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Caravana em Defesa do Rio São Francisco e do Semi-árido: Luta em defesa da Vida

A Caravana em Defesa do Rio São Francisco e do Semi-árido chegou terça-feira, dia 21 de agosto de 2007, na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) no Rio de Janeiro. Um dos participantes desta reunião contra o transposição do Rio São Francisco foi Toinho Pescador (Antonio Gomes dos Santos). Ele é pescador artesanal, tem 75 anos e é Vice-Presidente da Federação dos Pescadores de Alagoas e membro titular do Comitê Hidrográfico do Rio São Francisco. No encontro o jornalista Norbert Suchanek, do Rio de Janeiro, falou com Toinho Pescador.

Norbert Suchanek – Por que o Senhor está agora aqui no Rio de Janeiro?
Toinho Pescador – Eu vim pro Rio de Janeiro porque nós sabemos que no Rio de Janeiro também tem rios, também tem pescador, também tem trabalhador, tem índios que estão sofrendo os mesmos problemas que nós estamos sofrendo lá no Rio São Francisco. E nós gostaríamos de passar para a comunidade que eles fiquem também do nosso lado e sejam contra esse projeto de transposição das águas do Rio São Francisco sem primeiro fazer um debate com toda a comunidade ribeirinha.

Norbert Suchanek – Esse projeto já iniciado pelo Governo Lula, a transposição das águas do Rio São Francisco, vai custar possivelmente mais de 6 bilhões de reais do dinheiro público e é ainda praticamente desconhecido no Brasil e no mundo. O Senhor pode explicar o que é esse Projeto?
Toinho Pescador – Esse projeto para nós é um projeto faraônico. Eles dizem que vão tirar água do Rio São Francisco para salvar a situação do povo do Nordeste que sofre pela seca, mas na verdade não é por isso, porque os estados que estão incluídos no Projeto têm água! Agora, o que está faltando é a distribuição da água. As águas estão aí em abundância. O sertão virou mar! Como disse o Padre Cícero: o sertão vai virar mar. O sertão hoje tem Orós, tem Castelão, milhares de açudes. Então é a prova de que tem água! Agora, por que não tem água no lado norte do Ceará?! Porque eles não se interessam muito pelos pobres. É a mesma coisa que acontece lá no Baixo São Francisco: o rio passando e numa distância de 10-12 quilômetros, o povo está bebendo água de carro-pipa. Isto quer dizer que não houve uma política das águas que ajudasse as comunidades ribeirinhas. Então por que é que a gente vai gastar tanto dinheiro abrindo um canal de 700 quilômetros, enquanto tem gente morrendo de sede em menos de 10 quilômetros?!

Norbert Suchanek – Por isso o Senhor e vários cientistas como o Professor Aziz Ab´Saber são contra a transposição…
Toinho Pescador – Nós ignoramos este projeto e principalmente eu que nasci no Rio São Francisco e criei nove filhos e ainda adotei um menino. Hoje ninguém quer ter dois filhos. E nós criamos nove e eu sinto o maior prazer da minha vida, porque os meus filhos estão todos vivos! E foram alimentados pelo Rio São Francisco, porque o Rio tinha peixe! O Rio tinha peixe em abundância! O Rio tinha peixe que você não precisava nem de tarrafa e nem de rede para pegar peixe! Era um encontro dos peixes caindo dentro do nosso barco! Hoje com os melhores artifícios você não pega peixe. É cada vez pior.

Norbert Suchanek – Causado pelas grandes barragens e o esgoto das cidades que chegam no Rio sem tratamento adequado…
Toinho Pescador – Então como é que vai acontecer uma transposição desta sem fazer uma revitalização? Mas uma verdadeira revitalização, não essa revitalização da propaganda do Lula. Ele diz que está fazendo uma revitalização, mas sem fazer uma estação de tratamento de todos os esgotos não pode dizer que é uma revitalização! Para acontecer a revitalização tem que fazer, além do esgoto, a estação de tratamento a fim de que as águas caiam dentro do Rio limpa, pura. Essa é a verdadeira revitalização!

