”, diz o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Se tudo seguir de acordo com o plano, o etanol proporcionará ao seu país -e ao restante do mundo- um futuro brilhante.

O poder do sol

Em 2008, o Brasil produziu quase 26 bilhões de litros de etanol, um número projetado para crescer para 53 bilhões em 2017. Não há escassez de compradores. Mais de 30 países em todo o mundo usam o etanol como aditivo à gasolina. Os Estados Unidos planejam atender cerca de 15% de suas necessidade de combustível com o etanol até 2012, enquanto a União Europeia quer que o etanol represente 10% de cada litro de gasolina vendido em 2020.

Os suecos estão à frente neste desenvolvimento. No ano passado, eles assinaram um acordo com empresas brasileiras para entrega de 115 milhões de litros de etanol. Os suecos, querendo agir corretamente, estipularam em seu acordo que trabalho escravo ou infantil não pode ser usado para produção de seu biocombustível. Em troca, eles pagarão um adicional de 5% a 10%.

O plano de Lula é ainda mais abrangente. O presidente sonha com um cinturão verde cercando o globo ao longo do equador. Este cinturão de cana-de-açúcar ligaria grandes partes do Terceiro Mundo tropical, onde a cana cresce melhor. Os pobres do planeta poderiam usar o know-how brasileiro para produzir o etanol. Seus governos se uniriam para formar uma organização como a Opep, mas para o biocombustível.

Eles poderiam fornecer combustível para os países ricos e se tornarem ricos eles mesmos. Eles também ajudariam a salvar o mundo do colapso do clima, porque a combustão de etanol produz apenas o dióxido de carbono que a planta extraiu do ar. Em outras palavras, os carros poderiam rodar para sempre, e o mundo continuaria operando, movido pelos raios do sol equatorial. Pelo menos é o que Lula imagina.

No sonho dele, o Brasil lideraria o mundo nesta “nova era da humanidade”, como uma Arábia Saudita do biocombustível. Os especialistas estimam que se todo carro no mundo rodasse a etanol, o país de Lula poderia atender a um quarto da demanda mundial. Na era do etanol, como o presidente prevê, o mundo seria mais verde, mais moderno e -falando globalmente- bem mais justo do que hoje. “Quando pensamos no etanol, nossa meta é ajudar os pobres”, diz Lula. “O mundo precisa ficar mais limpo, o mundo precisa de empregos”, ele prega. Ele também insiste que o biocombustível é uma solução para ambos os problemas, em outras palavras, uma “oportunidade histórica”.

É um sonho atraente. Políticos de várias partes do mundo, juntamente com corporações agrícolas como a Cargill, investidores como George Soros e até mesmo multinacionais como a Shell querem que ele se torne realidade. Agora que 189 governos ratificaram o Protocolo de Kyoto, eles precisarão do etanol para atender suas metas de redução de CO2. Quando a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, visitou Lula no Brasil em maio passado, os dois líderes assinaram um acordo de energia. Especialistas agora estão examinando como o etanol brasileiro pode fluir das bombas dos postos alemães.

Parte do charme da visão de Lula é que nada mudaria para as pessoas nos países industrializados. Elas não seriam forçadas a economizar, e os fabricantes de carros simplesmente instalariam algumas poucas gaxetas diferentes em seus motores, como a Volkswagen faz no Brasil há muito tempo. O etanol até mesmo seria barato, com as usinas brasileiras o produzindo ao custo de cerca de 20 centavos de dólar por litro. Acima de tudo, os motoristas, com o poder do sol em seus tanques, poderiam pisar no acelerador com consciência limpa.

“Baboseira”, diz o padre Tiago. “A promessa do biocombustível é uma mentira. Qualquer um que compra etanol está injetando sangue em seu tanque. O etanol é produzido por escravos.”

O padre está familiarizado com o lado sombrio da visão de Lula. Ele se importa com as pessoas para as quais o sonho do presidente significa viver um pesadelo.

Uma longa tradição de escravidão do açúcar

Tiago, um monge católico da Escócia, levanta seu boné surrado de tweed Harris. Ele tem nariz curvo, rugas no rosto e barba quase totalmente grisalha. Ele diz que nunca aceitou a idéia de que a felicidade para algumas pessoas pode se basear na infelicidade de outras – e que homens como Antonio da Silva pagam o preço pelo ecocombustível barato.

