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Artigo

O Planeta Terra não tem backup, por Telma Delgado Monteiro

Sinopse do livro Eco-Economia – Construindo uma Economia para a Terra, de Lester R. Brown

Introdução

O economista americano Lester R. Brown, fundador, em 1973, do Worldwatch Institute e um dos ambientalistas mais respeitados do mundo prevê, no seu livro ECO-ECONOMIAConstruindo uma Economia para a Terra, que o planeta deverá passar por um “choque ecológico” para se adequar a uma economia ambientalmente sustentável. Para ele, será preciso nivelar e compatibilizar a relação entre a economia e os ecossistemas, sob pena de se atingir um estado de emergência ecológica.

Paralelamente, Sir Nicholas Stern, economista britânico, elaborou o relatório Stern Review”, um documento criterioso de 700 páginas sobre os efeitos das alterações climáticas na economia, divulgado em 30 de outubro de 2006, que corrobora aquilo que preconiza Lester Brow. Em sintonia com ambos, Uma Verdade Inconveniente ( outubro de 2006) de Al Gore é mais um alerta que completa a tríade.

Estes importantes personagens, economistas e homens públicos, vêm desmistificar a enxurrada de críticas que ONGs e pesquisadores têm recebido pelos trabalhos e pesquisas que denunciam a destruição e exaustão dos recursos naturais por uma economia insustentável.

Muitos não leram o livro Eco-Economia de Lester R. Brown e me surpreendo todos os dias com gestores públicos e ONGs que continuam separando a economia da ecologia. Fiz um resumo daquilo que achei mais instigante no livro e espero que possa servir para desarmar os cépticos.

ECONOMIA GLOBAL

Em 1950 o total de bens e serviços equivalia a US$ 6 trilhões, em 2 000 a US$ 43 trilhões e a projeção para daqui a 25 anos é que atinja a cifra de US$ 172 trilhões. Brown abre sua magnífica análise do planeta sob a ótica da eco-economia enfatizando a necessidade do respeito aos princípios da ecologia, de uma conscientização ecológica e da premência da criação de um mundo sustentável em que os economistas e ecólogos firmem um compromisso envolvendo matérias transdisciplinares.

Relata desde aqüíferos exauridos pelo excesso de extração que acabou por criar um déficit hídrico até o encolhimento das florestas no mundo, à base de 9 milhões de hectares ao ano. Extinção é para sempre, diz, citando entre outros impactos no clima, a possível interferência na manta de gelo da Groenlândia, com 2 quilômetros de espessura, que, se começar a derreter, pode elevar o nível do mar em 7 metros.

Conta fatos históricos que culminaram na extinção de algumas civilizações antigas como a dos Sumérios, em 250 AC, que criou uma terrível falha ambiental ao utilizar a água na agricultura de forma insustentável, com conseqüente salinização do solo; ou dos habitantes da Ilha de Páscoa que, pescadores exemplares, consumiram toda a madeira da ilha para fazer as embarcações que lhes propiciavam o alimento e morreram de fome por não ter mais como pescar; ou ainda a dos Maias, que pereceram por falta dos alimentos cuja produção tornou-se inviável devido à erosão do solo pelo terraceamento.

Hoje, continua, mais de 80 milhões de pessoas por ano no mundo são refugiados ambientais oriundos da dilapidação do capital natural da Terra. Com isso, foram criados déficits ecológicos que serão pagos pelas gerações futuras. Lester Brown conclama para um planejamento da economia que respeite os fundamentos da ecologia e convida o mercado a falar a verdade ecológica.

Cita alguns exemplos, tais como a avaliação equivocada do custo do carvão na eletricidade em detrimento da energia eólica. Chega a sugerir um “imposto ambiental” e a necessidade de informação sobre o real custo total dos produtos e serviços que compramos, incluindo o custo ambiental efetivo.

I – UM RELACIONAMENTO ESTRESSADO

Os sinais de estresse estão, hoje, muito claros e evidenciam a escassez da água, principalmente. São muitos os exemplos de degelo que ele cita, que vêm se agravando com sérias conseqüências para a elevação do nível do mar, que pode significar 1500 m de recuo do litoral a cada metro que subir. O resultado previsto disso é o aumento -em milhões – do número de refugiados climáticos em regiões como Bangladesh, China, Índia, Indonésia, Filipinas e Vietnã. Para se ter uma idéia da magnitude da retração do continente, isso equivaleria a reduzir os EUA em 36 000 quilômetros quadrados.