Outra é a questão da terra e da água. Como é que vai fazer revitalização sem primeiro fazer uma reforma agrária?! Mas uma reforma agrária ampla que dê terra ao homem e dê assistência técnica para que ele então se firme na terra. Não é só dizer “Tome a terra!” É dar a terra e também preparar ele, quer dizer, capacitar. O pescador é um marginalizado, ele não estudou, ele não teve como estudar. Como ele vai enfrentar uma burocracia tão grande quanto esta que nós temos aí?! Porque quando ele se desemprega do Rio ele não tem como se empregar, ele pode ser até um assaltante! E se ele é assaltante não é porque ele quis ser um assaltante. É porque o Governo está fazendo dele um assaltante, tirando ele do trabalho!

Esta questão do aquecimento global. Esta questão de dizer que o álcool agora vai salvar o mundo do problema da poluição. Por um lado e por outro: no momento em que desmata, os animais para onde vão? E os animais não fazem parte da nossa vida?! Então, planta cana, muito ouro, muito dinheiro, mas na verdade há fome para aqueles que moravam naquele local onde foi desmatado. Porque quando um grande latifúndio desmata ou queima por perversidade uma floresta, ele não perde a floresta para assentar o homem no campo a fim de que ele possa viver. O pagamento deveria ser este e não cobrar multa, certo? Há poucos dias eu vi uma multa cobrada pelo IBAMA de 2 milhões de árvores que um latifundiário havia desmatado e o IBAMA cobrou 2 milhões de reais. Então me parece que ele incentivou o cara a derrubar a floresta! Então hoje nós estamos nesta luta e queremos o apoio de vocês, o apoio de toda a sociedade, a fim de que nós possamos então transformar esta revitalização numa revitalização verdadeira e a transposição das águas parar! Parar com esse negócio de transposição!

Norbert Suchanek – Por isso o senhor quer uma revitalização de verdade…
Toinho Pescador – O meu recado é para o Presidente da República, faça uma revitalização correta! Como vai se banhar no Rio São Francisco com tanto esgoto! São 503 municípios despejando todo o esgoto no Rio São Francisco! Então Lula, vá lá nas margens do Rio São Francisco conversar com nós ribeirinhos, principalmente nós do Baixo Rio São Francisco, de lá junto à foz, onde está toda essa água! O nosso Rio era uma empresa navegável! Hoje não navega mais porque o Rio está assoreado, não tem como navegar!

Norbert Suchanek – Os grandes vencedores da transposição são a indústria do concreto que ganha fazendo a obra e a agroindústria, principalmente o indústria do etanol? A água do Rio São Francisco vai ser concretamente usada para plantar cana?
Toinho Pescador – Plantar cana e para criar camarão industrial. O verdadeiro camarão se cria no rio e no mar! Então eles para criar camarão lá desmataram os manguezais lá na beira do Rio Jaguaribe, lá no Ceará do Ciro Gomes, derrubaram os manguezais e fizeram lagoas para criar camarão. Tem centenas de lagoas improdutivas porque veio uma doença do carcinicultura e matou tudo quanto foi camarão. E eles ainda continuam com esta insistência em produzir esse camarão para mandar lá para o exterior, nem é para o povo pobre comer.

Norbert Suchanek – Não, eles mandam este camarão artificial para Europa, principalmente para a Espanha e Alemanha, destruindo o mercado de camarão tradicional de lá também.
Toinho Pescador – Quer dizer que nós fazemos diferente da história de Jesus. Ele disse: “adora ao próximo como a ti mesmo”. Quer dizer, primeiro vem você. Você tem que primeiro comer o camarão e depois então mandar para fora. A CODEVASF (Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco) derrubou as mangueiras. Nós tínhamos mangueira: manga rosa, manga maria, manga espada, manga comum, manga cecília, manga gostosa, derrubaram as nossas mangueiras para plantar manga para exportar. Só que a manga não é mais igual a nossa.

Norbert Suchanek – Quantos pescadores têm hoje na sua comunidade?
Toinho Pescador – Nós temos ainda muitos pescadores, quer dizer, no Rio São Francisco, no Baixo. Eu estou no Baixo São Francisco, abaixo das Hidroelétricas de Paulo Afonso e Xingó, a gente tem uma base de 15 mil pescadores. Só que eu tenho um filho, eu ensinei todos eles a pescar, e hoje ele não tem condições de criar um filho pescando na linha. Então ele já deixou e trabalha hoje como vigilante. A maioria do povo não tem a pescaria, está saindo porque não tem mais a pescaria.