O padre Tiago acredita que não se pode permitir que alguém trate pessoas como escravas. Os ancestrais dos grandes latifundiários do Brasil estabeleceram as primeiras plantações pouco depois de Cristóvão Colombo ter trazido a cana-de-açúcar para o Novo Mundo. Primeiro eles arrastaram os índios para seus campos, então trouxeram os negros da África. O pesadelo da escravidão transatlântica começou com a cana-de-açúcar.

Agora a plantação produz etanol e açúcar, e um tsunami verde está varrendo o Brasil. A cana-de-açúcar é cultivada em mais de seis milhões de hectares (aproximadamente o tamanho do Sri Lanka ou do Estado americano da Virgínia Ocidental). Um hectare é mais ou menos do tamanho de um campo de futebol. Mas isso é apenas o início, com planos de expandir a produção para cobrir 10 milhões de hectares. As máquinas podem realizar a colheita nos campos planos do sul, mas não no íngreme norte.

O padre Tiago está dirigindo no sentido norte pela BR-101, a rodovia da cana do país. A região que margeia o Oceano Atlântico é chamada de Zona da Mata. Mas as florestas tropicais foram derrubadas há muito tempo, e a Zona da Mata desde então se tornou a zona do etanol do Brasil. Os coronéis da cana desviam rios e córregos e derrubam vilarejos inteiros. Como católicos devotos, eles deixam apenas as capelas e igrejas em pé, o que resulta na visão curiosa de pequenas torres de capela, com acesso impossível pela estrada, de vez em quando se projetando no meio do mar de verde.

Os Padres Kiltegan , um grupo de missionários irlandeses, enviou o irmão Tiago ao Brasil em 1968. Em 1975, a Conferência Nacional dos Bispos criou a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Sua meta é melhorar as vidas dos trabalhadores rurais praticando o que o padre Tiago chama de “boa religião”. A “má religião”, ele diz, é a fé pregada nas igrejas das fazendas, prometendo constantemente aos trabalhadores uma vida melhor no próximo mundo.

Um setor dirigido por gangues

A CPT lhe deu um carro – um Gol da Volkswagen. Viajando em nome da CPT, o padre Tiago passa seus dias na BR-101 e nos vilarejos do etanol que margeiam as estradas vicinais. Ele conhece muitas pessoas na região e passa grande parte do seu tempo reunindo as pessoas, assim como fornecendo conselho e conforto.

Um dos vilarejos-leito miseráveis para os cortadores de cana na rota de Tiago é Araçoiaba, uma coleção plana de barracos sujos e casas em meio a um calor escaldante. As partes mais importantes de Araçoiaba são as grandes praças onde os ônibus fazem fila à noite.

Antonio da Silva se mudou para a cidade com sua família há cinco anos. Eles jogaram lonas plásticas sobre um punhado de galhos para construir a tenda onde ainda moram hoje. A porta consiste de pedaços de pano pregados em uma tábua, e tábuas colocadas ao redor de um buraco na lona formam a janela. Os móveis, arranjados no chão de terra, consistem de camas de estrado e um armário.

As crianças geralmente brincam na terra e as meninas costumam ter infecções. Esgoto a céu aberto corre pelas valas abertas. Quando chove, toda a cidade de tendas se transforma em um lamaçal. Ela já foi um depósito de lixo, até que o boom do etanol começou a atrair mais e mais pessoas para a região. Hoje ela se chama Nova Araçoiaba, um esforço para evocar a promessa do futuro.

Antonio não poderia terminar em qualquer outro lugar. Ele é analfabeto e não teve outras oportunidades. Seu pai morreu quando ele tinha sete. Quando sua mãe adoeceu, ela deu a Antonio um facão e o enviou até o capataz da plantação.

O facão, com uma lâmina mais larga que uma mão, é afiado sete ou oito vezes por dia. Ele é afiado como uma navalha. A ponta da lâmina pode causar ferimentos graves.

O ato de cortar cana consiste de dois golpes com o facão. O primeiro golpe separa a cana da raiz, o segundo remove as folhas restantes do talo, permitindo ao trabalhador torcer o talo da cana com sua mão livre. Os movimentos são rápidos e fluidos, mas o golpe duplo exige força, mesmo na primeira, segunda ou terceira vez. Após 3 mil ou 4 mil golpes por dia, à noite os homens freqüentemente estão exaustos demais para falar.