É preciso pensar, continua ele, que no futuro muito próximo serão os refugiados climáticos que dominarão o fluxo internacional de migrantes. Qual é o custo de assentar essas pessoas? É preciso observar o crescimento de números como o custo das catástrofes, que em 1960 era de US$ 69 bilhões e em 1990 passou dos US$ 536 bilhões. Basta alguns outros exemplos que tão apropriadamente Brown cita, como o caso do Mar de Aral que de 1960 até hoje recuou 12 metros, perdendo 40% da área e 66% do volume. O rio Amu Darya, que o alimenta, nele desaguando, já está praticamente seco e o Mar de Aral estará seco em uma ou duas décadas.

São muitos os casos que Lester Brown usa para fundamentar e ilustrar sua obra, como o do Rio Amarelo, na China, que em 1977 chegou a ficar 226 dias sem atingir o mar; ou o do Rio Nilo, que banha três nações e que definhará completamente se não se produzir um projeto de estabilização das populações; ou ainda o caso do Rio Jordão que deságua no Mar da Galiléia e cujo nível vem decrescendo espantosamente e o do Mar Morto, que vai encolhendo nitidamente.

Lester Brown vai mais longe quando faz uma análise assustadora da planície norte da China, cujo lençol freático entrou num processo de redução de 1,5m ao ano. Dos 2,6 milhões de poços, 99 900 foram abandonados em 1997 e 221 900 novos foram perfurados para suprir a necessidade de irrigação.

China, Índia, Arábia Saudita, África do Norte e EUA levam à exaustão os seus aqüíferos à ordem de 160 bilhões de metros cúbicos por ano. Brown faz uma equação muito interessante para ilustrar sua análise: cada tonelada de grãos equivale a 1 000 toneladas de água , ou seja, 160 bilhões de toneladas de déficit hídrico correspondem a 160 milhões de toneladas de produção de grãos. São de 300 quilos/ano o consumo mundial per capita de grãos e 160 milhões de toneladas de grãos, produzidos de forma insustentável, alimentam 480 milhões de pessoas.

Outra colocação interessante que ele faz é a de que quando os países perdem sua capacidade de irrigação acabam aumentando sua necessidade de importação de grãos. A água para suprir a demanda das cidades tende a migrar da água que iria para a irrigação com a conseqüente diminuição da produção de grãos. Importar grãos é, na equação de Brown, importar água numa proporção de 1000 toneladas de água para cada tonelada de grãos. Incrível!

A competição pela água se refletirá nos mercados futuros de grãos, enfatiza. Podemos imaginar o Brasil que, ao aumentar indiscriminadamente a produção de grãos ocupando o espaço da Amazônia vai, na realidade, exportar – em volume mil vezes maior e sem estar incluído no custo – um produto muito mais valioso: água.

O México já contribui com 1 036 quilômetros quadrados ao ano de terras abandonadas, exauridas e desertificadas; a África em 2025 terá mais de 2 bilhões de pessoas. Daí pode-se presumir a escalada do número de refugiados ambientais. Alerta Lester Brown, também, para o possível estágio inicial da sexta grande extinção da Terra, que não se dará por fenômenos naturais.

Neste ponto ele cita Chris Bright “A natureza não tem botão de reiniciar”. Perfeito para ilustrar o estresse deste planeta que também não tem backup, complemento eu.

II – A NOVA ECONOMIA

Segundo Lester Brown (…) “cientistas ambientais estão avaliando os efeitos dos projetos após os economistas terem decidido quais investimentos realizarão” (…). Essa é a feição pérfida da eco-economia que temos hoje.

A redução da fotossíntese, a desertificação, a impermeabilização do solo e a chuva ácida são fatores que acabam por diminuir a produtividade do planeta. É fundamental, por exemplo, preservar as florestas à montante para o controle das enchentes. A demanda pela água já supera a produção sustentável dos aqüíferos, como comprovam a diminuição do volume nos poços devido ao rebaixamento do lençol freático.

Brown chega neste ponto e nos lança as questões cruciais:

· O que comeremos?

· Onde viveremos?

· Como será o lazer?

· Quantos filhos teremos?

Na nova economia, ele ressalta, outras atividades serão desenvolvidas com ênfase para a energia eólica, piscicultura, indústria de bicicletas, teleconferência, produtividade hídrica com a busca da eficiência na gestão da água. Tudo isso deverá criar novos empregos, novas profissões, novas especialidades tais como a engenharia eólica e a arquitetura ambiental.