Norbert Suchanek – Por que o Rio São Francisco está numa situação tão ruim?
Toinho Pescador – Além de poluído, não chega a cheia. Aí se não chega a cheia, não chega a piracema! O Rio só reproduz umas duas ou três qualidades de peixe. Milhares de tipos de peixe não reproduzem mais! Surubim não aparece mais. Lá no Baixo São Francisco, lá onde eu moro não aparece mais pirá, corvina e centenas de peixes não aparecem mais.

Norbert Suchanek – Como a transposição vai afetar a vida das comunidades que estão perto do Rio São Francisco? Qual será o efeito da transposição do Rio São Francisco?
Toinho Pescador – Vai diminuir mais. O Rio, além de fornecer pescado, muita qualidade de peixe, diminuiu por causa das barragens. As barragens começaram e veio o desmatamento, então o Rio ficou assoreado. Hoje não entra mais navio de navegação lá no Rio. Mal dá para os barcos de pescadores e as barcas de alguns lugares para atravessar o povo. Mas o Rio praticamente não é mais navegável. Se o Rio não é mais navegável, quando fizer a transposição aí na certa vai abaixar mais porque vai vazar!

Aí então a produção dos peixes que já estão desaparecidos, a produção de arroz, as lagoas marginais não enchem mais, o Rio não tem volume de água para subir nas lagoas marginais e as lagoas marginais são os viveiros, criadouros dos peixes. Então isso está na mão dos latifundiários e aí eles plantam cana e aí quando plantam a cana, queimam a cana e aí acabam com tudo, os passarinhos, tudo vai se embora e aí é a desgraça total!

Norbert Suchanek – O Senhor está principalmente contra a plantação de cana e a produção de etanol?
Toinho Pescador – Eu estou contra a plantação de cana principalmente dentro das margens, das lagoas marginais e das margens do Rio. Porque tem cana demais plantada! Derrubaram as nossas matas e plantaram cana. Agora esse aumento de cana não vai corresponder, porque a cana não dá emprego, hoje não gera emprego à comunidade. Quem gera emprego para a comunidade é a pesca no Rio. São as lagoas marginais plantando arroz, plantando milho, feijão, plantando batata, inhame, quiabo, plantando frutíferas nas margens do Rio, porque é o lugar adequado para isso. Mas cana?! Eu não sou contra cana, mas é preciso de muita terra, certo? E aí então os restos de nossas matas vão embora! Para nós pescadores plantar cana é desempregar mais o povo!

O que está acontecendo no Mato Grosso do Sul. A gente está sabendo e já está sofrendo porque sabemos o que nós estamos passando. Hoje nós não temos mais madeira lá em Alagoas para fazer um barco! Não temos mais! Só se fizer um barco de cana! E a gente tinha madeira de primeira! Eu tenho até uma música que diz assim:

Aonde estão os nossos peixes que moravam no rio? Aonde estão as capivaras e o nosso sabiá? Já não tem mais a madeira, já não tem mais para tirar.

O mundo está diferente de antigamente, dos anos passados. Tenho bem na memória para outra história está tudo mudado.

Vejo falar em progresso. Mas só a ganância aumenta demais. Antes tinha a madeira do tipo primeira. Hoje não tem mais.

Aonde estão os nossos peixes, presu e xingó? E onde estão os canarinhos e também os curió?

Já não tem mais o tatu. Já não tem mais o mocó. E quando tudo se vai, os pobres estão na pior. Aonde estão os nossos peixes?

Norbert Suchanek
Rio de Janeiro, 21. Agosto 2007
Email: n.suchanek@online.de

Norbert Suchanek é jornalista e escritor formado na Alemanha. Ele vive no Rio de Janeiro e já publicou vários artigos sobre a transposição do Rio São Francisco e os problemas atuais do povo no Nordeste do Brasil.

publicado pelo EcoDebate.com.br – 24/08/2007