Antonio aprendeu as leis da cana-de-açúcar antes de aprender a cortar. A primeira é que nenhuma lei está acima das palavras do feitor. O feitor determina o que os trabalhadores ganham, quem é contratado e quem é demitido.

Ele aprendeu que os homens podiam desmaiar ou morrer no local por trabalharem demais sob o forte sol por não terem água suficiente para beber. Acontece com freqüência. Ele aprendeu que ninguém ajudaria caso cortasse seu pé com o facão, e que aqueles que não podem trabalhar não têm nada para comer. Ele aprendeu que qualquer um que cause problemas rapidamente se vê face a face com os capangas, que cruzam as plantações em jipes e ou motos. Eles carregam rádios e armas. Oficialmente, eles são considerados seguranças que vigiam as plantações. Na verdade, os capangas cercam os trabalhadores como cães agressivos cercando o rebanho.

‘Esses homens vivem como escravos’

Nas plantações, os trabalhadores não são autorizados a comer nada exceto fubá com água, o alimento de subsistência diário dos cortadores de cana. Seus salários são insuficientes para comprar qualquer outra coisa.

Eles trabalham seis dias por semana. Antonio ganha cerca de RS$ 400 por mês durante a estação, que dura entre cinco e seis meses. Uma das maldições da monocultura é que não há trabalho para os cortadores de cana no Nordeste exceto durante a estação da colheita. Em outras palavras, eles e suas famílias têm que sobreviver com o que ganham durante todo o ano. Isso é muito pouco, especialmente quando um quilo de feijão custa R$ 5,80.

Sem as cinco freiras do “Sagrado Coração de Cristo”, Antonio seria incapaz de alimentar sua família. Uma vez por mês as freiras, que dirigem um lar para crianças, dão a ele uma cesta de arroz, milho, leite em pó e sabão. Todo dia, uma de suas filhas é autorizada a passar o dia no orfanato, juntamente com 174 outras crianças. As freiras as alimentam e lhes ensinam a escrever e aritmética. “Quando as crianças chegam aqui, elas são tão magras que é possível ver cada costela”, diz a madre superiora, irmã Conceição, 72 anos.

Ela se dedica a lutar pelo futuro das meninas. “Muitas se tornam prostitutas quando chegam a esta altura”, diz a irmã Conceição, segurando sua mão cerca de 1,5 metro do chão. Não se trata de dinheiro, ela diz. “Elas se dão por um pedaço de carne seca”, até engravidarem e tentarem realizar abortos com raios de roda de bicicleta. “Algumas morrem no processo”, diz a madre superiora.

Dois irmãos, de 17 e 18 anos, vivem em outra tenda em Araçoiaba. Eles começaram a trabalhar nos campos de cana há 10 anos. Eles não tiveram infância e agora não têm futuro. Eles podem ver o que o futuro lhes reserva quando olham para homens como Antonio da Silva. “O calor, a terra e os ferimentos são muito ruins”, disse o mais velho dos dois, “mas o pior é que ficaremos aqui para sempre, porque não há nada mais”.

“Estes homens são mantidos como escravos. A escravidão é ilegal, mas eles são escravos”, diz José Lourenço da Silva. Muitos aqui compartilham o sobrenome Da Silva. Muitos são descendentes de escravos, que tinham apenas o primeiro nome. Quando os proprietários das fazendas foram forçados a libertar seus escravos em 1888, milhares receberam os mesmos sobrenomes.

‘Nós não sabemos nada’

José Lourenço da Silva é o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais em Aliança, outra cidade do etanol. O vento carrega o fedor de miséria pelo pátio interno aberto do prédio que abriga seus escritórios. José Lourenço, espiando por cima de seus óculos de leitura, está vestindo uma camisa passada e carrega uma caneta esferográfica no bolso de sua camisa. Na zona do etanol, estes são sinais de um intelectual, mas José Lourenço se sente mais como um lutador.

Ele sobreviveu a três tentativas de assassinato cometidas pelos capangas, como ele acredita. Da última vez, ele diz, ele mal escapou com vida. Ele recebeu um telefonema – um pretexto para atraí-lo até uma plantação. Enquanto dirigia de volta para casa, três balas atingiram seu carro.

