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Comércio criminoso de carvão devasta a Caatinga e o Cerrado


Fornos em profusão: carvão ilegal é produzido em pelo menos 24 cidades de três estados e alimenta um fluxo mensal de 3 mil caminhões. (Foto: arquivo EcoDebate)

Relatório reservado do IBAMA revela enorme devastação em 24 cidades de Goiás, Minas Gerais e Bahia para produção de carvão vegetal ilegal. O negócio movimenta cerca de R$ 60 milhões a cada mês

Uma operação do INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), realizada entre maio e julho, identificou o grande centro de produção ilegal de carvão vegetal no Brasil. O que resta dos biomas cerrado e caatinga está sendo derrubado em 24 municípios – 13 do centro-oeste da Bahia, outros nove do norte de Minas Gerais e três de Goiás. O IBAMA identificou um grupo – formado por fazendeiros, comerciantes, caminhoneiros e até políticos da região – que derruba e depois queima, em centenas de fornos, florestas inteiras e até pequenas árvores. Relatório de fiscalização reservado obtido pelo Correio constatou que na zona rural dessas cidades são produzidos e vendidos ilegalmente cerca de 210 mil metros cúbicos de carvão a cada mês. Por Leonel Rocha, da equipe do Correio Braziliense, 04/10/2008.

Para movimentar essa carga criminosa, os fiscais do IBAMA constataram a circulação mensal de 3 mil caminhões na região. Cada um deles transporta, em média, 100 metros cúbicos de carvão por viagem. Para completar uma carga, os agricultores derrubam um hectare da vegetação natural e demoram apenas cinco dias para queimar a madeira em fornos e transformá-la em carvão. O valor de cada caminhão carregado é estimado em R$ 20 mil. O negócio do carvão ilegal fatura quase R$ 60 milhões mensais, de acordo com as projeções do instituto. O cálculo foi feito em apenas três locais de passagem de caminhões entre Bahia e Minas: Urandi(BA) e Espinosa(MG), Juvenilha(BA) e Manga e Mantovânia(MG). O terceiro fica entre Cabeceiras, em Goiás, e Arinos, em Minas. Existem outras 17 rotas de carvão na região já identificadas pelo IBAMA.

A operação denominada Trevo da Zizinha, em alusão ao ponto de encontro dos caminhoneiros à beira da estrada do município de Feira da Mata, no oeste baiano, foi realizada pela superintendência do IBAMA de Brasília, responsável pela fiscalização da região. “Se a devastação continuar nesse ritmo, em menos de cinco anos não restará qualquer vestígio do cerrado ou da caatinga na região”, previu o coordenador das equipes de fiscalização, José Ribamar de Lima Araújo. Importante fronteira agrícola desde a década de 1970, o cerrado brasileiro tem quase 193 milhões de hectares de área em 11 estados. Representa quase 23% de todo o território e abriga 22 milhões de moradores. A caatinga tem 736,8 mil km², 10% do território brasileiro, e é um dos cinco maiores biomas – junto com a Amazônia, o pantanal, a Mata Atlântica e o vizinho cerrado.

Sem prisões

Nenhum produtor, caminhoneiro ou intermediário do negócio ilegal foi preso na operação, porque os fiscais do IBAMA não estavam acompanhados pela Polícia Federal ou por policiais militares. Mas várias fazendas foram autuadas e parte das cargas apreendida. Os fiscais identificaram as cidades de Bom Jesus da Lapa e Guanambi, na Bahia, localizadas às margens do Rio São Francisco, como os dois mais importantes entroncamentos de negócios para a venda ilegal de carvão destinado às siderúrgicas de Minas Gerais e Espírito Santo.

Na Lapa, os fiscais do instituto identificaram a produtora rural Ana Célia como suposta controladora do esquema no centro-oeste baiano. Segundo o relatório da fiscalização do IBAMA, há cerca de dois anos a comerciante chegou a ser convocada pela CPI da Biopirataria da Câmara dos Deputados para explicar por que mandou construir 3,8 mil fornos em suas terras. Xinha, a Rainha do Carvão, como a comerciante é conhecida, aparece com destaque no relatório da autarquia.