Estabilizar a população, diz ele, será o grande desafio e, cita a inusitada tendência do reaparecimento das parteiras para acompanhamento do planejamento familiar. Ele crê na revolução ambiental depois da revolução agrícola e da revolução industrial. Magnífico e imprescindível, quando se coloca lado a lado o consumo anual de 28 bilhões de barris de petróleo (dados de 2000) e a exaustão dos recursos naturais.

Aqui, Lester Brown envereda para uma área específica: a energia, com uma fundamentação precisa sobre o aproveitamento dos ventos na energia eólica e cria, em tese, um futuro em que a era solar e a era do hidrogênio podem vir a mudar e a salvar o planeta. Cita a queda dos custos por Kw hora da energia eólica de US$ 0,38 nos anos 80 para US$ 0,04 em 2001. A Argentina, diz ele, vai produzir 3 000 Mw de energia eólica na Patagônia até 2010 e acrescenta, entusiasmado, que o excedente dessa fonte de energia pode ser armazenado na forma de hidrogênio.

Nicarágua e Filipinas já têm, respectivamente, 28% e 26% da sua energia gerada de fonte geotérmica. Alguns números ilustram as mudanças, no mundo, das fontes de energia renovável dos anos 90 para 2000, como, por exemplo, o aumento de 32% na capacidade de geração eólica, o aumento de 43% nas vendas de células solares, a diminuição em 4% da queima de carvão como combustível, o aumento em 2% do uso do gás natural, o aumento em apenas 1% no uso do petróleo e o aumento de menos de 1% do uso da energia nuclear. Estamos começando a entender os sinais da natureza?

Lester Brown nos dá, ainda, outros dados estarrecedores, como o montante de US$ 700 bilhões gastos anualmente pelos governos em atividades ambientalmente destrutivas como mineração de carvão, pesca excessiva e extração predatória de aqüíferos.

Aqui o autor é enfático ao analisar os materiais cujo beneficiamento consome muita energia e nos lança, mais uma vez, dados impressionantes como o de que 6,1 bilhões de habitantes utilizam per capita 137 kg de aço por ano e 340 kg de ferro. Esses números provam uma realidade monstruosa na utilização dos recursos naturais e um simples exemplo basta para termos idéia dessa dimensão: um par de alianças de ouro equivale a um buraco no chão de 3 metros de extensão com 1,80 metro de largura por 1,80 metro de profundidade.

As cifras da exploração da natureza pelas energo-intensivas são impressionantes: são 833 milhões de toneladas/ano de aço bruto produzido, 24 milhões de toneladas/ano de alumínio, 13 milhões de toneladas/ano de cobre (dados do ano 2000) e nessa escalada estão a China em primeiro lugar, seguida pelos EUA e Japão. Balanço geral? Pasmem com o 1,4 bilhão de toneladas/ano de minério para a produção de aço. Para se produzir uma tonelada de ouro é preciso processar 300 000 toneladas de minério. Nessa corrida a Amazônia contribui, segundo ele, com a utilização de 100 000 kg de mercúrio para a extração de ouro.

A lâmpada vermelha do alarme está acesa e piscando alucinadamente, pois uma colher de chá de mercúrio num lago de 10 hectares impossibilita o consumo humano de seus peixes. Os efeitos do mercúrio, diz Brown, podem levar uma década para se manifestar. Não se pode saber quando esses efeitos se manifestarão no caso da Amazônia (dano cerebral e defeitos congênitos, entre outros). Mas a Amazônia detém apenas uma parcela dos problemas do mundo inteiro; na gordura dos ursos polares do Círculo Ártico já foram detectadas altas concentrações de POPs.

Só em 1999, continua ele, foram liberados 3,5 milhões de toneladas de produtos químicos no meio ambiente americano o que equivale a 12,5 kg por pessoa. Lester Brown menciona também o tremendo estrago provocado pelas usinas elétricas a carvão nos EUA, que liberam na atmosfera 45 000 kg/ano de mercúrio que acabam por se depositar nos cursos d’água. Os 3,2 bilhões de pessoas que serão adicionadas à população mundial nos próximos 50 anos nascerão em países que já enfrentam carência de água, diz Brown, e dá a dica: ou se estabiliza a população mundial ou teremos a escassez de alimentos provocada pela escassez hídrica. É pegar ou largar!