As pessoas que depositam suas esperanças em José Lourenço ficam sentadas em cadeiras brancas de plástico no corredor do lado de fora de seu escritório. “O boom do etanol pode ser bom para o Brasil, mas é devastador para as pessoas”, ele diz, acrescentando que o sonho de Lula tem sido um desastre. Nos seis anos desde que Lula assumiu a presidência, diz José Lourenço, o número de pessoas que procuram sua ajuda, que aguardam do lado de fora de seu escritório em Aliança, dobrou. Ele até mesmo teve que trazer mais cadeiras de plástico.

Muitos de seus casos estão relacionados a acidentes, mas a maioria envolve salários. A cana não é pesada para determinar quantas toneladas os homens cortaram em um determinado dia. Em vez disso, o feitor mede com uma vara quanto do campo cada trabalhador cortou. Se ele desejar, ele pode deixar a vara escorregar de sua mão, reduzindo o pedaço de terra que um trabalhador cortou – e assim os seus salários. Em muitos casos, as fazendas simplesmente pagam nada aos trabalhadores ou apenas parte dos salários devidos.

Quando isso acontece, José Lourenço vai até a fazenda infratora, onde ele examina os registros e mede os campos cortados. Ele discute com o feitor e pode ser bastante incômodo. Mas ele tem pouco poder real.

Fábio Farias, por outro lado, tem poder – pelo menos em teoria. “Quando olhamos os números, parece não haver problemas nas plantações”, diz Farias, um funcionário do Ministério do Trabalho em Recife, a capital do Estado de Pernambuco. “Eles indicam que quando ocorrem acidentes, nós temos um melhor registro do que na Suíça. O problema é que nossos números estão errados. Em outras palavras, nós não sabemos nada.” As fazendas, diz Farias, são mundos próprios, lugares onde ninguém informa acidentes ou abusos. Ele conta com muito poucas pessoas para monitorá-las, ele diz – nove fiscais para 140 mil trabalhadores.

Farias ocupa um pequeno escritório onde o gesso está descascando do teto e o computador está quebrado, sufocando em seus arquivos. Ele veste terno e gravata para trabalhar, e gostas de suor brilham em sua testa. Este não é um país para gravatas mas, apesar de tudo, Farias deseja preservar sua dignidade.

Ele sabe que o trabalho nas plantações é bem mais perigoso do que deveria ser. “O uso de pesticidas por si só é ultrajante”, ele diz, acrescentando que freqüentemente são espalhados nos campos à mão – por trabalhadores que não usam máscaras e nem luvas. “Isso causa problemas a longo prazo e há casos de envenenamento.”

Como Farias possui poucos fiscais, eles só podem fiscalizar uma fazenda ou usina – e fechá-la, se necessário – uma vez a cada poucos meses. Quando isso acontece, eles abrem processos, às vezes por escravidão, mas sempre por violações de todo tipo de regras e regulamentações.

José Nunes da Silva passou 12 anos cortando cana, até que ficou tão esgotado que não podia mais trabalhar. Atualmente ele enterra os mortos em Araçoiaba. O caminho deles pela cana termina aos seus pés.

Há belos túmulos neste cemitério, túmulos com cruzes, onde jazem capangas e feitores. Mas os corpos dos cortadores de cana geralmente ficam enterrados por apenas dois anos. Depois disso, ele remove os restos mortais dos homens do etanol e os leva para os fundos do cemitério, ao lado da lixeira, onde são queimados. Ossos se projetam das sombras e cães vadios perambulam o local.

O coveiro geralmente despeja um mistura de petróleo nos restos mortais dos cortadores e coloca fogo. “Ninguém sente o cheiro por causa da queima das plantações”, ele diz.

Os corpos são queimados para evitar o pagamento da taxa anual R$ 15 para cada túmulo – um valor alto demais para a viúva de um cortador de cana.

Tradução: George El Khouri Andolfato

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* Matéria [The High Price of Clean, Cheap Ethanol] do Der Spiegel, publicada pelo UOL NOtícias, Mídia Global, 23/01/2009 – 03h19

[EcoDebate, 27/01/2009]

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