A devastação ilegal do cerrado e da caatinga foi descoberta pelos fiscais depois da apreensão de alguns caminhões carregados de carvão e sem autorização para transportar a carga nem a comprovação do Documento de Origem Florestal (DOF). Emitido exclusivamente pelo IBAMA, esse documento só é fornecido com a comprovação de que a madeira cortada para fazer carvão ou destinada a outras utilidades tenha origem em área com manejo florestal e expressamente autorizado. Os fiscais suspeitam que parte do carvão vegetal transportado pela Bahia em direção a Minas Gerais também tem origem no cerrado do sul do Piauí.

“Se a devastação continuar nesse ritmo, em menos de cinco anos não restará qualquer vestígio do cerrado ou da caatinga na região” – José Ribamar de Lima Araújo, coordenador das equipes de fiscalização do IBAMA

O número: 210 mil m³ por mês de carvão vegetal ilegal são produzidos e vendidos na região

Fuga da fiscalização

A quadrilha transporta o produto por estradas vicinais, onde não há balanças de pesagem das cargas e fiscalização estadual. Somente no posto fiscal próximo às cidades de Urandi e Pindaí, na divisa da Bahia com Minas Gerais, por exemplo, foram encontradas nos arquivos 316 notas fiscais emitidas para a compra ou venda de carvão em menos de 60 dias. Durante os dois meses que durou a operação Trevo da Zizinha, passaram por esse posto 3 mil metros cúbicos de madeira que teoricamente pertenciam à P.J. Agropecuária Ltda. No mesmo período, a BG Reflorestamento Servam Ltda. transportou pelo mesmo posto 2.850 metros cúbicos de carvão.

Depois de passar por Urandi e Pindaí, na Bahia, os caminhões carvoeiros chegam à cidade de Espinosa, em Minas Gerais, onde há um outro posto de pesagem, controlado pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF). Os fiscais do IBAMA constataram que a autarquia estadual não consegue saber se a carga que está passando pelo posto é legal ou não. É que os funcionários do IEF não possuem senha de acesso ao sistema federal para saber se aquela carga é legal e se pode ser transportada.

No posto de fiscalização estadual de Cabeceira da Mata, em Goiás, a planilha de abril deste ano referente ao controle de tráfego de subprodutos florestais chamou a atenção dos fiscais. Por lá passaram 1.032 caminhões abarrotados de carvão no período. O negócio ilegal do carvão na região é tão aberto que em cidades pequenas e pobres como Baianópolis, por exemplo, existe uma frota registrada de 701 caminhões. Em Morpará são 537 e no minúsculo Riachão das Neves, 361.

O relatório registra que no posto de pesagem da cidade mineira de Janaúba, por exemplo, ao longo dos 122 dias entre 2 de abril e 3 de julho deste ano, passaram 2.750 caminhões carregados de carvão vegetal. Um movimento, em média, de quase 30 carregamentos por dia.

AROEIRAS DERRUBADAS

O prefeito de Palma de Monte Alto (BA), Manoel Rubens Vicente da Cruz (PSDB), foi multado em R$ 58,6 mil pela fiscalização do IBAMA por ter derrubado 293 metros cúbicos de aroeira sem autorização. Segundo o auto de infração lavrado em 5 de maio, o prefeito é o responsável pelo desmatamento de 750 hectares de floresta – principalmente de aroeiras, árvore considerada em extinção. A multa também foi aplicada porque o prefeito construiu 62 fornos para a queima de madeira para a produção de carvão vegetal e não apresentou a autorização para essa atividade. O prefeito contestou a multa na Justiça Federal e aguarda decisão liminar para tentar vender a madeira e continuar a utilizar os fornos. Ele alega ter autoirzação para a derrubada. (LR)

[EcoDebate, 06/10/2008]

