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Artigo

O desmatamento no Baixo Parnaíba, por Emmanuel José Peres Netto Guterres Soares

[EcoDebate] A questão do desmatamento na região do Baixo Parnaíba, na qual se insere o Município de Buriti (de Inácia Vaz), para fins de cultivo de soja e outras monoculturas, já alcançou alarmantes níveis de preocupação, haja vista os inegáveis impactos ambientais negativos causados em toda a região, sem prejuízo dos também nefastos impactos sócio-econômicos e culturais que também repercutem, causando sérios conflitos entre os produtores de soja, oriundos em sua maioria das regiões centro-oeste e do sul do país e os moradores tradicionais da região.

Foi natural, então que o Ministério Público do Estado, o qual devido a sua capilaridade por todo o território do Estado, e o compromisso social dos seus membros naquela região, está bem próximo à população menos favorecida, fosse chamado a intervir na situação. Além disso, o então Procurador Geral de Justiça, Dr. Raimundo Nonato de Carvalho Filho, que é filho da região, encetou medidas junto ao Centro de Apoio Operacional do Meio-Ambiente, coordenado pelo operante Promotor Luis Fernando Cabral Barreto Júnior, o qual, ainda em setembro de 2004, elaborou nota técnica sobre o tema e em 2005 engendrou estratégia de atuação conjunta dos membros do Ministério Público naquela região, inclusive com a criação do Grupo de Proteção Ecológica dos Municípios do Baixo Parnaíba.

No caso de Buriti, a nossa primeira intervenção concreta deu-se em agosto de 2005, no conflito envolvendo moradores da localidade Matinha e o proprietário da FAZENDA SÃO BERNARDO, em favor do qual foi concedida pelo IBAMA a autorização para desmatamento emitida em 27/04/2005 e válida até 27/04/2006, na qual foi autorizado o desmatamento de uma área de 512 hectares, para fins de plantio de soja.

Os trabalhos com maquinário pesado começaram inclusive com uso de tratores e correntões – operação na qual uma corrente é presa a dois tratores e que ao se movimentarem desbastam toda a vegetação que esteja em sua frente- causando revolta dos moradores tradicionais do entorno da área referida, principalmente do Povoado Matinha, que tentaram fazer oposição ao desmatamento, inclusive assumindo postura violenta.

Esta situação imediatamente chegou ao nosso conhecimento e para evitar os atritos que estavam prementes, recomendou-se aos moradores vizinhos ao local do conflito, que retornassem às suas casas, para evitar violência e a necessidade de intervenção da força pública (gerando certamente ainda mais violência), com o comprometimento por parte do Ministério Público Estadual da adoção de urgentes medidas para solucionar a questão.

Na verdade, a nossa postura pessoal se pauta no entendimento de que somente quando esgotadas todas as possibilidades, no âmbito das atribuições administrativas do Promotor de Justiça, é que se devem recorrer as vias judiciais, através de ação civil pública. Contudo, diante da emergencialidade da situação e analisando a autorização para desmatamento fornecida pelo IBAMA, imediatamente propusemos uma ação cautelar, preparatória de ação civil pública, na Justiça Federal, em decorrência da presença do IBAMA no pólo passivo, além de outros co-requeridos na qual foi concedida a medida liminar pedida, para paralisação dos trabalhos para desmatamento.

Basicamente, nesta ação cautelar, foram atacados alguns pontos como por exemplo o fato de a CERTIDÃO N. 009/2004 da Prefeitura de Buriti, para fins de licenciatura ambiental, na qual assevera que o projeto de agricultura para a Fazenda São Bernardo estaria em conformidade coma legislação de uso e ocupação do solo do Município de Buriti, declaração esta datada de 30/12/2004 (último dia do mandato do Ex-Prefeito) e assinada pelo Secretário Municipal de Agricultura, não foi precedida de nenhum procedimento administrativo e nem existia na Administração qualquer outro registro acerca de emissão da mencionada certidão. Também sustentou-se que a autorização fornecida pelo IBAMA não foi precedida do competente EIA-RIMA, que deveria ser apresentado perante o órgão ambiental Estadual .

Importante ressaltar que neste primeiro momento, o Ministério Público Federal manifestou-se favoravelmente à tese defendida, inclusive integrando a ação cautelar no pólo ativo, quando intimada para tanto.

Contudo, na fase da propositura da ação principal (que deveria ser proposta no prazo de trinta dias, a contar da liminar) a Procuradora da República com atribuições ambientais passou a divergir da tese sustentada pelo Ministério Público Estadual, no que respeita à necessidade de elaboração de EIA/RIMA, e destarte a ação civil pública foi proposta na Justiça Federal apenas pelos Representantes do Ministério Público Estadual (o colega Luís Fernando Cabral Barreto Júnior, coordenador do CAOP-UMA, foi designado para atuar em conjunto com a Promotoria de Buriti) questionando sobremaneira a validade da autorização para desmatamento emitida pelo IBAMA e defendendo a obrigatoriedade de realização de EIA/RIMA e a necessidade de licenciamento junto ao Órgão Ambiental Estadual, que informou não ter fornecido nenhum licenciamento para a região.

