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Um licenciamento com vigas de ferro, Mayron Régis

[EcoDebate] Com referência ao caso do licenciamento ambiental de seu empreendimento de reflorestamento com a cultura de eucalipto, a Margusa deveria beijar as mãos e os pés da Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Maranhão em sinal de agradecimento pelo favor que ela tenta prestar à empresa.

A Secretaria de Estado do Meio Ambiente, em sua análise do Estudo de Impacto Ambiental, não observa ou não quer observar a área de abrangência do empreendimento – área de abrangência: 71 mil hectares de Cerrado leste maranhense e da transição Cerrado-Semi-árido que transitam por dentro dos territórios de oito cidades: Urbano Santos, Belágua, São Benedito do Rio Preto, Anapurus, Mata Roma – microrregião de Chapadinha; Santa Quitéria, Santana do Maranhão e São Bernardo – microrregião do Baixo Parnaíba.

Essas cidades que escorregam, que se deixam drenar e evaporar – o dreno das bacias hidrográficas dos rios Munim, Preto, Parnaíba e Preguiças. As cidades se espreguiçando airosamente em cada beira de brejo, em cada beira de igarapé e em cada beira de rio; elas não se espreguiçam na beira de monoculturas de soja e de eucalipto e na beira de baterias de carvoaria.

Num dia de extremo calor, daqueles que a pessoa mal consegue pensar, os moradores das cidades das microrregiões de Chapadinha e do Baixo Parnaíba convergiriam para as beiras de brejo, igarapé e rio:

– o escrivão do cartório de São Bernardo escolta, com os seus lábios de senhor de idade, barcos que transportam passageiros e mercadorias pelo rio Buriti, contudo com a vazão do rio diminuindo esses barcos encalham na memória do próprio escrivão;

– na famosa marcha em defesa do Baixo Parnaíba, do dia 04 de maio de 2005, mais de 500 cavaleiros andantes se refrescaram na beira de um brejo, depois de acenarem para e debocharem de um efetivo policial que guarnecia plantações de soja, por menos de meia hora porque não havia mais tempo para se espreguiçarem e porque o mundo do agronegócio no Cerrado leste maranhense cismava sobre as suas intenções.

Sem enxame de pessoas para se espreguiçarem nas beiras dos cursos de água, ficou mais fácil para que o agronegócio se banqueteasse nestas beiras. As cidades não se espreguiçam nas beiras das monoculturas e das carvoarias porque as matas nativas foram desmatadas e as nascentes dos cursos de água foram aterradas e porque estas beiras e hectares e mais hectares de mata nativa foram compradas ou arrendadas por grandes interesses econômicos e políticos que nem de longe querem a presença das populações agro-extrativistas do Cerrado e do Semi-árido em suas propriedades se espreguiçando.

Por si só, as dimensões geográfica, econômica, social e ambiental do empreendimento de reflorestamento que a Margusa sonha erguer no Cerrado leste maranhense para aplacar sua fome de energia de 540 mil metros cúbicos ao ano de carvão vegetal para produzir 200 mil t/ano de ferro gusa descambariam para inúmeros e intensos debates da empresa com a Secretaria de Meio Ambiente do estado do Maranhão, com as ONG’s e com as comunidades residentes nas cidades e nas regiões próximas ao empreendimento. Entretanto, as grandes empresas ojerizam processos ditos democráticos e que demandam tempo e dinheiro, dinheiro que sai dos seus caixas para complementações de estudos ambientais e dinheiro que não entra porque o empreendimento ainda não funciona.

Estudando os diagnósticos e os mapas contidos no Estudo de Impacto Ambiental da Margusa, empresa do grupo Gerdau, sediada em Rosário, e deles surrupiando o recôndito, eis o que surge: Um empreendimento de 71 mil hectares – alta concentração fundiária – entre áreas de reflorestamento, que chegam a 42 mil hectares, reserva legal e obras de infra-estrutura – plantios de sete mil hectares a cada ano de 2006-2011 – Urbano Santos e Santa Quitéria – as duas cidades com mais áreas afetadas – a pavimentação de rotas de energia das áreas de plantio e das carvoarias em direção à sede da Margusa – e os técnicos da Secretaria de Meio Ambiente dourando a pílula e priorizando uma única audiência pública na cidade de Urbano Santos.

Mayron Régis, jornalista

in www.EcoDebate.com.br – 20/11/2006