Resolver a equação [aumento da produtividade hídrica] = [cobrança pelo uso da água] + [eficiência] + [racionalização] pode ser a grande saída para um grande impasse que vai afetar muitas gerações. Só na China 70% da água são desviados dos rios ou bombeados do subsolo para irrigação. Talvez, segundo Brown, o uso eficiente da água na irrigação seja a chave. Exemplo? Em Israel a irrigação por gotejamento reduziu o consumo entre 30% e 70%. É preciso considerar alguns outros dados, como o consumo e produção de carne no mundo: em 1950 eram 44 milhões de toneladas e em 2000 foram 233 milhões de toneladas o que nos leva a um crescimento de 17 kg para 38 kg per capita.

Mais uma vez, ele nos assusta, com o fato da pobreza hidrológica estar se apresentando numa escala inimaginável. As ameaças à produção futura de alimentos deverão, indubitavelmente, passar por questões como erosão do solo, exaustão dos aqüíferos e mudança climática.

Continuando com a sucessão de dados que antecipam uma possível era negra para o planeta Terra se não mudarmos os rumos traçados por essa economia em que produtos e serviços são obtidos à custa do estresse ambiental, Lester Brown cita o Lago Chad no continente africano que encolheu dos 25 000 quilômetros quadrados que tinha em 1963 para incríveis 1 350 quilômetros quadrados hoje. Na esteira desse drama estão menores índices pluviométricos, aumento da irrigação com o desvio de cursos de água e o aumento do desflorestamento. E aí ele chega a uma questão que já foi alvo dos alertas da sociedade e da academia no que diz respeito à relação entre queda na produtividade das hidrelétricas e aumento da carga de sedimentos transportada pelos grandes rios, como o Madeira; esses sedimentos aceleram o processo de assoreamento e, em decorrência, diminui a vida útil de barragens erguidas com custos altíssimos, tangíveis e intangíveis.

No final dessa brilhante obra , que imagino, seja o grande alerta para evitar a debacle ambiental, Lester Brown conduz nosso olhar para o planejamento de cidades para as pessoas e, mais uma vez, nos confia dados interessantes, como: os menos de 2% da superfície do Planeta Terra que são ocupados pelas cidades produzem 78% das emissões de carbono, consomem 60% de água (consumo residencial), utilizam 76% da madeira para fins industriais. A derrubada das árvores deveria ser um item obrigatório na planilha de custos a ser apresentada, à sociedade, pela natureza agradecida.

É preciso eliminar métodos predatórios de exploração dos recursos naturais como a queima de carvão, a utilização de recipientes descartáveis, mineração de ouro com cianeto, etc.; reduzir impostos sobre a renda e aumentar impostos sobre atividades ambientalmente destrutivas, como emissões de carbono e enxofre, geração de lixo tóxico, uso de matérias-primas virgens, uso de recipientes e produtos descartáveis, emissões de mercúrio, geração de lixo, uso de agrotóxicos, propriedade de veículos, aterros sanitários, uso excessivo de água, derrubada de árvores. Essa sim, deveria ser a fatia do leão, segundo Brown.

Reduzir subsídios governamentais ambientalmente destrutivos, como os da pesca oceânica, indústrias extrativas (carvão), uso de automóvel, criar um selo ecológico, rotular os produtos produzidos através de práticas ambientais seguras, são suas propostas. Energia verde? Sim, é possível com fontes renováveis que não as hidrelétricas, como a eólica, células solares, energia solar térmica, energia geotérmica e biomassa. Brown sugere, então, a eletricidade verde através de fazendas eólicas, e deixa claro que é sua opção para um planeta saudável.

III – COMO CHEGAR LÁ

A fórmula que ele apresenta é simples e passa em primeiro lugar pelo controle da natalidade para estabilizar as populações, uma vez que 1/3 das gravidezes são indesejadas e, em segundo lugar, pela melhoria na educação.

E chegamos finalmente à conclusão, quando ele indica as ferramentas para a reestruturação da economia. Uma delas é agregar aos preços a verdade ecológica que, necessariamente, tem que passar pela reestruturação do sistema fiscal. Os preços têm que refletir a realidade da exploração dos recursos naturais. A política fiscal deve contemplar a verdade ecológica e incorporar o valor dos serviços do ecossistema. Evoca o papel da mídia na mudança das prioridades públicas e no comportamento privado para a construção da eco-economia. Encerra citando que o interesse corporativo deve dar sua contribuição pensando na diminuição dos lucros; quanto às ONGs e movimentos, seu papel é o de insistir e persistir na correção dos rumos. Deixa claro que a escolha terá que ser desta geração.

Telma D. Monteiro, ATLA – Associação Terra Laranjeiras, Juquitiba – SP

in www.EcoDebate.com.br – 10/11/2006

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