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A água se torna artigo raro no México

torneira seca

No minúsculo jardim florido de Irene Rodriguez, nas alturas de Sierra de Guadalupe, a roupa está pendurada sobre fios na ordem em que foi lavada: primeiro o branco, depois as roupas de cor clara, depois os jeans. Pois a água produzida na máquina de lavar deve ser utilizada várias vezes: para a higiene dos cinco filhos, e depois para as várias lavagens, antes de terminar no fundo do vaso sanitário.

“Aqui, faz oito anos que a água não sai mais da torneira, conta Irene Rodriguez, e que nós a recebemos duas vezes por semana por caminhão-pipa. Somos obrigados a reciclar”.

Ao redor de sua choupana, como nos quintais de seus vizinhos, uma imensa quantidade de recipientes – baldes, barris, tanques de PVC – mostra a necessidade de estocar o precioso líquido. Matéria de Joëlle Stolz, Correspondente no México do Le Monde.

Esse labirinto de construções anárquicas, cujas ladeiras vertiginosas foram pavimentadas com cimento pelos habitantes, se chama El Mirador. A vista sobre a capital seria imbatível se uma névoa poluída de reflexos sulfurosos não turvasse as perspectivas do vale do México. Os bairros chiques em torno do bosque de Chapultepec estão somente a uma hora de carro quando não há trânsito: villas equipadas com seis banheiros, grandes gramados, piscinas, garagens repletas de veículos que pelotões de empregados aspergem com uma mangueira. Um outro mundo.

As zonas residenciais não deveriam sofrer muito com os racionamentos que acaba de anunciar a Comissão Nacional de Água (Conagua). Por causa de chuvas insuficientes, o nível das barragens do centro do país baixou perigosamente no começo da estação seca: elas estão a 63% de sua capacidade, contra os 85% usuais. “Hoje nós temos um déficit de 170 milhões de metros cúbicos. Precisaremos reduzir pela metade, durante três dias nos fins de semana e até maio, as quantidades que forneceremos para a capital e para o Estado (limítrofe) do México, explica José Ramon Arvarin, diretor-geral adjunto da Conagua. Mas a repercussão desses cortes, suportáveis em si, será multiplicada pelas falhas da rede urbana”.

É a primeira vez que as autoridades federais são levadas a tomar tais medidas desde a instalação, 30 anos atrás, do “sistema de Cutzamala”, que coleta as reservas de sete represas e as encaminha por um aqueduto de 110 quilômetros em direção à zona urbana onde vivem 20 milhões de habitantes. Mas essa contribuição só cobre um quarto das necessidades de uma das megalópoles mais sedentas do mundo: “O México consome quase 300 litros por dia e por habitante, o dobro das grandes capitais europeias”, ressalta Ramon Aguirre, diretor da rede canalização de água da capital.

O racionamento só revela antigos problemas, resultado de uma negligência dos poderes públicos e de dificuldades geológicas, em especial, graves deslizamentos de terra. As perdas decorrentes tanto dos vazamentos domésticos como nas falhas da rede atingem 38% (contra 26% em média no resto do país). As águas de chuva vão direto para o esgoto, e somente 6% das águas usadas são tratados. Uma enorme unidade de saneamento está sendo projetada no Estado de Hidalgo, ao nordeste do México.

Em espera, as tensões vão se acentuar em torno de uma distribuição muito desigual: nem 15% dos 2 milhões de habitantes de Ecatepec (a maior municipalidade da região, da qual El Mirador é um dos bairros) são atendidos permanentemente. Os outros são dependentes de 40 caminhões-pipa, que levarão ainda mais tempo para se reabastecerem nos dias em que o volume diminuir.

“Isso promete!”, suspira Jorge Padilla, engenheiro há dez anos no Sepase, serviço público de água de Ecatepec, que muitas vezes enfrentou manifestações de usuários, e às vezes até ameaças de linchamento.

Segundo ele, a água é um tema sensível neste subúrbio popular controlado pela esquerda, mas desejado pela direita, no poder do nível federal, e pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI, centro), que governa o Estado do México.

“Nunca tivemos tantos cortes de água e de eletricidade, ele nota. Tudo isso é manipulado, a alguns meses das eleições”.

Alguns esperam que o racionamento vá marcar o início de uma conscientização. “É preciso melhorar as canalizações, mas também diminuir a demanda ao modificar a estrutura das tarifas, afirma Ramon Aguirre. Devemos mudar os hábitos de consumo excessivo. Barcelona se sai bem com 114 litros por dia por habitante”.

Tradução: Lana Lim

* Matéria do Le Monde, publicado pelo UOL Notícias, Mídia Global, 14/01/2009 – 01h50.

[EcoDebate, 17/01/2009]

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