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Editorial

O futuro transformado em cinzas, por Henrique Cortez

A tragédia das queimadas sem controle repete-se incansavelmente, ano após ano. Os criminosos são os mesmos de sempre e fazem parte da mesma sociedade abalada e prejudicada pela irresponsabilidade daqueles que sempre afirmam ”apenas” ter queimado um inocente roçado.

Todo grande incêndio florestal começa com uma ”inocente” queima de roçado, que qualquer produtor rural sabe ser o inicio dos incêndios florestais, ainda mais em época de estiagem. Sabem, mas pouco se importam. Pouco se importam que, além dos inestimáveis prejuízos ao patrimônio natural, causam sérias conseqüências à saúde pública, atingindo principalmente as crianças e os idosos. Crianças e idosos dos outros.

A queima é simples, fácil e barata. Mas, entenda-se como barata porque todos os custos sócio-ambientais serão diretamente transferidos para a sociedade.

A fumaça e as cinzas atentam contra a saúde da população da periferia das cidades e populações indígenas. Populações com que o agronegócio e as autoridades não se preocupam. Melhor dizendo, não ligam mesmo.

A destruição tem sempre a mesma causa – as queimadas ilegais por fazendeiros, pecuaristas e produtores rurais.

Apenas o Ibama confia que os produtores rurais obedecerão às portarias de proibição de queimadas controladas, como se isto existisse. Impressiona que amplas áreas e unidades de conservação estejam literalmente em chamas e nada se diga quanto aos autores deste continuado crime sócio-ambiental. As autoridades e até mesmo as manifestações populares agem como se os autores fossem desconhecidos.

Às autoridades cabe agir em defesa da sociedade, mesmo que isto signifique reprimir um ”aliado” politicamente influente e economicamente poderoso – o agronegócio, que se sente no direito de condenar a população à condição de cidadão de segunda classe. E as autoridades sabem que eles não são desconhecidos. Aliás, a sociedade afetada também sabe.

Todos os anos, incansavelmente, nossas unidades de conservação são atingidas por incêndios criminosos, com o único propósito de sua destruição. Há alguns anos, contarem-me que, no Cerrado, um modo de causar um imenso incêndio é simples: basta amarrar, com um grosso barbante, uma tocha em um animal selvagem que, em pânico, espalhará o fogo por quilômetros, até morrer e as provas (a tocha e o barbante) desaparecerão com as chamas. Perverso e eficiente.

Recentemente, o Inpe recebeu um merecido prêmio internacional (”Tecnologias para novos desenvolvimentos em uma sociedade sustentável”) pelo excelente trabalho de monitoramento de queimadas. O Inpe está fazendo a sua parte, mas o MMA, o Ibama e os órgãos ambientais estaduais estão muito longe de estar à altura do trabalho de monitoramento. A informação existe, mas nada acontece, porque o país continua em chamas.

Guardadas as devidas proporções, a situação assemelha-se a um paciente crônico que conta com a melhor tecnologia para o diagnóstico clínico, mas os médicos não iniciam o tratamento ou não sabem o que fazer. De fato, o monitoramento é ótimo, mas e daí?

Se as eternas campanhas educativas são inúteis, não resta à sociedade outra alternativa que não seja a rigorosa fiscalização. De nada adianta proibir as queimadas, se isto não significar severa fiscalização e punições exemplares. O poder público continua inoperante e sua omissão prejudica a população mais pobre e mais frágil. Como sempre.

A tragédia das queimadas sem controle é um imenso desastre sócio-ambiental, pelas suas conseqüências à saúde pública, pela destruição de centenas de nascentes e olhos d’água, pela modificação do micro-clima e, ao longo do tempo, por potencializar os períodos de estiagem.

Esta agro-selvageria irresponsável fará com que as próximas gerações recebam, como herança, apenas as cinzas da Amazônia e do Cerrado. E não será por falta de aviso.

Henrique Cortez, henriquecortez@ecodebate.com.br
coordenador do EcoDebate