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Indústria diz que está longe de zerar a gordura trans


Foto: VEJA On-line

Fim da gordura trans é voltar à época da banha, diz indústria. Associação dos fabricantes ironiza proposta do Ministério da Saúde de eliminar esse ingrediente dos alimentos. A Organização Mundial da Saúde recomenda que um adulto não consuma mais que dois gramas de gordura trans por dia.

As indústrias rechaçam qualquer prazo para eliminar a gordura trans dos alimentos consumidos no país. O presidente da Abia (Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação), Edmund Klotz, reage com ironia ao comentar os planos do Ministério da Saúde de ver, em pouco tempo, o Brasil livre da mais danosa das gorduras. Por Riscardo Westin, da Folha de S.Paulo, 08/09/2008.

“Se for fixado um prazo para acabar com a gordura trans, vamos ter de criar porco de novo e voltar à velha banha”, afirma Klotz. “Ainda não temos nada com um resultado final parecido com o dessa gordura.”

Neste ano, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, convocou os fabricantes e defendeu o modelo do Canadá, que deu três anos para que o ingrediente fosse banido.

“A nossa vontade é que, num curto prazo, nós possamos estar com 100% dos alimentos comercializados no Brasil sem gordura trans”, afirmou.
O empenho do ministro se justifica pelos gastos com o tratamento dos brasileiros que comem mal. Cerca de 168 mil pessoas foram hospitalizadas em 2007 em decorrência de acidente vascular cerebral -uma das conseqüências do colesterol alterado-, o que custou R$ 118 milhões aos cofres públicos.

Sem tempo
A indústria reagiu dizendo que os três anos são um prazo curto demais. “A substituição demanda testes e desenvolvimento de fórmulas”, afirma Fabio Acerbi, diretor de assuntos corporativos da multinacional Kraft Foods.

Já há alternativas para a gordura trans, como os óleos de girassol e de palma. O problema é que são mais caros e não são produzidos em grande escala. “E ainda temos o desafio de manter o sabor. Se você está acostumado com o seu biscoito e de repente sente um gosto diferente, você muda de marca”, diz Acerbi.

A gordura trans é ingrediente de boa parte dos alimentos industrializados. Está nos biscoitos, nos sorvetes, nas margarinas, nos requeijões, nas frituras, nos salgadinhos e até nas misturas para bolos.

Surgiu como uma alternativa -acreditava-se- mais saudável à gordura animal, por ser obtida de óleos vegetais. A gordura animal aumenta o LDL (o colesterol ruim) no sangue.

Mais que isso, a nova gordura foi amplamente adotada por ser pastosa, quase sólida, e não líquida. É o atributo que deixa a margarina cremosa e o biscoito crocante. Além disso, aumenta o prazo de validade e deixa o sabor mais agradável.

Alerta vermelho
Nos anos 90, porém, estudos científicos descobriram que a gordura trans é extremamente prejudicial à saúde. Mais até que a gordura animal. Além de aumentar o LDL, reduz os níveis de HDL (o colesterol bom).

A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda que um adulto não consuma mais que dois gramas de gordura trans por dia -quantidade que se alcança comendo três biscoitos recheados de morango.

Diante dos malefícios, a própria indústria tratou de reduzir os teores. No Brasil, o grande movimento se deu em 2006, depois que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tornou obrigatória a indicação, nas embalagens, da quantidade de gordura trans. Foi então que os brasileiros se deram conta dos excessos.

“Dois ou três anos atrás, estivemos no consumo máximo de gordura trans. Agora a indústria está cautelosa”, afirma a nutricionista Liandra Freitas Marquez Bernardes, da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais.

Três óleos vegetais apresentam nível alto de gordura

A informação “livre de gordura trans” pode enganar o consumidor. A entidade de defesa do consumidor Pro Teste analisou 21 marcas de óleos vegetais, tidos como mais saudáveis que os óleos de origem animal, e viu que três tinham níveis consideráveis da gordura.

De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), a gordura trans não pode representar mais do que 2% das gorduras totais. A Pro Teste encontrou 4,62% no óleo de canola Sinhá, 3,05% no de girassol Camil e 2,07% no de milho Granfino.

A Camil disse que solicitou esclarecimentos ao fornecedor, na Argentina, e que “suspendeu preventivamente” as compras do produto. A Granfino respondeu que seus produtos já estão “em níveis melhores do que os do lote avaliado”. A Sinhá afirmou que não teria tempo para formular uma resposta.

Pelas normas, o alimento pode se promover como livre de gordura trans se não contiver, numa porção de 100 gramas, mais que 0,2 grama dessa gordura. A OMS alerta que o consumo dessa gordura não pode passar de dois gramas por dia.