Mesmo após vários recursos interpostos pela parte interessada, e até mesmo diante de manifestação da Representante do Ministério Público Federal pela extinção do feito sem julgamento de mérito, segundo sua ótica, pela ilegitimidade do Ministério Público Estadual em litigar na Justiça Federal sem a aquiescência do Órgão Ministerial Federal, oportunidade em que, aliás, manifestou-se inclusive quanto à improcedência do mérito da demanda, o fato é que a liminar concedida na cautelar ainda hoje está mantida e o Juízo Federal da 3ª Vara, mesmo ante o protesto do MPF, deu seguimento à ação civil pública, a qual está tramitando normalmente, apenas com o Ministério Público Estadual no pólo ativo.

Posso considerar que este foi o ponta-pé inicial em relação às medidas concretas que, viu-se, poderiam e deveriam ser adotadas para refrear o ímpeto dos desmatamentos na região, notadamente em Buriti, o que efetivamente houve por suceder, já que a partir de então, não mais de tomou conhecimento de desmatamento nesta cidade, pese o fato de que o grande dano ambiental já havia sido feito, anteriormente.

A partir de então, dando azo à recomendação do Procurador Geral de Justiça, destinadas aos Promotores de Justiça da região, e com o acompanhamento competente e constante do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambinete, foram adotadas várias medidas, como a recomendação ao cartório de registro de imóveis acerca de averbação de reserva legal e fiscalizações sobre transportes e cortes de madeiras protegidas na região, inclusive com apreensão de máquinas e do material ilegalmente extraído.

Mas certamente a medida mais eficaz foi o Protocolado Geral n. 01/2005 instaurado com o fito de levantar informações sobre a regularidade das autorizações para desmatamento e a averbação de reserva legal nas propriedades rurais em que foi autorizado o desmatamento pelo IBAMA, em Buriti, sem prejuízo de outros fatos que se constatem no curso da investigação.

No bojo deste procedimento, foi determinada a realização de levantamento pericial, in loco, em cada uma das propriedades rurais em que foi autorizado desmatamento pelo IBAMA, sendo que no final foram vistoriadas mesmo aquelas que não constavam da relação fornecida pelo IBAMA.

Esse trabalho, de valor inestimável, foi custeado mediante requisição do MPE, pela Prefeitura Municipal de Buriti, apenas para cobrir as despesas do perito nomeado pela Promotoria, para realização do trabalho, o competente ANTÔNIO JOSÉ BARBOSA CAMPOS FILHO, nosso querido “Antonio Pernambucano” que instrumentalizou sobremaneira o Ministério Público, fornecendo laudos precisos, para cada uma das propriedades vistoriadas, demonstrando cabalmente várias irregularidades, as quais apenas ficavam no âmbito das palavras, mas que agora passaram a integrar o mundo das provas.

O amplo levantamento, que se encerrou no mês de outubro de 2006 traz dados concretos preocupantes, que demonstram os mais variados tipos de agressões ambientais e irregularidades, com resultados estatísticos assustadores, com por exemplo o fato de que cem, por cento das propriedades vistoriadas apresentavam derrubada de árvores protegidas por lei, como o bacuri e o pequi, esta última espécie, inclusive, estava sendo usada para fins de produção de carvão, como se constatou em algumas propriedades.

Outros dados relevantes: noventa e seis por cento das propriedades não apresentaram EIA/RIMA, em que pesem terem sido vistoriados 31..253,10 hectares (28 imóveis rurais); quarenta por cento dessas propriedades não possuíam área de reserva legal, sendo que em alguns casos com a própria autorização do IBAMA; vinte por cento dos imóveis desmataram a maior do que o autorizado pelo IBAMA e vinte por cento dos imóveis não tinham qualquer tipo de licenciamento ambiental.

Como resultado deste trabalho, árduo mais profícuo, serão propostas ações civis públicas e eventuais ações penais, no casos mais graves, visando a reparação dos danos ambientais causados e demonstrados e a responsabilização dos culpados para tanto. Nos casos menos graves, tentar-se-á obter a reparação dos danos mediante Termos de Ajustamento de Conduta, após a realização de audiências públicas com a comunidade e a participação da Sociedade Maranhense de Direito Humanos, que tem participado ativamente de todo este processo de enfrentamento da expansão desmedida e sem auto-sustentação da sojicultura na região.

O trabalho continua em toda a região por parte dos colegas que também tem o mesmo compromisso de defesa do meio ambiente e das populações locais, e a expectativa é que essa ação coordenada do Ministério Público Estadual possa servir como barreira para evitar danos ainda maiores, e garantir a preservação do meio ambiente local e a segurança social e alimentar das seculares comunidades que se instalaram no Baixo Parnaíba e da lá tiram o seu sustento.

Emmanuel José Peres Netto Guterres Soares –Promotor de Justiça de Buriti

in www.EcoDebate.com.br – 30/11/2006
enviado por Fernando Barreto Júnior, Promotor de Justiça de Meio Ambiente e Coordenador do Centro de Apoio Operacional de Meio Ambiente, Urbanismo e Patrimônio Cultural do Ministério Público do Maranhão