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Artigo

Amazônia no aquecimento global, por Paulo Moutinho

[Correio Braziliense] Em 1998, durante uma grande seca amazônica impulsionada por El Niño, fenômeno climático que altera as condições do clima em todo planeta, cerca de 6 milhões de hectares de florestas foram destruídos pelo fogo no sul do Pará e no estado de Roraima. Os prejuízos naquele ano chegaram a quase R$ 5 bilhões. Em outubro de 2005, a Amazônia sofreu novamente intensa estiagem devido ao aumento na temperatura das águas do Atlântico. Mais de 250 mil famílias foram atingidas.

A seca severa na Amazônia poderá ser comum no futuro em conseqüência do aquecimento global em curso. Os mais recentes estudos, incluindo os do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), órgão ligado à Convenção da ONU sobre o clima, prevêem que, sob o ritmo atual do aquecimento global, a floresta amazônica pode se transformar em grande cerrado dentro de poucas décadas.

As mudanças afetarão não somente o bioma amazônico, mas também o modo de vida tradicional dos povos desse e de outros ecossistemas. Índios, seringueiros, agricultores familiares, quilombolas, ribeirinhos e inúmeros outros povos tradicionais têm exercido papel importante na preservação das florestas, que armazenam cerca de 80 bilhões de toneladas de carbono, o equivalente a uma década inteira de emissão global de gases do efeito estufa pela humanidade.

Esse imenso patrimônio, contudo, vem sendo ameaçado. O modelo de desenvolvimento dos últimos 25 anos, ainda vigente, considera a floresta barreira ao crescimento econômico. O desmatamento, embora tenha diminuído recentemente, ainda é elevado, emitindo, em média, cerca de 200 milhões de toneladas de carbono (3% do total global das emissões). Por conta do desmatamento amazônico, o Brasil encontra-se entre os cinco maiores países emissores de gases do efeito estufa.

A combinação do aquecimento global com o avanço do desmatamento poderá reduzir as chuvas na Amazônia. Inúmeros incêndios florestais já são registrados na região. Sem chuvas, a mortalidade das árvores poderá aumentar em até seis vezes. Mesmo as florestas protegidas em unidades de conservação, reservas extrativistas ou terras indígenas poderão ser afetadas pela mudança do clima regional e global.

Se alteração drástica nas bases do desenvolvimento da Amazônia não ocorrer nos próximos anos, o desmatamento — e a conseqüente mudança do clima — permanecerá em ritmo acelerado. Também continuarão as pressões por mais terras para expandir a agricultura, já que não há mais áreas disponíveis nos Estados Unidos, Europa e Ásia para esse fim. As pressões poderão se intensificar pela crescente demanda por biocombustíveis.

Por seu lado, o governo brasileiro vem demonstrando que é possível controlar o desmatamento via ações de comando e controle. Nos últimos dois anos, houve redução de mais de 50% nas taxas de desmatamento da Amazônia. No entanto, para garantir quedas continuadas e de longo prazo, será necessário valorizar monetariamente o bioma amazônico. Será preciso compensar financeiramente os que realizam esforços para manter as florestas conservadas. Entre eles, e especialmente, os povos das florestas.

Para tanto, é necessário que se reconheçam definitivamente os serviços ambientais (contribuição para um clima regional e global equilibrado, por exemplo) prestados pela floresta amazônica e que sejam, de alguma forma, remunerados. O reconhecimento deve ser internacional. A maior oportunidade do Brasil e dos povos da floresta de ter uma compensação por seus esforços está nas negociações sobre mudança climática.

Embora o Protocolo de Kyoto não contemple ações em favor da redução do desmatamento, está sendo discutido pela Convenção de Mudança Climática da ONU o conceito de redução compensada do desmatamento. Por esse conceito, os países em desenvolvimento que detêm florestas se candidatariam voluntariamente a promover diminuição nas emissões oriundas do desmatamento florestal. O próprio Brasil tem proposta nesse sentido.

Uma coisa é certa. Se nada for feito para alterar os princípios do desenvolvimento para a Amazônia brasileira, aproximadamente 1 milhão de km2 de florestas será desmatado até 2050, liberando 33 bilhões de toneladas de carbono para a atmosfera — volume que equivale a quase cinco anos de emissões globais. Ademais, estaria em risco o que a Amazônia tem de melhor: seu povo.

Paulo Moutinho é coordenador de Pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

(www.ecodebate.com.br) artigo publicado pelo Correio Braziliense – 29/08/2007