Indústria da alimentação coloca em dúvida risco de gordura trans

O presidente da Abia (Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação), Edmund Klotz, afirma que os fabricantes concordam que é preciso tirar a gordura trans dos alimentos, mas não aceitam que o governo imponha prazos. “Ninguém está querendo envenenar ninguém. Esperamos descobrir a solução para a gordura trans em algum momento. Mas hoje não dá para falar em prazo”, afirma ele. Klotz, no entanto, diz não ter certeza se as gorduras trans realmente são prejudiciais à saúde. “A ciência pega um monte de rato e enche de margarina, o bicho morre entupido e conclui-se que a gordura trans faz mal. Pode até fazer mal, eu não sei.”

A indústria está comprometida com a eliminação da gordura trans dos alimentos?

Não é questão de compromisso. É questão de possibilidade. Estamos fazendo todo o esforço, com pesquisas, para encontrar uma alternativa à gordura trans. Não há a menor resistência de nossa parte. O que há é a impossibilidade de pararmos de usar a gordura trans neste momento por falta de alternativas. É um processo que vai demorar.

Mas já existem alimentos sem gordura trans, não existem?

Existem soluções parciais, como o óleo de alpiste e o de palma, mas não existe uma solução global, porque esses óleos não estão disponíveis em quantidade suficiente. Antigamente, a gordura animal era o ingrediente que se usava em tudo. Com o passar do tempo, descobriu-se que a banha era algo extremamente pesado. Além disso, ela não existia em quantidade para abastecer o mundo. Foi então que surgiram as gorduras vegetais [que dão origem à trans]. Só que a passagem da banha para a gordura vegetal, como a da soja, levou 40 anos.

Algum dia não haverá mais gordura trans nos alimentos?

Ninguém pode dizer que vai acabar com a gordura trans. Só se mandarem os bois, as vacas e os porcos embora do Brasil, para o Chile, para o Paraguai, para a Argentina. Existe um pessoal que está falando bobagem por aí. Faz 5.000 anos que se usa gordura trans. Ela está nos animais. A questão da gordura trans é, na realidade, trocar a gordura trans vegetal. Agora, falar em termos gerais da gordura trans como se fosse o grande veneno… Nós, então, estamos comendo veneno desde os nossos antepassados mais remotos. E isso fez mal para alguém?

Os médicos e os cientistas asseguram que a gordura trans dos alimentos industrializados, derivada dos óleos vegetais, é prejudicial.

A ciência pega um monte de rato e enche de margarina, o bicho morre entupido e conclui-se que a gordura trans faz mal. Pode até fazer mal, eu não sei. Mas a gordura trans animal faz parte, nosso organismo está acostumado a metabolizá-la, nós comemos churrasco. Nós [a indústria de alimentos] também somos população, comemos os alimentos. Ninguém está querendo envenenar ninguém. Esperamos descobrir a solução para a gordura trans em algum momento. Mas hoje não dá para falar em prazo.

A idéia do governo era que a gordura trans fosse eliminada em três anos, como foi no Canadá…

O que é bom para eles pode não ser bom para nós. Brasil é uma coisa, Canadá é outra. Imagine quanto tempo leva para descobrir um produto, aprová-lo, conseguir a matéria-prima em quantidade suficiente, encontrar gente disposta a plantar e a pôr dinheiro nesse negócio. Não temos condições de fazer um milagre.

A indústria, então, não aceitou o prazo de três anos?

Se for fixado um prazo para acabar com gordura trans, vamos ter de criar porco de novo e voltar à velha banha. Somos como as montadoras de automóveis. De repente proíbem as montadoras de usar ferro nos carros, porque faz mal, dá câncer… Vão usar o quê? Cola, chiclete? Esse é o grande drama. Ainda não temos nada com um resultado final parecido com o da gordura trans.

O governo entendeu?

Estão caindo na real. A realidade é diferente de uma situação ideal: “O governo decide acabar com a gordura trans em 30 dias”. O papel aceita tudo. Se pararmos de fabricar os produtos, aí sim teremos falta de comida e a inflação vai para a casa do chapéu. Temos de pesar todas as conseqüências. O Brasil é o grande fornecedor mundial de alimentos. Se você parar de ter o ingrediente fundamental, você vai acabar com a economia do país. Representamos [a indústria de alimentos] um terço do PIB nacional, somos responsáveis por praticamente 60% do superávit da balança comercial. Só estamos atrás do petróleo.

Então não há prazo para a eliminação da gordura trans?

O ministro da Saúde entendeu perfeitamente. É tudo uma questão de: tenham paciência, compreendam o problema e ajudem a encontrar soluções.

[EcoDebate, 09/09/2008]