EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Notícia

Seca na Austrália incentiva negociação de água cada vez maior

Para o agricultor Malcolm Holm, a água agora é o mesmo que uma nova pá ou trator – ele precisa comprá-la. Nos últimos três anos, o volume de água que ele tem permissão para pegar do rio Murrumbidgee foi diminuindo até desaparecer, por conta da estiagem paralisante que há anos assola a Austrália. Por Tanalee Smith, Associated Press, de Sidney.

Holm, portanto, passou a ter de pagar por toda a água (com exceção da chuva que ele conseguir armazenar) necessária para seus 400 hectares em Finley, no Estado da Nova Gales do Sul, onde cultiva colheitas para alimentar sua 600 vacas leiteiras. “Não é diferente de comprar uma tonelada de grãos ou uma tonelada de fertilizantes”, diz Holm. “É apenas outra commodity”.

No continente habitado mais seco do mundo, simplesmente não há água suficiente e as famílias, cidades, indústrias e agricultura exigem sua parcela de rios e reservatórios que estão sobrecarregados. Dessa forma, a agricultura de irrigação acaba dependendo de um sistema único de comercialização para aproveitar o máximo de cada gota.

O que começou como um comércio localizado entre Estados agora é um mercado nacional ativo, que compartilha a água ao longo de centenas de quilômetros de sistemas hidrográficos usados por milhares de fazendeiros. Com a seca, a negociação de água é cada vez maior.

“A atividade de negociação está certamente se fortalecendo em relação aos anos anteriores”, diz Mark Siebentritt, gestor de operações da Waterfind, maior corretora de água do país. A água é negociada sobretudo por meio de corretores independentes que congregam vendedores e compradores e têm conhecimento da miríade de regras de um mercado bastante regulamentado.

A Waterfind calcula que mais de 106 bilhões de litros de água são negociados a cada ano ao longo da bacia dos rios Murray e Darling. A corretora entregou água no valor de US$ 893 milhões em 2006/07, 20% a mais do que no ano anterior, impulsionada pela alta dos preços e pelos detentores de cotas de água que preferiram vendê-las a usá-las.

Na Austrália, a água é gerida pelos governos estaduais por meio de cotas destinadas às áreas urbana e rural e para setores empresariais específicos. O setor agrícola fica com 60%.

Essa cota – ou licença – dá ao detentor o direito permanente a uma parte da água de um sistema hidrográfico. O volume pode flutuar a qualquer momento de acordo com o nível de água dos rios e de áreas de armazenagem.

Anos de seca, no entanto, deixaram rios e bacias de armazenagem em níveis muito baixos e com a água evaporando pelo calor. As cotas nos últimos anos vêm sendo baixas ou inexistentes – Holm e vários outros em Riverina não receberam nada neste ano, nem nos dois anteriores.

No mercado de água, os detentores de licenças as compram ou vendem para outros da mesma bacia. A maior parte da negociação é feita na Bacia Murray-Darling, que se estende por milhares de quilômetros por quatro Estados, dos alpes australianos, no leste, até seu delta arenoso, no sul. Ao longo do caminho, vastos volumes de água – mais da metade de toda a água usada na Austrália, de acordo com a Comissão Nacional de Água, do governo – são desviados ou bombeados para os mais variados fins, desde hidroelétricas, pomares de laranja e vinhedos até algodão, trigo e ovelhas.

Outros lugares do mundo possuem mercados de negociação de água, como Chile, África do Sul e Califórnia, mas a Austrália é o maior e o que possui regulamentações mais pesadas.

A Comissão Nacional de Água informa que o comércio “permite transferir recursos escassos de água para seus usos mais produtivos” e compensa anos de concessão de cotas excessivas por autoridades estaduais que não levaram em conta o impacto sobre o fluxo dos rios.

O sistema existe há 20 anos e, no passado, a negociação ajudou os agricultores a passar por uma ou duas temporadas complicadas. No entanto, quase dez anos de seca jogaram muitos fazendeiros em um buraco financeiro, atolados em baixas colheitas e altos custos de sementes, fertilizantes e, agora, também da água.

Como em qualquer mercado, oferta e demanda conduzem o preço da água. Um 1 milhão de litros de água – suficientes para encher uma piscina olímpica – custam cerca de US$ 400. Na pior fase dos reservatórios australianos no ano passado, o preço chegou a quase US$ 960.

Holm disse que sua propriedade precisa em torno a 2 bilhões de litros por ano. No ano passado, comprou 500 milhões de litros para manter a fazenda funcionando. Quando os preços chegaram ao pico em outubro passado, ele calculou que era mais barato comprar ração do que plantá-la e vendeu parte de sua água, com lucro.

“Na essência, o que o comércio de água faz é focar os irrigadores realmente no valor econômico de sua água e faz com que a usem de forma mais eficiente”, disse Holm. “Quando você não pode produzir uma boa colheita com o custo da água, é melhor vendê-la a alguém que possa. Quando os números fazem sentido, então você compra.”

Holm está ansioso. O preço neste momento está muito alto para ele e o agricultor vê suas pastagens morrerem enquanto espera por uma virada no mercado ou algumas gotas de chuva.

O governo federal sustenta que o sistema Murray-Darling está em crise em função do uso excessivo. Lançou um plano abrangente de dez anos e US$ 10,5 bilhões para lidar com a falta de água urbana e rural. Gasta quase US$ 2,4 bilhões por ano para comprar cotas de água para direcioná-la novamente aos rios.

Neste mês, os governos do país e de Nova Gales do Sul compraram por US$ 19 milhões a Toorale Station, uma fazenda de algodão de 91 mil hectares, de grande consumo de água, em uma região seca no norte do Estado. Anunciaram que a tornarão um parque nacional. Com isso a cota anual de água da Toorale, em torno a 20 bilhões de litros de água, será devolvida ao rio Darling. Os críticos dizem que é apenas uma gota no oceano.

Matéria da Associated Press, publicada pelo Valor Econômico, 07/10/2008.

[EcoDebate, 08/10/2008]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta que envie um e-mail para newsletter_ecodebate-subscribe@googlegroups.com . O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.