3 thoughts on “Comércio criminoso de carvão devasta a Caatinga e o Cerrado

  • Carlos Roberto de Lima

    Senhores,
    Considero de fundamental importância o cumprimento da Legislação (Federal, Estaduais e Municipais), sobretudo nas questões ambientais. Porém, a matéria falhou em alguns aspéctos:

    a) Primeiro temos que saber se os desmatamentos foram causados com a finalidade de produzir carvão vegetal ou se foram com o objetivo de uso alternativo do solo (agropecuários, infraestruturas, etc.)?;

    b) Segundo se as atividades de produção e comercialização do CV são devidamente licenciadas. Acredito que pelo menos parcialmente o sejam! Então não devemos julgar todos como ilegais, temos que observar caso a caso, como na questão dos desmatamentos;

    c) Terceiro é a questão do DOF. Não adianta nada o desmate e a carbonização serem legalizados e o transporte não! Todos tem que estar devidamente legalizados!

    d) Acho profundamente ERRADO, repleto de PERCIALIDADE, uma CONDENAÇÃO sem chances de defesas, dizer que o APL do Carvão Vegetal é ilegal, é criminoso! Vamos separa o Joio do Trigo!!!;

    e) Carbonizar (combustão parcial) é diferente de queimar (combustão total)! Na primeira temos um resíduo sólido, combustível com melhores propriedades que a biomassa (lenha) que o originou. Na sugunda temos um resíduo sólido, incombustível, que é a cinza! Então vamos usar os termos adequadamente!

    f) Por traz deste APL de Carvão Vegetal existem também, em grande proporção, proprietários rurais, carvoeiros, transportadores e comercializadore que são pessoas de bem, responsáveis e honestas. Junto a estes temos os seus familiares e, todos são dependentes deste negócio com o carvão vegetal!

    g) Vamos apertar as fiscalizações sobre os que estão ilegalmente na atividade! Se possível vamos trazê-los para a Legalidade!

    h) Vejam os exemplos que estão acontecendo com este APL de Carvão Vegetal no Estado do Mato Grosso do Sul!

    Atenciosamente,

    Prof. Carlos Lima
    UAEF / CSTR / UFCG
    (83) 3423 9713 ramal: 219
    Patos – PB.

  • Esta questão do carvão ilegal é muito antiga. O setor siderúrgico tem um passivo ambiental que os órgão de meio ambiente, antes IBDF agora IBAMA e da mesma forma as instituições ambientais estaduais – OEMAS não querem mesmo resolver. As rotas sempre foram conhecidas pelos fiscais. Felizmente o assunto está sendo novamente exposto.

    Ainda no tempo do IBDF, os setores que dependem do carvão vegetal, principalmente as siderúrgicas, nunca cumpriram com o que determina a legislação. Nunca plantaram o suficiente para manter o consumo. Sempre foi fácil e mais barato destruir florestas, o Cerrado e a Caatinga.

  • Missao Tanizaki

    O Brasil pode resolver esses crimes ambientais e sair na FRENTE dos demais países do MUNDO, promovendo o seu Desenvolvimento SOCIAL e Econômico de Fato SUSTENTÁVEL.

    A Produção de Biomassa Marinha (Aguapé) poderá promover Redução Drástica do Carvão Mineral, Petróleo e Gás Natural, como promover a Auto-Recuperação de Áreas Degradadas de todo o MUNDO e da sua Biodiversidade, podendo, também, recuperar Produção Pesqueira Marinha Mundial, mas requer estabelecer um CONSÓRCIO MUNDIAL.

    Para iniciar precisamos desenvolver um Projeto Nacional, onde é necessário o apoio da Sociedade Brasileira, nisso incluo os nossos Governantes e Parlamentares, como os Pesquisadores das diversas Àreas da Ciência e Tecnologia.

    MISSAO TANIZAKI
    Fiscal Federal Agropecuário
    Bacharel em Química
    missao.tanizaki@agricultura.gov.br
    Esplanada dos Ministérios, Bloco “D”, Sala 346-B, Brasíla/DF

    TUDO POR UM BRASIL / MUNDO MELHOR

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