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Artigo

Fizeram poeira e a chamam modernização, artigo de Amanda Freire

Baixo Parnaíba, Município de Brejo, Palestina. Um nome que evoca terras áridas, quentes, e mais do que tudo, contendidas. Pois a Palestina maranhense é exatamente isso. Um pequeno ponto, circundado por terras cobiçadas e exploradas, que vão virando inférteis e arenosas. A sua especificidade é que tal quadro ambiental não foi produzido por processos geomorfológicos durante as eras geológicas. È o resultado de ações humanas de rapina, de grilagem, de invasão, concentradas em um arco de tempo breve, que levaram deserto e secura lá onde antes tinha vida.

A espera de um meio de transporte em Palestina se da na companhia de nuvens de poeira e areia, aliadas perversa do vento oceânico. Crianças, idosos, plantas e animais são chicoteados pelas turvações cinzentas. Lembram as temíveis “dust balls”, as bolas de poeira que assolaram o centro-oeste americano nos anos ´20 e ´30, causando emigrações forçadas de massas de camponeses desesperados. Só que aqui essas bolas de poeira, ainda que menores, são, novamente, o efeito de ações humanas.

Na região de Brejo os estragos do agronegócio são evidentes por todos os lados. Palestina e São João dos Pilões são rodeados por campos abertos e devastados onde um tempo repousava pacifico e rico o grande cerrado. Na comunidade Vila das Almas, 11.000 hectares titulados pelo INCRA a 448 famílias, dos 2.000 hectares de chapada, 60% já foi desmatado. São dados alarmantes em áreas que historicamente registram um alto grau de violência e conflitos. A Senhora Dudú, que trabalha no Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Brejo e mora na Vila das Almas, explica de onde vem a fama de violentos dos moradores dessa comunidade. As pressões sobre as terras lá sempre foram fortes, as tentativas de invasões por parte de outros posseiros, antes da chegada dos gaúchos, já eram comuns. “Qualquer rosto desconhecido e a gente já ficava desconfiada, os homens já puxavam as armas, mas nos queríamos só defender o que era nosso”, explica. “Pessoas morreram, sim, pessoas morreram”.

Esse alto nível de conflito entre as comunidades foi bem aproveitada pelos compradores e grileiros, que, pegando emprestada a comprovada pratica romana do “divide et impera”, souberam aproveitaram da falta de lideranças fortes para se aliar com posseiros e ir expandido os campos de soja e eucalipto dessa forma tão acentuada.

Sem terras, sem leis

As leis, da natureza e dos homens, nessas terras são ouvidas por poucas orelhas. Os assentados dessas terras brigam pelos recursos, sejam terras sejam os preciosos frutos de bacuri. Chegam a infringir aquele que parecia um tabu dentro do conhecimento tradicional de vivencia harmônica com a natureza: no desespero da derrubada e da falta, colhem os frutos ainda não maduros, diretamente dos galhos, comprometendo gravemente a regeneração e a qualidade do que colhem.

Os sojicultores usam de seus métodos cruéis e suas praticas ilegais: Seu Pedão da Comunidade do Macaco do Vitor, município de Milagres, nos relata das continuas ameaças, do gado matado, dos guardas que impedem a passagem por áreas que são da comunidade, que são necessárias aos moradores. Esses “guardas” e vigias vêm dessa forma assumindo o vulto conhecido de capangas, capangas de novos latifundiários, dos “modernizadores” que chegam do sul e escolhem a noite para invadir e desmatar áreas de chapada durante o sono ingênuo das comunidades. Multas do IBAMA ficam guardadas impunes em gavetas de quem tem muito dinheiro. Esses são os modernizadores, que vem levar o avanço econômico para o norte do Brasil. São eles que vêm ensinar, que vem civilizar, que vem para mostrar o que é desenvolvimento. Ameaças, despejos, mentiras, desmatamento. Pedão diz “Nossos filhos ficam morrendo na quentura. Ou gaúchos chegam, pegam do banco dinheiro que seria pra gente, plantam, vendem tudo e depois vão embora deixando a terra destruída”.

Tacito, grande historiador latino, com seu olhar cortante assim dizia do grande feito romano: “fizeram um deserto, o chamam de império”. Fizeram poeira, levaram amargura e desespero entre comunidades que ficam sem seus bacuris, sem suas criações, e chamam isso de modernização.

Amanda Freire, cientista política e colaboradora do Fórum Carajás Esse texto faz parte do programa Territórios Livres do Baixo Parnaíba, apoiado pela ICCO e realizado de forma conjunta com a SMDH, CCN e Fórum em Defesa do Baixo Parnaíba.

* Artigo enviado pelo Fórum Carajás.

[EcoDebate, 02/12/2008]

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